Às
vésperas do início dos Jogos Olímpicos de Inverno Beijing
2022, cuja cerimônia de abertura ocorre na sexta-feira (4), um relatório do
Clube de Correspondentes Estrangeiros da China (FCCC, na sigla em
inglês) indica que a repressão imposta a jornalistas estrangeiros que atuam no
país asiático cresceu nos últimos anos, atingindo um nível “sem precedentes”. As informações são do site de notícias internacionais A Referência.
“Correspondentes
estrangeiros estão enfrentando obstáculos sem precedentes na cobertura
da China, como resultado dos esforços
do governo para bloquear e desacreditar os relatórios independentes”,
diz o documento. “À medida que o número de jornalistas expulsos pelo Estado
chinês cresce devido à intimidação excessiva ou a expulsões definitivas, cobrir
a China está se tornando cada vez mais um exercício de reportagem remota”.
O
documento relata algumas das estratégias
do governo para perseguir os jornalistas, sejam estrangeiros ou
chineses, e até mesmo as pessoas que venham a fornecer informações a eles.
Entre as medidas mais comuns de repressão estão “trollagem online, agressões
físicas, ações de hackers cibernéticos e negação de vistos”.
“As
táticas que os funcionários do departamento de segurança pública local usam
para perturbar os jornalistas tornaram-se mais elaboradas e mais minucioso,
especialmente quando tentamos relatar problemas delicados como religião ou minorias
étnicas“, disse o chefe de um escritório japonês na China.
A
campanha estatal de trollagem online torna “cada vez mais difícil para os
jornalistas que permanecem na China operarem, pois promovem um sentimento
crescente entre o público chinês de que a mídia estrangeira é o inimigo”. O
governo muitas vezes promove ações digitais de difamação,
jogando a população da China contra os jornalistas.
O
repórter alemão Mathias Boeliger conta um episódio que ocorreu com ele durante
os alagamentos na
província de Henan, em julho de 2021. Ele diz que, enquanto entrevistava uma
mulher que havia perdido seus bens, foi cercado por outros moradores da região,
todos agindo de maneira agressiva. “Diziam que eu era uma pessoa ruim, me
acusavam de espalhar rumores e manchar a imagem
da China“, relata.
Outra
medida comum é a abertura de ações judiciais contra jornalistas, o que muitas
vezes os impede de deixar o país. Assim, algumas empresas de mídia passaram a
organizar planos de fuga emergencial, caso seja necessário deixar a China
repentinamente.
“O
cenário de risco está mudando neste momento de maneiras desconhecidas. Em
particular, as organizações de notícias enfrentam avisos de que suas
reportagens podem expô-las a sanções legais ou ações civis. Ou, mais
ameaçadoramente, a investigações de segurança nacional”, disse David Rennie, chefe
da sucursal da revista The Economist em Beijing.
“No
passado, as principais ferramentas usadas para controlar a mídia envolviam
restrições de acesso, lista de veto em eventos ou problemas com carteiras de
imprensa e vistos”, afirmou Rennie. “O uso
crescente da lei é novo e preocupante”.
Devido
à perseguição, não são raros os casos de jornalistas que optaram por
voluntariamente deixar a China, reduzindo assim as equipes que atuam no país e
comprometendo a qualidade do trabalho de apuração. Outros foram obrigados a
sair, devido à escassez de vistos para a imprensa e à redução dos prazos de
permanência concedidos pelo governo.
A
situação não se resume à China continental. Hong Kong, que já foi modelo de
liberdade de imprensa, tornou-se foco da repressão estatal desde que a China
impôs a “lei
de segurança nacional“, que deu ao governo local poder de silenciar a
oposição e encarcerar os críticos. A lei classifica e criminaliza
qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão,
terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão
perpétua.
Vigilância
estatal
Profissionais
da imprensa que atuarão na cobertura dos Jogos de Inverno vão descartar os
equipamentos eletrônicos assim que acabar a competição. A justificativa para o
uso de telefones e computadores descartáveis é o receio com a vigilância
estatal no país, com o risco de os dispositivos serem invadidos e
infectados com softwares de rastreamento, permitindo que as
autoridades locais vasculhem todo o conteúdo.
A
atmosfera de desconfiança na edição deste ano dos Jogos tem como agravante as
restrições mais rígidas da história, estabelecidas pelos organizadores locais
com o aval do COI (Comitê Olímpico Internacional). A China usa a Covid-19 como justificativa
para fechar repórteres, atletas e oficiais em uma “bolha protetora” nomeada
“circuito fechado”. O esquema de movimentação restrita só permite que transitem
entre hotéis designados e locais oficiais por meio de carros, ônibus e linhas
ferroviárias geridos pelo Comitê Olímpico Chinês.
