Foto: Reuters
Antes
de precisar lidar com a maior dor de cabeça até o momento - as invasões de
bolsonaristas às sedes dos três Poderes em Brasília no dia 08 de janeiro -, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já acumulava quatro "focos de
incêndio" para apagar.
Os
primeiros dias do governo foram agitados, com declarações conflitantes entre
ministros, dilemas na área econômica, desafios na negociação de cargos com
partidos e, até mesmo, com uma ministra - Daniela Coelho, do Turismo -
desgastada por suposto elo com milicianos.
Na
primeira sexta-feira (06/01) do terceiro mandato, Lula realizou sua primeira
reunião ministerial para alinhar sua equipe. Na fala de abertura, o presidente
disse que a pessoa que fizer algo errado "será simplesmente, da forma mais
educada possível, convidada a deixar o governo".
"E
se cometer algo grave a pessoa terá que se colocar diante das investigações e
da própria Justiça", acrescentou.
Ao
final do discurso, porém, garantiu que não abandonará ministros em dificuldade.
"Estejam
certos que eu estarei apoiando cada um de vocês nos momentos bons e nos
momentos ruins. Não deixarei nenhum de vocês no meio da estrada, não deixarei
nenhum de vocês. Vocês foram chamados porque têm competência, vocês foram
chamados porque foram indicados pelas organizações políticas que vocês
pertencem, e eu respeito muito isso", afirmou.
Entenda
melhor a seguir três "dores de cabeça", além das invasões em Brasília:
1.
Proximidade com miliciano
© AFP/Getty Images
A
ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), virou importante foco de
desgaste para o governo já em seu terceiro dia no cargo, após o jornal Folha de
S.Paulo revelar que ela e seu marido, o prefeito de Belford Roxo, Waguinho
(União Brasil), teriam vínculos com o ex-policial militar Juracy Alves
Prudêncio, o Jura, condenado e preso por homicídio e associação criminosa, sob
acusação de chefiar uma milícia na Baixada Fluminense.
Segundo
a reportagem, Jura foi nomeado em junho de 2017 como assessor de uma secretaria
da prefeitura de Belford Roxo, no primeiro mandato de Waguinho como prefeito da
cidade. Isso deu direito ao ex-PM de sair da cadeia para trabalhar durante o
cumprimento da sua pena.
Já
em 2018, Jura e sua mulher, a ex-vereadora Giane Prudêncio, apoiaram a campanha
de Daniela Carneiro, conhecida como Daniela do Waguinho, para a Câmara dos
Deputados.
Ela
foi eleita naquele ano e reeleita em 2022, quando foi a deputada federal mais
votada do Rio de Janeiro. No ano passado, também contou com apoio eleitoral de
Giane Prudêncio, segundo o jornal Folha de S.Paulo.
Depois,
uma reportagem do jornal O Globo também apontou proximidade do casal Waguinho com
o vereador de Belford Roxo, Fábio Augusto de Oliveira Brasil, o Fabinho
Varandão, réu na Justiça sob a acusação de comandar um grupo paramilitar que
monopoliza o sinal clandestino de TV e internet e a venda de gás de cozinha em
dez bairros da cidade.
Ele
também apoiou a campanha de Carneiro no ano passado e já ocupou diferentes
cargos na prefeitura de Belford Roxo desde 2021.
Carneiro
e seu marido se aproximaram de Lula no segundo turno da eleição presidencial,
ao declarar apoio a sua campanha contra a tentativa de reeleição do então
presidente Jair Bolsonaro (PL). Foi uma aliança considerada importante para o
petista, por se tratar de um casal evangélico, com força na política da Baixada
Fluminense, região em que Bolsonaro vencia Lula. Ainda assim, o então
presidente manteve a vantagem no segundo turno em Belford Roxo, quando recebeu
60,2% dos votos válidos, contra 39,8% de Lula.
A
nomeação de Coelho como ministra foi uma recompensa por esse apoio, assim como
uma tentativa de garantir votos da bancada do União Brasil no Congresso em
futuras votações de interesse do governo.
A
proximidade do casal Waguinho com milicianos gerou reação. Nas redes sociais,
críticos dessa aliança lembraram que a proximidade da família Bolsonaro com a
milícia no Rio de Janeiro foi alvo de constantes ataques por parte de Lula e
outras lideranças de esquerda, como o deputado federal Marcelo Freixo (PT).
Freixo,
que presidiu a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investigou milícias
do Rio de Janeiro quando era deputado estadual pelo PSOL, foi nomeado por Lula
para presidir a Embratur e será subordinado à ministra do Turismo.
