O líder supremo da Coreia do Norte, kim Jong-un, em escola militar de Pyongyang, junho de 2014 (Foto: Divulgação/Prachatai)
Por André Amaral
O
17 de dezembro é uma data importante para a Coreia do Norte. Neste
dia, em 2011, morreu Kim Jong-Il, passando o governo para seu filho, Kim
Jong-un. De lá para cá, houve alguns acenos diplomáticos aos EUA e à Coreia do Sul e
pitadas de flexibilização cultural. Mas a década, a julgar pelas poucas e
invariavelmente distorcidas informações que passam pela alfândega, foi marcada
por repressão estatal, culto à personalidade do líder e militarismo.
A
mudança de governo não renovou os ares do hermeticamente fechado país, do qual
a dinastia Kim está à frente há mais de 40 anos. Desde antes do nascimento do
atual chefe, um jovem de 37 anos que, ao que tudo indica, não goza de boa
saúde. Fumante inveterado – apesar de uma campanha antitabagismo em vigor no
país – diabético, hipertenso e acima do peso, ele é alvo frequente de rumores
sobre seu estado de saúde.
Saudável
ou não, nesse período, Kim Jong-un foi bastante produtivo: expandiu a
vigilância invasiva imposta aos norte-coreanos, fortaleceu as amarras que
impedem a população de caminhar pelo próprio país e de ultrapassar suas
fronteiras e, diante de uma grave escassez de alimentos, potencializada pela
pandemia de Covid-19, lançou
um plano nacional de combate à fome sem precedentes: foi buscar na criação
de cisnes negros uma solução para o abastecimento de carne da
população. Nem seu valoroso exército escapou
da desnutrição.
Falando
em forças de segurança, desde 2011 Kim vem reorganizando as estruturas do
exército e do Partido dos Trabalhadores da Coreia, acelerando o desenvolvimento
das capacidades
nucleares e superando a prova de fogo da sobrevivência do regime,
dizem especialistas. Fatores que logo trataram de afastar para bem longe
qualquer dúvida sobre a capacidade do jovem ditador de manter a estabilidade
do regime repressor.
Segundo
o jornalista Tiago Maranhão, autor do livro ‘Oito
Dias na Coreia do Norte: Os bastidores de um jornalista em viagem pelo país
mais fechado do mundo‘ (Amazon), obra que relata a experiência vivida
por ele em 2014, o despotismo local é algo tão entranhado que os cidadãos
parecem não entender o que seria uma vida sem o controle do governo. Segundo
ele, é difícil apontar se a ditadura traz
ao norte-coreano um sentimento de segurança, de bem-estar social, de pertencer
a um ideal de nação. Ou se, ao contrário, a população em geral tem um grito de
socorro preso na garganta.
“Impossível
saber se existe uma ânsia interna por rebelião, se existe um desejo latente de
protestar”, relata Maranhão. “A maioria da população sequer conhece uma
alternativa ao sistema que vivem. Sem informações do exterior, não existe
comparação. A propaganda é uma máquina onipresente e eficiente”.
O
jornalista também não vê mudanças significativas desde a libertação da Coreia
do Norte do domínio colonial do Japão, após o final da Segunda
Guerra Mundial, em 1948, que elevou Kim Il-sung à posição de líder do país. O
projeto ditatorial permaneceu após sua morte, em 1994, com Kim Jong-il
assumindo o poder por 17 anos até sucumbir a um ataque cardíaco em 2011. E,
hoje, Kim Jong-un dá sequência a um regime que nunca foi diferente.
“É
uma ditadura longeva, estabelecida e que não teve nenhuma mudança significativa
mesmo com as três mudanças no poder na ditadura hereditária. As regras são as
mesmas”, observa.
O
culto à personalidade do líder, segundo Maranhão, tem ares quase religiosos.
“Sobre a popularidade dos líderes, todos com quem conversei se referiam a eles
como quem se refere a uma divindade. Porém, só falei com os guias e
entrevistados escolhidos pelos guias”, recorda o jornalista, acrescentando que
o contato com os cidadãos comuns passa pelo crivo das autoridades. “Não tive
acesso a pessoas aleatórias pelas ruas. Na praia que visitei, por exemplo,
fiquei em uma área reservada, separada do restante das pessoas por uma cerca
alta”.