Já
as questões que envolvem cibersegurança têm
relação com um aplicativo exigido pela organização. Os participantes deverão
usá-lo para enviar diariamente informações pessoais sobre o estado de saúde,
como temperatura corporal ou eventuais sintomas que possam ser associados ao
coronavírus. Os relatos devem ser iniciado 15 dias antes da viagem à China e
continuarão durante as Jogos.
Tais
informações serão acessadas majoritariamente por chineses, entre organizadores
e autoridades, segundo consta no manual oficial do COI. “Os dados pessoais
serão processados de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis pelo comitê
organizador de Beijing, o governo nacional chinês, autoridades locais e o COI”,
diz a cartilha do comitê.
Citizen
Lab, think tank canadense focado em segurança cibernética, alertou em
janeiro para uma “falha devastadora” no aplicativo, que poderia expor
informações médicas e de passaporte dos usuários. O app também teria um recurso
que identifica palavras-chave como ‘Xinjiang’, região habitada majoritariamente
pelos uigures, minoria
étnica perseguida pelo governo, o que levou várias nações a promoverem um boicote
diplomático aos Jogos.
O
filtro pode ajudar as autoridades a identificar críticos ao regime do Partido
Comunista Chinês (PCC), gerando expulsões, ações judiciais ou mesmo
prisão. Daí a opção pelo uso de dispositivos digitais descartáveis, casos de
celulares, tablets e computadores. Atletas
e membros de delegações que competirão em Beijing adotarão a mesma
estratégia dos jornalistas.
Por
que isso importa?
No
“ranking da liberdade” da ONG Freedom
House, com sede em Washington, a China está entre os últimos colocados, com
base em 25 medidas de direitos políticos e liberdades civis. O país soma apenas
nove pontos de cem possíveis, acima apenas de outras 13 nações que têm
pontuação ainda mais baixa.
Na
China, o simples fato de citar a democracia leva à repressão do Estado. Algo
que ficou claro nos protestos
de 2019 em Hong
Kong, que até hoje rendem prisões e denúncias contra seus organizadores e
participantes. Segundo a ONG Hong Kong Watch, baseada no Reino Unido, até
o dia 31 de janeiro deste ano, 10.294 pessoas
foram presas por motivação política em Hong Kong, sendo que cerca de
2,3 mil foram posteriormente processadas pelo Estado.
A
internet também deixa claro que os valores democráticos não têm vez na China,
que bloqueia as redes sociais dos EUA e utiliza suas próprias versões, estas
submetidas à censura do PCC. É o caso do Weibo, versão chinesa do Twitter.
Lá, uma postagem do jornal estatal People’s Daily sobre o ataque do
Ministério das Relações Exteriores à democracia norte-americana recebeu
inicialmente cerca de 2,7 mil comentários. Depois de a censura começar a agir,
restaram pouco mais de uma dúzia.
E
a repressão imposta pela China a seus próprios cidadãos já ultrapassa as
próprias fronteiras. Artigo publicado
pela revista Foreign Policy mostra como o PCC, fazendo uso da lei
de segurança nacional de Hong Kong, tem poder para calar
críticos que vivem a milhares de quilômetros de distância.
Aconteceu,
por exemplo, com o empresário britânico Bill Browder, alertado pelo Ministério
das Relações Exteriores do Reino Unido a não viajar para países que honrem os
tratados de extradição com Hong Kong. Ativista em defesa de sanções contra
funcionários do governo britânico cúmplices de abusos dos direitos humanos, ele
poderia ser preso e extraditado para o território controlado pela China por seu
discurso crítico contra os abusos cometidos pelo PCC.
Isso
porque a lei de segurança nacional prevê a acusação de qualquer pessoa, em
qualquer lugar, por discurso considerado hostil aos interesses de segurança
chineses. “Os ditames da China afetam os esportes, Hollywood, o mundo
editorial, os meios
de comunicação e o jornalismo, o ensino superior, as empresas de
tecnologia e mídia social e muito mais”, diz o artigo.
Para ler mais acesse, www:
professortacianomedrado.com
AVISO: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Blog do professor Taciano Medrado. Qualquer reclamação ou reparação é de inteira responsabilidade do comentador. É vetada a postagem de conteúdos que violem a lei e/ ou direitos de terceiros. Comentários postados que não respeitem os critérios podem ser removidos sem prévia notificação.
Postar um comentário