Luiz
Inácio Lula da Silva tem que vencer as próximas eleições, pelo bem do Brasil e
para salvar a reputação do país no mundo. É necessário e, por outro lado,
lamentável. Pois a esquerda brasileira aparentemente não tem mais ninguém para
concorrer, senão um ex-presidente de 76 anos, que provoca sobretudo um
sentimento: nostalgia.
Por
que será que camisetas e bandeiras sempre mostram apenas o jovem Lula, mas
nunca o atual? Não se pode falar de clima de euforia ou mesmo de entusiasmo. Se
o petista for eleito, será sobretudo por causa da catástrofe que Jair Bolsonaro
e sua política incompetente e destrutiva acarretaram para o Brasil. Diante da
escuridão dos últimos quatro anos, Lula parece uma luz.
O
triste fato é que o sistema político deste país é tão paralisado, engessado e
corrompido, que impede muitos jovens (exceto os que vêm de famílias de
políticos) de se engajarem. Ao contrário de, por exemplo, Gabriel Boric, de 36
anos, no Chile, faltam, entre os esquerdistas brasileiros, figuras capazes de
comunicar ideias modernas e progressistas e canalizar apoio a elas.
Claro
que a candidatura do cavalo de batalha Lula também tem a ver com o fato de o
Brasil ser uma nação estruturalmente reacionária e machista. A mídia
tradiconal, as igreja evangélicas, as associações patronais e o agronegócio
fariam de tudo para pintar como monstro comunista e o anticristo em pessoa um
homem como Guilherme Boulos, simpático, inteligente, eloquente e com ideias
modernas.
O
fato de Lula escolher para seu vice um homem como Geraldo Alckmin tem a ver com
isso. Alckmin pertence ao establishment político (o grande freio do Brasil). A
escolha é uma tática eleitoreira e não obedece a nenhuma convicção íntima.
Na
Colômbia, atualmente o candidato presidencial esquerdista Gustavo Petro dá o
exemplo de que pode ser diferente: sua vice é Francia Márquez, uma mulher negra
de 39 anos, originária de meios rurais pobres, que representa uma grande parte
dos colombianos cujos interesses até agora praticamente foram ignorados.
Ingenuidade
e mesmice
Pior
ainda que a escolha de Alckmin, contudo, são as ideias – ou melhor, as
não-ideias – de Lula. Ele irradia energia e entusiasmo e parece viver uma
segunda primavera – o que certamente tem a ver com a vontade de, após sua
temporada na prisão, querer mostrar a todo mundo do que é capaz. A força que
lhe confere seu novo amor seguramente também desempenha um papel.
Mas
o que exatamente ele tem a oferecer, além de seu status de ídolo da esquerda?
Suas declarações e as promessas das propagandas do PT parecem no mínimo
ingênuas. O PT age como se o tempo pudesse voltar 15 anos, como se não
existisse a mudança climática, o ataque à Ucrânia, o perigo de uma guerra
mundial, a crise da globalizaçãoe os prenúncios de uma crise econômica global.
Lula
não vai poder nem garantir que o preço da gasolina cairá para R$ 3,00, nem
forçar uma cotação do dólar de R$ 2,50. Ele também não terá mais à disposição
os altos rendimentos da venda de matérias-primas brasileiras. O PT, fingindo
que isso é possível, está enganando os eleitores.
Realmente
necessária seria uma reforma fundamental das injustas leis tributárias (isto é,
impostos muito mais altos para os mais ricos), uma reforma agrária de verdade,
um corte dos privilégios quase feudais dos funcionários públicos de alto
escalão, juízes e políticos, assim como uma visão tanto para as favelas como
para a Amazônia. Lula não vai ousar nada disso, pois para tal dependeria do
respaldo do Centrão.
Assustou-me
também a ausência de tomadas de posição sobre a política ambiental. Aqui é,
talvez, onde se sente mais fortemente que se trata de um homem da velha
esquerda. Uma esquerda que não compreendeu que progresso social e um meio
ambiente intacto são duas faces da mesma moeda.
A
defesa por Lula da exploração do petróleo brasileiro é compreensível, já que
ele precisa do faturamento. Mas o fato de não ter nada a dizer sobre a crise
climática, a proteção da Amazônia e a expansão das energias renováveis atesta
uma falta de visão. Outros governos progressistas apresentam pacotes climáticos
ambiciosos para a transformação de suas economias – o que é encarado como uma
grande chance. Para Lula, ao que tudo indica, as coisas devem continuar como
estão.
Venezuela,
Nicarágua, Ucrânia
Igualmente
criticável é a postura de Lula em relação à política externa. Ao contrário de
Boric, no Chile, nem Lula nem o PT possuem uma bússola quando se trata de
princípios democráticos. Não se pode condenar os ataques de Bolsonaro à
democracia brasileira e, ao mesmo tempo, defender regimes como o da Venezuela e
da Nicarágua, que hoje são ditaduras, na prática.
Lá
opositores são perseguidos, presos e expulsos; há esquadrões da morte e
tortura. Basta conversar com refugiados da Venezuela para constatar as
condições brutais que vigoram no país. No entanto, o PT executa contorções
retóricas para proteger o perverso e arrogante ditador Nicolás Maduro e seu
regime mafioso. Em comparação, o Brasil de Bolsonaro é brincadeira de criança.
No
entanto, são as noções de Lula sobre a guerra na Ucrânia que deixam claro como
essa bússola está desnorteada. É crasso ele mostrar compreensão pelo agressor
(Vladimir Puitn) e atacar o representante das vítimas (Volodimir Zelenski); foi
falta de respeito quando ele afirmou que o presidente ucraniano provavelmente
se considerava a “cereja do bolo”, prova quão pouco Lula sabe sobre o que se
passa na Ucrânia. Ele parece até ter um pouco de inveja por Zelenski conseguir
movimentar a opinião pública com recursos modernos de comunicação.
A campanha presidencial brasileira será um show entre Lula e Bolsonaro. A esquerda festejará seu Lula como salvador da pátria, pouco se abordarão ideias concretas, em vez disso se invocarão os velhos tempos. Por mais necessário que seja afastar Bolsonaro e seu clã da política, isso não exonera a esquerda de refletir seriamente sobre o futuro, em vez de se entregar a um culto à personalidade.
Texto
de Philipp Lichterbeck para Deutsche
Welle e reflete a opinião do autor, não necessariamente do blog do professor Taciano
Medrado.
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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