Da Redação
A
necessidade de o Federal
Reserve (Fed, o Banco Central americano) combater a inflação muito
elevada com um ciclo bem forte de altas de juros deverá
levar os EUA a uma leve recessão a
partir do quarto trimestre deste ano e que deve se estender até meados de 2023,
comenta em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast Vincent
Reinhart, economista-chefe da Dreyfus and Mellon. Com este declínio do nível de
atividade, ele estima que o Produto Interno Bruto do país deverá crescer cerca de
1,75% em 2022, mas ficará estável em 2023. Reinhart acredita que o desemprego subirá neste período e não ficaria surpreso
se atingisse o nível de 6%.
O
economista, que trabalhou por 24 anos no Fed, onde foi diretor da Divisão de
Assuntos Monetários, critica a decisão do BC americano de ter subido as taxas
de juros em 0,75 ponto porcentual na quarta, 15, o que não ocorria desde 1994.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual
foi a avaliação do senhor sobre a decisão do Federal Reserve de subir os juros
em 0,75 ponto porcentual, sem ter sinalizado ao mercado que o faria antes de
ingressar no período de silêncio da reunião de junho?
O
aumento de 0,75 ponto por juros foi provavelmente um erro dentro do Comitê do
Federal Reserve, não um erro para as condições macroeconômicas. O Fed está bem
atrás da curva, começou a subir os juros muito tarde e deveria ter sido mais
agressivo no início deste processo. Mas como a inflação está muito alta, o que
já elevou as expectativas para os índices de preços, o Federal Reserve precisou
agir com força e elevou a taxa mais do que o Banco Central do Brasil no mesmo
dia. Porém, o poder da política
monetária é feito pelos membros do Comitê do Fed, pois trabalham duro
para estabelecer um ritmo gradual na retirada da política acomodatícia e se
comprometeram a subir os juros em 0,50 ponto porcentual por duas reuniões.
Contudo, na segunda (13), dois dias antes do término do encontro de junho, foi
expressado (off the record) a um único veículo de imprensa: "Deixe para
lá, vamos aumentar 0,75 ponto porcentual". Isto é problemático. É uma
postura errada perante o Comitê. Eu aposto que presidentes regionais do Fed
foram pegos de surpresa, pois iniciaram a reunião pensando que os juros
subiriam 0,50 ponto porcentual, mas souberam no encontro que aumentaria 0,75
ponto porcentual. Isto é desrespeitoso para os membros do Comitê. Além disso, o
Federal Reserve explicitamente defendeu nas estimativas divulgadas no gráfico
de pontos e com a adoção do período de silêncio de não utilizar formas
secundárias de comunicação. No entanto, o que ocorreu foi a divulgação do que
viria para um único repórter (do Wall Street Journal). Tudo isto aos poucos
corrói a credibilidade do presidente do Federal Reserve para futuros
compromissos.
Na
sua avaliação, ocorreu na quarta, 15, uma decisão de última hora do Federal
Reserve, que foi basicamente determinada por Jerome Powell. O que levou Powell
a assumir esta posição? Ele teria entrado em pânico por estar muito atrás da
curva na condução da política monetária?
Sim. Powell decidiu
subir 0,75 ponto porcentual depois de ter comunicado que aumentaria 0,50 ponto
porcentual. Antes de partir para os 0,75 ponto porcentual poderia ter adotado
uma outra postura, ao subir os juros em 0,50 ponto porcentual com o apoio de
todos no Comitê e atingir o mesmo resultado perante os mercados. Poderia ter
divulgado um comunicado no qual destacaria que uma alta maior de 0,50 ponto
porcentual seria necessária na reunião seguinte. Deveria ter começado a
entrevista coletiva ontem dizendo que os dirigentes do Fed prometeram subir os
juros em 0,50 ponto porcentual em duas reuniões, o que foi feito, mas que teria
de aumentar mais no próximo encontro, o que teria gerado o mesmo impacto nos
preços dos ativos financeiros.
Como
ficará a eficácia do forward guidance do Fed a partir de agora?
Ficará
bem mais difícil. Ele (Powell) tornou muito mais complexo para os membros do
Comitê do Fed concordar com uma decisão de política monetária e também
provocará maior volatilidade nos mercados com as expectativas relativas à sua
condução. Se muitas pessoas já não confiavam nas decisões do Fed antes da
reunião encerrada na quarta-feira, agora têm mais razões para esta avaliação.
