REMINISCÊNCIA DO GOVERNO PETISTA: No apagar das luzes Lula concede refúgio político ao terrorista Cesare Battisti; Itália recorreu ao Supremo

 

Ex-militante comunista e terrorista Cesare Battisti- foto: Revista Veja 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, nesta quinta-feira (30/12), o decreto que concede refúgio político ao ex-militante comunista Cesare Battisti.

Em novembro de 2009, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou sua extradição à Itália, país onde foi condenado à prisão perpétua por envolvimento em quatro homicídios ocorridos no fim da década de 1970. Na época, Battisti integrava a organização revolucionária PAC (Proletários Armados pelo Comunismo. Ele nega participação nos crimes e diz ser vítima de perseguição política do governo de Silvio Berlusconi.

A decisão de Lula que garante a permanência de Cesare Battisti no Brasil se baseou em um parecer da AGU (Advocacia Geral da União), a quem coube a tarefa de encontrar uma saída jurídica para que o presidente pudesse negar o pedido de extradição, sem confrontar a decisão do Supremo nem ferir o tratado de extradição entre Brasil e Itália.

Entretanto, essa decisão não deve ser o ponto final do caso, que ganhou contornos de batalha jurídica e ameaça afetar as relações diplomáticas entre Brasil e Itália –em 2009, o embaixador italiano no Brasil chegou a ser convocado a seu país para explicações sobre o posicionamento do governo brasileiro e até mesmo um amistoso de futebol entre as duas seleções perigou não acontecer.

Com a decisão, o italiano receberá visto de permanência no Brasil e deve ser libertado da penitenciária da Papuda, em Brasília, onde está preso desde março de 2007 e aguardava a definição de Lula.

A Itália deve recorrer da decisão de Lula ao Supremo, alegando que o presidente violou a decisão do tribunal e o acordo bilateral de extradição.

O Caso

Cesare Battisti foi preso pela Polícia Federal no Rio de Janeiro em março de 2007, portando passaporte falso. Ele havia fugido para o país no ano anterior após perder a condição de refugiado político que tinha na França, pais onde viveu mais de 10 anos beneficiado pela chamada doutrina Mitterrand – que garantia asilo a ex-militantes políticos que se comprometessem a abandonar a luta armada.

Em janeiro de 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu o status de refugiado político ao italiano, por entender que ele possuía “fundado temor de perseguição” em seu país de origem. Tarso atendeu a recurso contra decisão do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), órgão subordinado ao Ministério da Justiça que havia negado o mesmo pedido em uma votação apertada (3 votos a 2).

O que parecia o ponto final de uma história que já durava mais de 30 anos foi apenas o início de uma longa e conturbada batalha jurídica. O governo italiano reagiu com indignação à decisão de Tarso Genro, que justificou o refúgio a Battisti alegando que nos chamados “anos de chumbo” a Itália recorreu a “leis de exceção” para combater movimentos subversivos como o PAC, o que corroboraria a tese de que o ex-militante comunista não teve direito a um julgamento justo. Um deputado de um partido conservador chegou a dizer que o Brasil não era famoso por seus juristas, mas por suas dançarinas.

Battisti alega que só foi processado e julgado (à revelia) pelos quatro homicídios quase 10 anos depois dos crimes, após um ex-companheiro de PAC o ter delatado em troca de redução de pena. Ele já havia fugido da Itália e afirma que foi defendido por advogados que não escolheu –teriam falsificado sua assinatura em uma procuração. 

A Itália rebate essa afirmação, argumentando que a sentença foi mantida em todas as instâncias da Justiça italiana. A Corte Européia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, também não viu violação ao direito de defesa de Battisti durante o processo.

Supremo

Com a concessão de refúgio, a expectativa inicial era de que o processo de extradição que corria no Supremo a pedido do governo italiano fosse encerrado automaticamente, de acordo com o Estatuto dos Refugiados Políticos (Lei Lei 9.474/97) e como o STF já havia decidido anteriormente (caso Olivério Medina). Não foi o que ocorreu, contudo. 

