© Roberto Schmidt/AFP/Getty Images
Três
meses após ter deixado o Brasil para não ter que passar a faixa presidencial,
Jair Bolsonaro finalmente ficou frente a frente com o ex-presidente americano
Donald Trump. O brasileiro participou neste sábado (04/03) da Conferência de
Ação Política Conservadora (CPAC), em Washington, que reuniu os principais
nomes da extrema direita dos Estados Unidos.
Em
seu discurso, Bolsonaro vocalizou novamente a incredulidade por ter sido superado,
no voto popular, por um adversário. "Com certeza, sou o ex mais amado do
Brasil", disse numa fala que era ilustrada por imagens dele com apoiadores
em motociatas e nas conversas no ‘cercadinho' do Planalto.
"Se
olhar as imagens, tive muito mais apoio em 2022 que em 2018. Não sei porque os
números mostram o contrário", questionou outra vez Bolsonaro. Em seu
discurso de pouco mais de 20 minutos, o ex-presidente afirmou ter uma relação
"excepcional" com Trump e destacou: "Fui o último presidente do
mundo a reconhecer os resultados da eleição dos Estados Unidos".
Além
de Bolsonaro e do próprio Trump, que encerrou o evento com uma fala de 1h45, a
CPAC também contou com uma das principais figuras da extrema direita mundial
ligada ao ex-presidente dos EUA: o ideólogo Steve Bannon.
Condenado
a quatro meses de prisão pela Justiça americana por não
cooperar com a investigação aos ataques do Capitólio, Bannon foi um dos
principais motivadores da tentativa de golpe nos EUA após a derrota de Trump
para o democrata Joe Biden, em 2020, que culminou com a invasão do Capitólio.
Ele aguarda o fim do processo em liberdade.
Críticas
à saída de Bolsonaro do Brasil
Após
a derrota de Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva no pleito do ano passado,
Bannon difundiu mentiras, nas redes sociais e em entrevistas, sobre a suspeição
infundada das urnas eletrônicas no Brasil, onde militantes bolsonaristas também
tentaram um golpe de Estado ao invadir os prédios dos Três Poderes, em
Brasília, em 8 de janeiro.
Nos
bastidores da CPAC, Bannon criticou a atitude de Bolsonaro de deixar o Brasil antes
da posse de Lula. "Recomendei fortemente para que o presidente Bolsonaro
não saísse do Brasil", disse o extremista à DW, voltando a repetir
argumentos infundados sobre a eficiência das urnas eletrônicas.
"Minha
recomendação foi para que ele [Bolsonaro] ficasse e lutasse com eles. Não acho
que Lula deveria assumir [a presidência]", complementou, chamando o atual
presidente brasileiro de "comunista" e o acusando de ter
"envolvimento com o Partido Comunista Chinês".
A
suposta "ameaça comunista"
Também
no sábado, um pouco antes do pai, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP)
participou de um debate na CPAC cujo tema era "A Ameaça Comunista nas
Américas". A relação próxima entre Eduardo e Bannon é conhecida
publicamente. O ideólogo do trumpismo chegou a nomear o filho de ex-presidente
líder de seu movimento de extrema direita na América do Sul.
A
suposta ameaça comunista, inclusive, foi um dos principais motes do evento,
junto com o descrédito das urnas. Em diversos painéis e discursos,
participantes da cúpula foram praticamente uníssonos ao chamar o atual
presidente americano, o democrata Joe Biden, de "comunista",
"socialista", "globalista" ou mesmo "marxista".
Num
momento em que a extrema direita se vê escanteada do poder no continente, com a
vitória de líderes social-democratas em países como Chile, Argentina, Colômbia,
México e Brasil, a retórica do CPAC se volta contra um inimigo em comum: a
China.
No
discurso final, Trump disparou contra os "políticos amantes da China"
do Partido Democrata e culpou a pandemia do "vírus chinês" por não
ter tido o desempenho econômico esperado. Ao fim de sua fala, Trump
praticamente repetiu o dito por Bolsonaro horas antes: "Fomos muito
melhores [nas eleições] em 2020 que em 2016", em um reiterado o ataque ao
sistema eleitoral americano.
Articulação
internacional
Nos
últimos anos, eventos promovidos por extremistas de direita têm ganhado peso no
cenário internacional. Segundo Denilde Holzhacker, professora de relações
internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), cúpulas
como a CPAC têm um efeito de mobilização dos atores da extrema direita
internacional.
"É
algo que vem sendo feito ao longo dos últimos anos para gerar uma capacidade de
apoio e articulação de diferentes grupos. É um movimento que tem se
consolidado, se ampliado, e se tornado uma coalização grande em termos
internacionais", destaca Holzhacker, que elenca como principais atores,
além de Trump, Bannon e Bolsonaro, figuras como o húngaro Viktor Orbán e a
francesa Marine Le Pen.
A
especialista afirma que a ideia de contestação às urnas, que tem sido constante
dentro da lógica da extrema direita, está diretamente ligada à centralização
desse campo ideológico em torno de lideranças individuais – como os
ex-presidentes de Brasil e EUA. "Sempre vai haver um cunho antipolítico e
antidemocrático, porque o movimento entende que é necessária uma lógica de
atuação política centralizada na liderança, no papel dessa liderança",
explica Holzhacker.
Autora
de Menos Marx, Mais Mises: O Liberalismo e a Nova Direita no Brasil e The
Bolsonaro Paradox, a cientista política Camila Rocha, do Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (Cebrap), destaca que a família Bolsonaro tem construído
‘profundos laços' com a extrema direita e a chamada alt-right americana.
"Não é à toa que ele foi para os Estados Unidos, foi justamente por conta
desses laços", diz.
Rocha
lembra do apoio que movimentos supremacistas dão para os candidatos da extrema
direita, como Bolsonaro e Trump, sustentando a retórica de violência às instituições
e a ruptura da ordem democrática. "Se pensarmos nesses grupos, são pessoas
armadas, que têm envolvimento com atividades armadas e que são dispostas a agir
de forma muito mais violenta, por exemplo, participar de atentados",
afirma a cientista política. "Você tem uma espécie de uma pequena milícia
formada por pessoas comuns", acrescenta.
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