© Gonzalo Fuentes/AP/picture aliance - Emmanuel Macron deposita seu voto no segundo turno. Presidente contornou reprovação para se firmar como contraponto à extrema direita
O
centrista Emmanuel Macron venceu neste domingo (24/04) a extremista de direita
Marine Le Pen no segundo turno da eleição presidencial francesa e vai comandar
a segunda maior economia da União Europeia pelos próximos cinco anos. Macron é
o primeiro presidente francês a conquistar a reeleição em 20 anos, quebrando um
ciclo que se instalou em 2002. A reportagem é de
Segundo
as primeiras estimativas – baseadas em amostras dos primeiros boletins
eleitorais –, Macron venceu com cerca de 58,2% dos votos. Sua vitória traz
alívio para a liderança da União Europeia, que via com a apreensão a
possibilidade de uma vitória de uma candidata eurocética de extrema direita,
especialmente num momento delicado para o bloco, que lida com a tensão da
Guerra da Ucrânia e também os efeitos econômicos da pandemia.
Marine
Le Pen recebeu 41,8% dos votos. Apesar da derrota, esse foi o maior resultado
já obtido por um candidato de extrema direita na história da França.
"A
eleição mais importante da Europa", estampou em sua manchete o jornal
alemão Bild em sua edição de domingo, exemplificando o que estava em
jogo no país vizinho. A vitória de Macron também afastou a possibilidade de
mais um terremoto político internacional provocado por uma votação inesperada,
como a aprovação do Brexit no Reino Unido, em 2015, e a eleição de Donald Trump
nos EUA, em 2016.
Para
Macron, a reeleição tem outro aspecto inédito: é a primeira vez que um
presidente francês é reconduzido ao cargo ao mesmo tempo em que mantém uma
maioria no Parlamento. Seus dois únicos antecessores da 5ª República que
venceram a Presidência duas vezes cada pelo voto direto – o social-democrata
François Mitterrand e o conservador Jacques Chirac – foram reeleitos em
momentos delicados, quando lidavam com parlamentos controlados pela oposição.
Mas,
por outro lado, a vitória de Macron foi por uma margem mais magra do que em
2017, quando o segundo turno também envolveu uma disputa com a extremista de
direita Marine Le Pen. Seus 16,4 pontos de vantagem em 2022 contrastaram com o
resultado de cinco anos atrás, quando ele ficou à frente de Marine Le Pen por
32 pontos.
Numa
perspectiva mais ampla, o resultado evidencia um crescimento constante da
extrema direita e um enfraquecimento na formação de "frentes
republicanas" para barrar candidatos radicais. Em 2002, Chirac derrotou no
segundo turno o extremista Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, por uma vantagem
colossal de 64 pontos percentuais.
Cerca
de 49 milhões de eleitores estavam habilitados a votar neste domingo. A
participação eleitoral foi estimada em 71,8%, com28,2% de abstenção,
segundo pesquisa Ipsos divulgada pelo canal France 24, confirmando a apatia de
parte do eleitorado, especialmente o jovem.
Foi
a segunda maior taxa de não comparecimento da história de um segundo turno
presidencial – ficando atrás apenas da segunda rodada de 1969, quando 31,15%
não votaram. Havia o temor de que uma alta abstenção tornasse o resultado deste
domingo imprevisível.
No
primeiro turno de 2022, 26,31% optaram pela abstenção. Em 2017, no duelo
precedente entre Macron e Le Pen, 25,44% dos eleitores não votaram no segundo
turno.
Como
Macron derrotou Le Pen
Cinco
anos atrás, tanto Macron quanto Le Pen sacudiram o mundo político ao chegarem
ao segundo turno. Foi a primeira vez desde a fundação da 5ª República francesa,
no final dos anos 1950, que a disputa ocorreu sem a presença de forças
tradicionais da política do país: conservadores e socialistas.
Macron,
um centrista que se apresentava como "nem de direita, nem de
esquerda" havia fundado seu partido, A República em Marcha, apenas um ano
antes do pleito de 2017. Marine Le Pen e seu grupo político, por sua vez, eram
encarados como figuras marginais da cena política francesa.
O
duelo se repetiu em 2022, mas Macron, com 44 anos, já não pôde se
apresentar como uma novidade independente e renovadora. Como presidente, ele
foi capaz de mostrar bons números na economia, mas também acumulou desgaste ao
promover impopulares reformas pró-mercado e por posturas pessoais consideradas
arrogantes. Ele ainda teve que lidar com momentos tensos, como os regulares
protestos do movimento dos "coletes-amarelos" e greves constantes
contra seus planos de reformar a Previdência.
O
presidente chegou na campanha de 2022 com a reprovação superior a 55%. Ele ainda se manteve distante de
eventos com eleitores, preferindo focar na mediação de uma solução para o
conflito na Ucrânia. A estratégia de se portar como "estadista" até
trouxe resultados eleitorais para o presidente, mas os ganhos logo se
dissiparam conforme os efeitos econômicos da guerra começaram a ser sentidos.
Macron, até então, pouco havia abordado aquela que viria a ser a preocupação
número um dos franceses nesse pleito: o aumento do custo de vida.
Macron
chegou ao fim do primeiro turno numa posição à primeira vista confortável. Foi
o mais votado dos 12 candidatos na disputa, obtendo 27,85% dos votos -um
resultado superior ao obtido na primeira rodada de 2017. Mas as pesquisas logo
indicaram uma disputa acirrada com Marine Le Pen, com os dois candidatos
chegando a aparecer empatados tecnicamente, em contraste com cinco anos antes,
quando o atual presidente sempre contou com mais de 20 pontos de vantagem nos
levantamentos.