O então presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, considerou que a decisão administrativa do ministro da Justiça não era suficiente para afastar a jurisdição do Supremo em um processo cuja competência lhe é assegurada pela Constituição e determinou o prosseguimento da ação, que ficou sob a relatoria do ministro Cezar Peluso. A Corte decidiria, portanto, se o status de refugiado político é um obstáculo intransponível à extradição.

O julgamento teve início sete meses depois e dividiu o Supremo. Por 5 votos a 4, o tribunal decidiu anular a decisão de Tarso Genro e deferiu o pedido de extradição.

Em um voto extenso e contundente, o relator Cezar Peluso classificou a decisão de Tarso Genro de conceder o refúgio como “ilegal e absolutamente nula”. Segundo Peluso, o ministro da Justiça distorceu o cenário histórico italiano do fim dos anos 1970 em um “exercício de pura especulação”. Peluso destacou ainda que a Itália é reconhecida, na verdade, como um exemplo de combate a movimentos subversivos e terroristas sem a quebra da ordem constitucional e do respeito aos direitos humanos. Ele não poupou críticas ao fato de Tarso ter feito um juízo de valor sobre o caráter político dos crimes —o que impede a concessão da extradição.

Afastado o refúgio foi aberto o espaço para a análise do mérito do pedido de extradição. O relator considerou que estavam presentes os requisitos legais para o deferimento do pedido e rejeitou a hipótese de crime político. “Um dos crimes foi num açougue, outro contra um joalheiro. Como se falar em crime político?”, questionou. Seu voto foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie e Gilmar Mendes.

Outra corrente, no entanto, que incluiu os ministros Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia, Eros Grau e Marco Aurélio Mello considerou que o Supremo não poderia anular de ofício —sem provocação— um ato de um ministro de Estado, o que implicaria na extinção do processo de extradição sem julgamento de mérito.

A palavra final

O deferimento da extradição, entretanto, não encerrou a polêmica em torno do processo, já que a Corte aproveitou o caso para discutir uma questão nunca antes enfrentada: a quem cabe a palavra final nos processos de extradição? Ao Supremo ou ao presidente da República?

Novamente o Tribunal se dividiu. O relator, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes argumentaram que o presidente não pode descumprir a decisão do Supremo, baseada no tratado de extradição entre os dois países e no Estatuto do Estrangeiro.

Peluso foi duro ao comentar a possibilidade de Lula se negar a extraditar Battisti. Ele disse que isso transformaria os julgamentos de extradição pelo STF em uma “brincadeira infantil” e "pura perda de tempo”. “Por que razão o Brasil pleiteia uma vaga no Conselho de Segurança da ONU se descumpre tratados internacionais?”, ironizou.

Porém, essa corrente foi vencida pelo entendimento dos ministros Marco Aurélio Mello, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Carlos Ayres Britto. Eles defenderam que, por ser o responsável pela política externa brasileira, é o presidente da República quem dá a última palavra sobre a conveniência ou não da entrega de um estrangeiro procurado em outro país.

Semanas depois, porém, o caso voltou a ser discutido no plenário e o resultado do julgamento foi alterado. O ministro Eros Grau, hoje aposentado, esclareceu seu voto afirmando que o Supremo apenas autoriza a extradição e a definição cabe ao chefe de Estado, mas a decisão de não entregar o extraditando deve respeitar o Tratado de Extradição entre os dois países.

Os ministros destacaram que o presidente não poderia repetir argumentos já rejeitados pelo Supremo para justificar a permanência de Battisti no país. É essa margem estreita de decisão que abre espaço para um futuro questionamento da Itália no próprio STF.

*William Maia é repórter do site Última Instância.

Texto publicado  em 30 de dezembro de  2020 pelo site Operamundi

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