O
relatório final da CPI, de 2008, inclusive apontou o Jura como líder de uma
milícia que atuaria em Nova Iguaçu, município vizinho de Belford Roxo, onde
teria feito ameaças à população em busca de votos quando foi candidato a
vereador, pelo antigo PRP.
Por
meio de nota, o ministério do Turismo disse que Carneiro "não compactua
com qualquer ato ilícito e cabe à Justiça o papel de julgar e punir".
"Por
fim, esclarece que durante sua campanha recebeu o apoio de milhares de eleitores
em diversos municípios do estado", acrescentou a pasta.
Procurado,
Freixo não quis se pronunciar. Ao jornal Folha de S.Paulo, respondeu:
"Minha relação recente com ela (Carneiro) é de muito diálogo e de muita
correção. Li a defesa dela, e ela atribui as relações à prefeitura. Cabe à
prefeitura falar sobre a nomeação".
Apesar
do desgaste, o governo não considera que as informações reveladas até o momento
seriam suficientes para justificar a demissão da ministra.
"Esse
assunto não foi abordado (na reunião ministerial). Não tem nada relevante,
substantivo, que justifique qualquer preocupação neste momento no governo. E
portanto isso não está na agenda do governo", afirmou o ministro-chefe da
Casa Civil, Rui Costa, após a reunião de Lula com os 37 ministros.
Já
o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (PT), tentou diferenciar
as informações sobre a ministra do caso Bolsonaro.
"Bolsonaro
tinha vínculos orgânicos com os milicianos. Nesse caso me parece que é uma
relação de campanha. Nada demonstra relações que a comprometam. Essa é a
questão", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo.
A
relação do clã Bolsonaro com milicianos ficou marcada, principalmente, pela
proximidade com Adriano da Nóbrega, acusado de liderar uma milícia na zona
oeste carioca, e que foi morto numa ação policial na Bahia em 2020. Nóbrega foi
homenageado pelo hoje senador Flávio Bolsonaro com uma medalha Tiradentes em
2005, ocasião em que estava preso preventivamente acusado de homicídio - depois
foi condenado pelo crime. Jair Bolsonaro e Flávio o visitaram na prisão para
entrega da homenagem. Além disso, mãe e esposa de Nóbrega trabalharam no antigo
gabinete de deputado estadual de Flávio.
O
ex-presidente também refutou as acusações e disse que Nóbrega era um
"herói da Polícia Militar" quando o visitou na prisão. "Não
existe nenhuma ligação minha com milícia no Rio de Janeiro, zero, zero",
disse, quando Nóbrega foi morto.
2.
Bate-cabeça sobre reforma da Previdência
Outro
foco de dor de cabeça para Lula já na primeira semana de governo foi o discurso
do ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), ao assumir o cargo.
O
pedetista disse que vai provar com números que não há rombo nas contas da
Previdência e defendeu rever pontos da reforma proposta pelo governo Michel
Temer e aprovada no início do governo Bolsonaro.
"Aposentadoria
é dívida da União com trabalhadores, não é prejuízo para os cofres públicos.
Vamos trabalhar para resgatar a dignidade de suas aposentadorias", disse
Lupi.
Na
visão do ministro, as contas previdenciárias estão negativas porque, por um
lado, inclui despesas que não são aposentadoria - como o Benefício de Prestação
Continuada (BPC), que garante um salário mínimo a idosos de baixa renda que não
conseguiram se aposentar pelo INSS. E, por outro lado, não contabiliza receitas
da seguridade social, como as contribuições de PIS e Cofins.
Críticos
dessa visão, porém, argumentam que PIS e Cofins são receitas do Orçamento da
Seguridade Social, que inclui outras despesas além da Previdência, como gastos
com saúde e Bolsa Família. Segundo esses críticos, ao somar todas as receitas e
despesas de seguridade social, a conta continua deficitária.
Mesmo
com a reforma da Previdência aprovada em 2019, a proposta de Orçamento federal
para 2023, enviada em agosto pelo governo passado para o Congresso, projetou um
rombo de R$ 363 bilhões nas contas previdenciárias, considerando as
aposentadorias pagas a trabalhadores do setor privado (INSS), servidores
públicos e militares.
Esse
rombo significa que a receita com contribuições dos trabalhadores ativos é
insuficiente para cobrir as despesas com os aposentados - a diferença é paga
pela União, com outros tipos de receitas ou aumento da dívida pública.