Mas
a campanha de Macron reagiu neste segundo turno. O presidente cedeu em alguns
projetos de reforma impopulares, fazendo, por exemplo, um pequeno recuo nos
planos de aumentar a idade de aposentadoria. Ainda tratou de focar em temas que
sua campanha vinha ignorando, como meio ambiente e a perda do poder de compra,
como forma de cultivar a classe trabalhadora e o eleitorado ecologista, tentando ainda se afastar da pecha
de "presidente dos ricos".
O
chefe de Estado também aumentou sua presença em eventos de campanha. Ele fez
várias visitas a redutos de Le Pen e a áreas periféricas nas quais o
independente de esquerda Jean-Luc Mélenchon (terceiro colocado na eleição) se
saiu bem no primeiro turno.
Além
disso, Macron se pintou como o único contraponto possível ao radicalismo de Le
Pen, multiplicando críticas contra a rival e seu programa, tentando
conscientizar os eleitores sobre os riscos de o país passar a ser governado
pela extrema direita. Macron começou a subir especialmente quando começou a
expor e destrinchar o programa da sua rival, apontando que, apesar da mudança
de tom, os planos de Le Pen não haviam se afastado das velhas bandeiras
radicais. "É um programa de saída da Europa, embora ela não o diga claramente",
afirmou Macron antes do primeiro turno.
O
ponto alto dessa última estratégia ocorreu no único debate do segundo turno, no qual Macron adotou uma
postura combativa, deixando Le Pen na defensiva. No embate, ele ainda explorou
os laços da rival com a Rússia, incluindo um empréstimo milionário que o RN
obteve de um banco russo em 2014 e advertiu que a proposta de Le Pen de proibir
o uso do véu islâmico em público provocaria uma "guerra civil". Todas
as pesquisas apontaram que Macron se saiu melhor do que a rival no debate.
No
final, Macron ainda se beneficiou de um sentimento de rejeição da extrema
direita entre uma parte decisiva do eleitorado. Segundo pesquisa Ipsos
divulgada pouco antes do segundo turno, 39% dos eleitores que pretendiam votar
em Macron neste domingo tinham como principal motivação impedir uma vitória de
Le Pen, e não necessariamente endossar o programa do presidente.
Derrota,
mas resultado histórico para a extrema direita
Para Marine Le Pen, a derrota não chega a ser total. Em relação
a 2017, cresceu oito pontos percentuais e chegou a ameaçar Macron nas pesquisas
iniciais logo após o primeiro turno.
Com
41,8% dos votos, ela conseguiu ainda mais que dobrar o resultado do seu pai,
Jean-Marie Le Pen, em 2002, quando a extrema direita passou pela primeira vez
para o segundo turno. Em 1974, quando Jean-Marie lançou sua primeira
candidatura presidencial, a extrema direita obteve apenas 0,75% dos votos no primeiro
turno.
O
resultado sinaliza que o programa de "desdiabolização" ou
"normalização" imposto por ela ao Reagrupamento Nacional (RN), a
sigla fundada originalmente por Jean-Marie como Frente Nacional (FN), conseguiu
expandir sua base.
Com
Le Pen no comando, o RN passou a cortejar eleitores de zonas que sofrem com a
desindustrialização da França usando muitas vezes um discurso com bandeiras da
esquerda, focando em temas como salários, pensões e a perda do poder de compra.
Nesta
campanha, Marine Le Pen dobrou a aposta no discurso socioeconômico, deixando
muitas vezes em segundo plano a velha agenda xenofóbica e anti-UE do seu grupo
político, tentando criando uma forma mais acessível de populismo. Um segundo
olhar no seu programa, no entanto, revelava que as velhas pautas de extrema
direita continuavam lá, embora com vocabulário menos explícito. Em vez de
defender um "Frexit", Le Pen passou a falar em "renegociar
tratados". A saída da Otan havia virado "sair do comando
unificado" da aliança, entre outros subterfúgios.
Ainda
assim, o resultado mostrou que Le Pen conseguiu, efetivamente, num movimento
que começou a ser ensaiado em 2017, normalizar o RN para uma parte ainda maior
do eleitorado.
No
entanto, o bom resultado em 2022 - para os padrões do RN - pode ser uma faca de
dois gumes para Marine Le Pen. Por um lado, a mantém como uma protagonista
potencial para o pleito de 2027 – ela tem apenas 54 anos de idade – e serve de
argumento para insistir no curso de "normalização" do partido.
Por
outro lado, uma terceira derrota consecutiva e a persistente falta de uma
vitória concreta pode reforçar as críticas de alguns segmentos da extrema direita,
que se mostram descontentes com a estratégia de suavização do discurso do RN e
se sentem órfãos do estilo bombástico e abertamente xenófobo do velho
Jean-Marie Le Pen.
Neste pleito, Marine Le Pen já teve que lidar com a candidatura independente do polemista radical Éric Zemmour, que emulou o antigo estilo de Jean-Marie e tentou tomar o lugar de Marine como principal nome da extrema direita. Zemmour acabou desidratando ao longo da campanha, mas os 7% dos votos que recebeu evidenciaram o ensaio de um racha promovido por setores da direita radical. Esse descontentamento está presente dentro do próprio clã Le Pen e foi explicitado com o endosso que Zemmour recebeu da jovem deputada Marion Maréchal Le Pen, sobrinha de Marine, e uma das estrelas da extrema direita francesa.
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