SE LIGUE NESSA! Netflix pode cobrar por compartilhamento de senha?

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(*)  Julia Cordeiro Szymczak/ Direito Civil e Empresarial


Com um mundo cada vez mais acessível em termos de tecnologia e informação, não somente as empresas que trabalham com produtos e serviços no mundo real precisam sair do mundo físico e adentrar ao meio digital. As organizações que fornecem serviços no meio cibernético precisam correr contra o tempo e contra os seus concorrentes para se destacar no mercado.


Uma prática comum realizada por usuários de serviços de streaming (transmissão de conteúdo multimídia pela internet) como a Netflix, é o empréstimo de contas para terceiros utilizarem o serviço.


Tal prática faz com que pessoas não paguem pela utilização do serviço, ou em acordo, dividam o valor com o proprietário da conta que é cedida. A Netflix, por exemplo, entendeu isto como um desfalque em seu faturamento, achando como solução a cobrança por “ponto extra” de utilização.


Como funciona hoje:


Atualmente a Netflix oferece quatro planos para os consumidores brasileiros:


· Plano padrão qualidade 1080p com anúncios e direito a uma tela por R$18,90


· Plano básico qualidade 720p sem anúncios e direito a uma tela por R$25,90


· Plano padrão qualidade 1080p sem anúncios e direito a duas telas simultâneas por R$39,90


· Plano premium qualidade 4K sem anúncios e direito a 4 telas simultâneas por R$55,90


Recentemente a empresa enviou e-mail aos seus consumidores, alertando que se existirem outras pessoas utilizando o serviço na mesma conta e não estejam sob o mesmo sinal de internet, será cobrado o pagamento adicional de R$12,90 por pessoa ou então haverá a opção de migrar o perfil para uma conta independente, se tornando um novo usuário.


No site de divulgação da empresa consta que “os planos variam de R$18,90 a R$55,90 por mês. Sem contrato nem taxas extras”, portanto, não prevê a cobrança da referida taxa.


O que é residência:


Para a lei, o domicílio é onde a pessoa estabelece sua residência definitivamente, mas se tiver multiplas residências, seu domicilio se considera em qualquer uam delas, nos termos dos artigos 70 e 71 do Código Civil.


Muitas pessoas moram em Curitiba, por exemplo, mas possuem uma casa na praia, no campo, e utilizam em todas as suas residências a mesma conta para acessar o serviço de streaming, ou ainda as empresas podem não levar em consideração que alguns familiares moram longe ou fora da residência do assinante, como um pai que trabalha em outra cidade.


Cobrar por mais de uma residência pode configurar conduta abusiva do prestador de serviços, vez que o Código de Defesa do Consumidor veda a exigência de vantagem manifestamente excessiva.


Streaming de música


Se um streaming de música utilizasse o mesmo critério, não se poderia sequer escutar música enquanto dirige, ou ainda se estivesse em uma festa na casa de outra pessoa não poderia colocar música para tocar através de uma conta que não fosse a do morador da residência.


Ponto extra em TVs por assinatura:


Voltando o olhar para serviços semelhantes, o Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento de que as TVs por assinatura somente podem cobrar pela utilização de pontos extras se estiverem previstos no pacote ofertado ao cliente.


Em julgamento de Recurso Especial 1449289 RS, o Ministro do STJ Ricardo Villas Boas entendeu que “caso o consumidor não pretenda pagar o aluguel pelos aparelhos disponibilizados pela própria fornecedora do serviço de TV por assinatura em razão direta dos pontos adicionais requeridos, pode optar por comprar ou alugar ou obter em comodato de terceiros os equipamentos necessários para a decodificação do sinal nos exatos termos da faculdade conferida pela normatização regente.”, ou seja, o consumidor pode ter mais pontos de TV sem ter que pagar para a empresa de tv a cabo.


Após a vigência da Resolução nº 528/2009 da ANATEL, qualquer cobrança por conta da disponibilização de ponto extra nos serviços de televisão por assinatura passou a ser vedada.


Por analogia, nos sistemas de streaming, o aparelho que conduz a mídia é de propriedade de cada usuário e de cada pessoa que usufrui da mesma conta, não havendo o que se falar em taxa de aluguel do aparelho de ponto. De igual forma, a propaganda da Netflix é no sentido de que não existem outras taxas a serem pagas pelos consumidores além da mensalidade dos planos.


Como se sabe, os contratos dessas empresas são de adesão, de modo que o consumidor se vê obrigado a aceitar todos os termos que ali estão previstos a fim de que consiga usufruir do serviço, sendo que, quando existem cláusulas abusivas, é perfeitamente discutível no âmbito judicial, o que poderá gerar danos à imagem das empresas no mercado, sem falar ainda dos prejuízos financeiros.


Uma solução empresarial:


É fato que não se pode controlar pormenorizadamente quem utiliza a conta de cada usuário. Pode ser ele mesmo em outro local, através de outro dispositivo e outro sinal de internet, ou pode ser um amigo.


Ainda que o sistema esteja logado na casa do dono da conta, não se sabe quem está assistindo atrás da tela. Pode ser, inclusive, que o dono da conta nem esteja em casa e outra pessoa que não é de sua família esteja utilizando o serviço.


Outro fato é que se a empresa de streaming não prevê a cobrança de uma taxa em sua publicidade e em seu contrato, é vedada a cobrança.


Mas de qual forma justa pode se diminuir o prejuízo financeiro às empresas de streaming?


Uma solução poderia ser aumentar o valor dos planos como já são, independente de onde e quem acesse a conta, ou ainda limitar todos os planos para acessar apenas uma tela simultânea por vez. Talvez, esta última desagrade ainda mais quem usufrui dos serviços de streaming e faça com que consumidores cancelem seus planos e migrem para outras empresas.


O PROCON de São Paulo já notificou a empresa para que preste esclarecimentos acerca da taxa que pretende cobrar dos acessos extras.


Conclusão: O aumento de lucros e expansão da empresa precisa estar alinhada à estratégia jurídica


Da análise da situação em comento, tira-se uma conclusão: é imprescindível que o plano de aumento do faturamento e por consequência, do lucro da empresa esteja alinhado com as normas do sistema jurídico do país que está inserido.


Ainda, tal conduta pode ser entendida como uma indução à captação de novos clientes, vez que pode induzir o usuário a migrar seu perfil para uma conta independente da que estava utilizando, tendo que pagar um plano individual.


O custo de reparo de danos com multas administrativas e ações judiciais pode ser maior que a o custo com a contratação de profissionais e planejamento de um programa de conformidade. Não somente pelos gastos comuns com sanções, mas principalmente com a imagem veiculada nas mídias, vez que a “política do cancelamento” de pessoas e empresas pela internet é muito forte e demora a ser esquecida, manchando a reputação de uma organização por anos.


(*) Buscando um mundo melhor através de uma sociedade justa, baseada em princípios de segurança, responsabilidade, zelo e harmonia. Há 6 anos atuando na área jurídica na Szymczak Sociedade de Advogados, escritório de advocacia que conta com mais de 20 anos de atuação em todo o Brasil. Advogada.


Artigo publicado pelo Jusbrasil


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