Com
esta política monetária do Fed, tornou-se inevitável os EUA ingressarem em uma
recessão neste ano?
Sim.
A recessão vai ocorrer porque a inflação é um grande problema que torna
extremamente complexo o trabalho da política monetária. Será preciso apertar as
condições financeiras no país ao ponto de reduzir a expansão da demanda e criar
uma folga na economia. Os dirigentes do Fed terão de aceitar que esta folga não
será criada pela melhora da situação das cadeias internacionais de produção.
Eles ainda tem um pouco de ilusão de que não precisarão admitir que será
preciso gerar uma recessão e contam que a taxa de desemprego subirá apenas 0,5
ponto porcentual. O ciclo econômico não é linear. Será extremamente difícil
para o Fed administrar sua política sem uma recessão. E se a comunicação é má
conduzida, fica ainda mais árduo.
O
fato de que Powell hesitou ontem ao dizer que a recessão pode ser evitada não
mostra que ele mesmo já admite que ela deverá ocorrer?
Ele
não admitirá em público que os EUA entrarão em recessão porque não quer dizer
algo que possa se autorrealizar. Acredito que a progressão da política
monetária neste ano o levará a assumir que ela ocorrerá, o que já foi admitido
entre os próprios dirigentes do Fed. Só não disseram ao público americano, o
que é um cálculo político. Por outro lado, há uma pressão incrível provocada
pela inflação. Mas se você não é crível ao descrever o quadro da economia à
sociedade, como as pessoas acreditarão nas suas decisões? Isto ocorre quando o
presidente do Fed fala tanto. Paul Volcker apenas dava baforadas em seu charuto
e adotava em silêncio decisões duras para combater a inflação.
Qual
deverá ser a trajetória dos juros nos EUA até o final do ano e em 2023?
O
banco central deverá elevar os Fed Funds em 0,75 ponto porcentual por duas
vezes. Deve aumentá-los mais 2 pontos porcentuais até o final do ano, o que
pode levar a taxa para perto de 3,5%, o que acreditam estar próxima da taxa
neutra. Mas ainda precisarão subir mais, pois os juros nominais naquele nível
ainda estarão negativos em termos reais. Depois deste ciclo de altas, com o
aumento do desemprego e menor inflação, alguns dirigentes do Fed começarão a
defender que poderia ser o caso de diminuir o ritmo das elevações ou até mesmo
parar de subi-los. Em 2023, os juros poderão aumentar mais 0,50 ponto
porcentual. O Federal Reserve enfrentará um grande desafio sobre a condução da
política monetária neste final de ano e em 2023, que serão um teste para ele.
Acredito que seus dirigentes deverão enfrentar duas escolhas: ou continuarão
firmes na completa desinflação da economia ou pressões vindas da recessão, como
a alta do desemprego, os levarão a declarar vitória antecipada e parar com os
juros. Eu penso que ficarão com a segunda alternativa. Quando eles virem que a
inflação voltou para 3% em suas projeções, dirão que já é o suficiente.
Acredito que levar a inflação para 2% teria um custo alto demais politicamente.
Quão
forte será a recessão que os EUA enfrentarão no curto prazo? Como será o
crescimento do país neste ano e em 2023?
Eu
acredito que ela será leve, deverá começar no último trimestre deste ano e
continuar no primeiro semestre de 2023. Ela não será grave, inclusive porque o
setor privado não enfrenta tantos desequilíbrios e poderá navegar bem durante
tal período. Neste contexto, o PIB dos EUA deverá crescer ao redor de 1,75% em
2022 e ficará estável no próximo ano, pois será impactado pela recessão.
Mesmo
com a forte alta dos juros neste ano, o Fed estima que a taxa de desemprego
subirá pouco no médio prazo, dos atuais 3,6% para 4,1% em 2024. O senhor
acredita nesta projeção?
Haverá
um trade-off entre a busca da estabilidade de preços e a taxa de desemprego,
que deverá subir e não seria uma surpresa se ela atingir o patamar de 6%.
O
índice de preços ao consumidor alcançou 8,6% em maio. Quanto este indicador
atingirá em dezembro e para onde baixará no final de 2023?
Acredito que o CPI deverá chegar a 5,75% no encerramento deste ano e cairá para 4,5% no final de 2023.
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