(-) Alessandra Costa
Em pleno processo de transição de governo, o silêncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) diz mais que sua usual atitude estridente nas redes sociais. Esquivar-se de assumir a derrota por meio de uma estratégia de reclusão, contrastante com seu intenso ativismo digital dos últimos tempos, não soa como um cálculo político racional.
Bolsonaro
perde mais do que ganha com esse comportamento.
Em
suas raras aparições públicas desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, o
atual chefe do Executivo cuidou de ser evasivo o suficiente para não
desmobilizar os recentes atos que contestam o resultado das eleições e atacam a
democracia – como o bloqueio das estradas e os movimentos violentos em
Brasília, ocorridos durante a diplomação de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB).
Esse
parece ser seu objetivo central até o momento. Nas poucas palavras que
proferiu, nenhuma menção direta ao reconhecimento de sua derrota nas eleições,
ao processo de transição de governo e às expectativas sobre seu desempenho para
montar uma oposição articulada.
Enquanto
Bolsonaro permanece calado, o processo de transição segue seu rito. E sem
poupar críticas e apontar falhas da administração atual. Lula foi enfático
quanto a isso: "nós teremos uma radiografia perfeita do estrago que foi
feito nesse país", afirmou, durante cerimônia de encerramento dos
trabalhos dos grupos técnicos do gabinete de transição, no último dia 13.
Em
meio a discussões sobre o "revogaço" [a anulação de medidas do
governo Bolsonaro já no início de 2023] e a PEC da Transição, Bolsonaro não se mostra disposto a romper
o silêncio nem mesmo para defender as escolhas de sua administração,
reivindicar créditos de seu governo ou dirigir críticas às mudanças significativas que o novo governo já
sinaliza.
Se
o atual presidente não esboça qualquer reação, é difícil presumir que tenha uma
atitude proativa e seja capaz de conduzir a articulação de contraponto ao
futuro governo Lula no Congresso. Apoiadores de Bolsonaro, inclusive dentro
do PL, seu partido atual, se mostram reticentes quanto à sua
capacidade de liderar uma oposição articulada.
As
questões que emergem dessa estratégia do silêncio geram impactos no ambiente
político a partir de 2023, tanto no que se refere à configuração do bloco
oposicionista ao novo governo quanto ao futuro do bolsonarismo.
Diante
disso, como será o amanhã de Bolsonaro após a virada do ano de 2022? A chama do
bolsonarismo permanecerá acesa, ecoando um movimento persistente, ou a
fragilidade política de seu líder tende a desmobilizar esses atos?
Perfil
político frágil de Bolsonaro
Até
o momento, as atitudes do presidente em exercício demonstram incapacidade de ir
além do papel de líder personalista, estando ou não à frente do governo. Esse
comportamento tende a reiterar um perfil político frágil, que vem se desenhando
ao longo de sua trajetória política.
Assim
como outros exemplos de líderes incidentais pelo mundo afora (Trump é
paradigmático nesse sentido), Bolsonaro tentou simular uma instabilidade eleitoral, questionando a
segurança das urnas eletrônicas já no pleito de 2018, quando precisou concorrer
em 2º turno e saiu vitorioso.
Ou
seja, chegou ao poder por circunstâncias excepcionais, dado o clima político
gerado pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff, e ciente de que
permanecer na cadeira de presidente por meio de uma reeleição não seria
possível sem que fosse forjado um novo ambiente de fatores que induzissem a uma
excepcionalidade.
Os
planos de Bolsonaro foram frustrados. A despeito de seu caráter beligerante
frente às instituições democráticas brasileiras, o sistema eleitoral do país se
mostra crível e solidificado perante os próprios eleitores e elites políticas.
Evidentemente,
um governo incidental não sai de cena sem deixar marcas.As manifestações de apoiadores extremistas do presidente em
exercício, que transformaram Brasília em palco de violência e desordem
nessa semana, destacam uma faceta ignóbil desse legado.
A
estratégia silenciosa de Bolsonaro diante desses eventos ecoa alto. Fica
evidenciada a tática de inflamar o extremismo e impor dificuldades tanto ao
processo de transição quanto à posse de um governo eleito pela via democrática.
Mas
não parece vislumbrar o outro lado da moeda. O comportamento do presidente
derrotado representa uma escolha que tem impactos nada triviais em seu futuro
político.
Bolsonaro
parece desconhecer o uso estratégico que poderia fazer do capital político que conquistou nas urnas, não apenas
quanto à sua expressiva votação, como também no que se refere aos ex-ministros
e apoiadores de seu governo eleitos no último pleito.
Pouca
credibilidade como liderança de oposição
Após
sua derrota nas urnas, restaram-lhe dois caminhos, que em nada se assemelham a
uma escolha trágica: estabelecer uma perspectiva mais consistente para liderar
as oposições ao novo governo, reconhecendo que democracias requerem um ganhador
e um perdedor; ou traçar um caminho de volta às suas origens, retomando o
estilo de liderança radicalizado e direcionado às suas bases mais extremistas,
com discursos estridentes pela via das redes sociais e insuficientes para uma
articulação com o Congresso.
Ao que tudo indica, pelo menos até o momento, o futuro político de Bolsonaro tende a se manter limitado à segunda opção. A escolha por esse perfil de liderança revela uma ambiguidade: ao mesmo tempo em que impõe arranhões à democracia, expõe ainda mais sua vulnerabilidade como um ator político apto a articulações viáveis.
É
cada vez menos crível sua capacidade de se assumir como uma liderança de
oposição. E, se tudo permanecer assim, o bolsonarismo enfrentará dificuldades
para se manter como um movimento persistente, sucumbindo à própria fragilidade
que seu líder tem demonstrado ao longo de sua trajetória política.
Planaltices
é uma coluna semanal sobre política brasileira. Os textos são escritos por
colaboradores do grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet
politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenada pela cientista política e professora
da UFMG Magna Inácio,
(*) Alessandra Costa é mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, jornalista e pesquisadora do PEX (CEL-UFMG).
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a DW
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