Clovis de Barros Filho Foto: IARA MORSELLI/ESTADAO
Da Redação
Clóvis de Barros Filho está voltando a dar palestras
presenciais em meio a sérios problemas de visão. Mesmo assim tem encarado
aeroportos, sozinho, tentando manter uma autonomia. Nesta volta ao trabalho, o
professor de 56 anos conhecido por explicar filosofia de forma simples e cativante,
reflete sobre o despreparo dos brasileiros em geral para lidar com pessoas que
têm limitações físicas: “Eu me tornei mais lento, menos eficiente e isso irrita
as pessoas. Quem me reconhece não me discrimina, já outros me tratam mal.
Vivemos numa sociedade um pouco rude, a polidez do trato não é o forte”,
afirmou em entrevista concedida à repórter Paula Bonelli, por
telefone.
Clóvis
foi professor na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
antes fez Direito. Há 25 anos, começou a estudar filosofia e não parou mais.
Adora café, telenovelas antigas e o Botafogo de Ribeirão Preto. Nesta semana,
ele está lançando o seu 37° livro, intitulado Inédita Pamonha – os piores
episódios selecionados, reunindo os dez programas que tiveram maior audiência
de seu podcast no Spotify.
O
que aconteceu com a sua visão recentemente?
Eu
tenho uma doença autoimune que é conhecida como Síndrome de Behçet. É uma
vasculite que ataca prioritariamente olhos, boca e genitais. Enquanto não
identifiquei essa síndrome, fui perdendo a visão sem saber direito o porquê.
Perdi a vista direita e perdi muito da vista esquerda também. Hoje eu enxergo
10% de uma pessoa normal. Esse processo começou em 2016.
Então,
não enxerga mais a sua plateia?
Não,
de jeito nenhum, nem as presenciais nem as virtuais. É uma comunicação com uma
plateia invisível, no escuro. Só ouço quando ela se manifesta.
E
os outros desafios?
O
primeiro é que eu não consigo ler um livro físico. Leio pelo Kindle com letra
gigante. O segundo é que com a volta das palestras presenciais eu viajo muito.
Tenho verdadeiro trauma daquele painel que anuncia os voos no aeroporto porque
não consigo enxergar o portão de embarque. E nem sempre as pessoas têm boa
vontade para ajudar. No final das contas, eu estou dando uma palestra por dia.
Desenvolveu
alguma habilidade após a perda da visão?
Ganhei
muitas, são habilidades compensatórias, ainda assim outro dia eu caí e quebrei
a mão. Tropecei numa corrente que eu não vi.
Você
vai com acompanhante para os lugares?
Às
vezes, não. Na última segunda-feira fiz bate e volta para Curitiba sozinho.
As
sensações de temperatura, som, textura e cheiro mudaram para você?
Há
uma preocupação de trazer para a consciência sensações que antes eram
totalmente asfixiadas pela tirania da visão. O aroma da comida passou a ser o
elemento definidor do que eu vou comer ou não. Se antes eu comia em função do
que estava vendo, hoje eu como em função do que estou cheirando. Em relação ao
toque, se antes todas as intimidades eram pautadas pela visão, hoje elas são
todas pautadas pelo tato. Isso muda todo o processo de intimidade.
Qual
é o segredo para conquistar plateias tão volumosas?
Isso
tem a ver com a habilidade de comunicação e de didática. Fico muito feliz
quando eu consigo encontrar uma solução explicativa ótima para uma ideia que
num primeiro momento parecia inexplicável. O meu prazer está aí. Agora, a
dimensão social do meu trabalho eu não posso controlar e não me deixo afetar
muito por isso. Tem um segmento que me acompanha como um aluno assiste um
professor e isso é ótimo, mas tem uma categoria que é de ídolo, fã e eu vejo
isso com uma certa cautela porque a mesma mão que acaricia, apedreja com muita
facilidade.
A
cidade está preparada para acolher as pessoas com deficiência visual?
Não,
de jeito nenhum. Eu estava descendo a rua Pamplona em direção aos Jardins e tem
uma farmácia que botou o caminho para deficiente visual na calçada, mas botou só
na frente dela. O deficiente visual vem do nada e vai pro nada e no meio do
caminho ainda tem um poste. É completamente inútil.
Sente
algum tipo de discriminação?
Eu
me tornei mais lento, menos eficiente e isso irrita as pessoas. Quem me
reconhece não me discrimina, pelo contrário, tende a gostar de mim, ser
respeitoso, já outros me tratam mal. Vivemos numa sociedade um pouco rude, a
polidez do trato não é o forte.
Fonte: Estadão
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