Impopular,
a reforma de 2019 adotou medidas para reduzir o valor médio das aposentadorias
e obrigar trabalhadores a se aposentar mais tarde, freando o aumento do
déficit.
A
fala de Lupi foi criticada nas redes sociais como "negacionismo
fiscal", sendo comparada à defesa que o governo Bolsonaro fazia de medidas
sem comprovação científica, como o uso da cloroquina no tratamento de covid-19.
A
declaração contribuiu para queda de 2,08% na Bolsa de Valores e alta do dólar
de 1,75% para R$ 5,45 na terça-feira.
No
dia seguinte, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), negou qualquer
discussão para rever a reforma da Previdência.
"Não
há nenhuma proposta sendo analisada ou pensada neste momento para a revisão de
reforma, seja previdenciária ou outra. Neste momento, não tem nada sendo
elaborado", disse a jornalistas.
Sem proteção: só 23% dos entregadores e motoristas de app têm
cobertura do INSS
3.
Preço dos combustíveis
O
preço de combustíveis como gasolina e diesel é mais um tema sensível que marcou
o início de Lula na presidência.
Pressionado
a adotar medidas que aumentem a arrecadação para reduzir o rombo nas contas
públicas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quer reverter o corte de
impostos adotado por Bolsonaro sobre o preço dos combustíveis.
Essa
reversão, porém, também traz riscos para o governo. No curtíssimo prazo, tirar
o subsídio que Bolsonaro adotou para baratear os combustíveis deve ter como
efeito uma subida imediata de preços. Isso costuma refletir no encarecimento de
alimentos, devido ao custo de transporte, e também desagrada os caminhoneiros.
Em 2018, uma paralisação da categoria contra a inflação dos combustíveis gerou
retração econômica.
O
antecessor de Haddad no comando da Economia, Paulo Guedes, sugeriu prorrogar o
corte de impostos por 90 dias. Já Haddad contou ao portal Brasil 247 que
defendeu a prorrogação da desoneração por apenas mais 30 dias.
Lula,
porém, decidiu manter a redução da tributação sobre gasolina, álcool, querosene
de aviação e gás natural veicular por 60 dias. Já os impostos sobre diesel,
biodiesel, gás natural e gás de cozinha foram mantidos zerados até o fim desse
ano.
Segundo
o ministro da Fazenda, o objetivo da prorrogação é dar tempo para que o senador
Jean Paul Prates (PT-RN), escolhido por Lula para comandar a Petrobras, tome
posse e avalie uma nova política de preços para os combustíveis.
Prates,
que é sócio de três empresas do setor de petróleo e gás, precisa se desvincular
dessas companhias para poder assumir o comando da estatal. Além disso, seu nome
ainda será avaliado por um comitê da área de governança da Petrobras e, depois,
submetido ao Conselho de Administração da estatal.
A
atual política da Petrobras segue os preços internacionais dos combustíveis. Ou
seja, quando a cotação do petróleo aumenta no mercado mundial ou o dólar sobe
no Brasil, itens como gasolina, diesel e gás de cozinha ficam mais caros.
Os
defensores dessa política dizem que manter os preços abaixo do mercado mundial
dá prejuízos a estatal, já que a Petrobras importa parte dos combustíveis que
vende no Brasil. Isso reduz o lucro da empresa e limita sua capacidade de
investimento, desagradando os acionistas. Além disso, afirmam que desestimula
outras empresas a importar e vender combustíveis no Brasil, concentrando o
mercado.
Já
os que criticam essa política de preços dizem que o preço deve refletir mais
fatores domésticos, como o custo de extração de petróleo que no Brasil é mais
barato do que na média internacional.
No
governo Dilma Rousseff, o encarecimento internacional do petróleo não foi
totalmente repassado para o preço dos combustíveis, o que gerou prejuízos de
dezenas de bilhões de reais à Petrobras.
Jean
Paul Prates acalmou o mercado financeiro ao indicar que não repetirá a política
adotada no governo Dilma. Segundo ele, a política de preços deve seguir fatores
domésticos e internacionais, sem haver uma intervenção direta nos preços.
"Petrobras
não faz intervenção em preços, ela cumpre o que o mercado e o governo criam de
contexto", disse em 04/01.
"Quando
me perguntam: 'Vai ser preço de mercado?'. Vai. Preço de mercado brasileiro. O
mercado brasileiro é composto de parte importado e parte nacional. A gente tem
que ter um preço que reflita o fato de a gente produzir no Brasil. É só isso.
Não tem porque se assustar com isso", acrescentou.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64193943
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