A
maior parte da estada de Maranhão ocorreu na capital, Pyongyang, que alguns
visitantes ocidentais retratam como uma cidade “cenográfica”, destinada à elite
militar e da ciência (principalmente cientistas envolvidos com pesquisas
relacionadas a reatores
nucleares), com bela arquitetura, limpeza e tráfego organizado. Uma
realidade diferente da simplicidade do interior que, dizem os
críticos, Kim Jong-un quer esconder.
“Saí
da capital pelas duas principais estradas do país. Não passei por nenhum outro
centro urbano. Visitei o litoral, era uma cidade mais simples, construções
baixas, movimento nas ruas principalmente de pessoas a pé. E fui para a
montanha, não era uma cidade, era um resort. Mas sabe-se que morar em Pyongyang
é um privilégio, por conta da estrutura da cidade, muito mais urbana e bem
abastecida que o restante do país, inclusive por energia elétrica e saneamento
básico”.
Além
das diferenças sociais, os norte-coreanos também sofrem com o distanciamento
cultural de outras nações, já que, para o autoritário líder, a cultura
pop dos vizinhos do sul, como o K-pop, “corrompe as mentes”.
“Acho
que isso mostra o quanto essa é uma ditadura sem comparação na história
recente. No Brasil, mesmo no auge das restrições impostas, pessoas viajavam
para o exterior, estrangeiros visitavam o país, se ouvia música de outros
lugares, filmes americanos e europeus passavam nos cinemas, ainda que alguns
fossem censurados e outros demorassem muitos meses para chegar aqui. Aquela já
era uma situação absolutamente terrível. Ainda assim, essas são situações impensáveis
na Coreia do Norte”, retrata o jornalista.
Uma
nação ambígua
Como
sugere o título do livro do jornalista, a Coreia do Norte é um lugar tão vedado
que quase não se vê nada entre suas frestas, o que requer uma dose de
desconfiança sobre as informações que vêm de lá.
“É
importante receber com certo ceticismo notícias que chegam da Coreia do Norte,
tanto as positivas quanto as negativas. Raramente é possível verificar o quanto
de precisão existe e o quanto de especulação e interpretação”, pondera,
acrescentando um dado interessante sobre a segurança pública: “é possível dizer
que não existem crimes como assaltos”.
Ele
também salienta que nada do que ocorre naquela nação insular é uma escolha da
população, que, apesar da repressão, é formada por pessoas que provam das
mesmas belezas e mazelas da experiência humana.
“Não
houve um plebiscito após a Segunda Guerra, não existe (que se saiba) pesquisas
de opinião da população sobre o regime. As pessoas que estão lá vivem problemas
que são comuns a todos, elas se preocupam em proteger os filhos, em ter comida
na mesa o mês inteiro. Pessoas que se apaixonam, sofrem desilusões amorosas,
têm sonhos e anseios”.
Morre
Kim Yong Ju, irmão do fundador do país
A
mídia estatal norte-coreana comunicou nesta quarta-feira (15) a morte de Kim
Yong Ju, o irmão mais novo do fundador da Coreia do Norte, Kim Il Sung.
Segundo a ABC
News, não se sabe qual a data do falecimento da liderança, ocorrido aos 101
anos de idade.
Durante
o governo de Kim Il Sung, muitos especialistas externos viam Kim Yong Ju como o
segundo oficial mais poderoso do Norte, cotado como o sucessor de seu irmão.
Ele ocupou vários cargos importantes, entre eles o de diretor do departamento
de organização e orientação e também como membro do Politburo (comitê
executivo dos partidos comunistas), ambos no Partido dos Trabalhadores. Em
1972, ele representou a Coreia do Norte na assinatura de um acordo de paz
histórico com a Coreia do Sul, o primeiro grande comunicado conjunto dos rivais
sobre a unificação.
O
líder norte-coreano Kim Jong-un expressou “profundas condolências” pela morte,
informou a Agência Central de Notícias, órgão oficial do governo.
“Kim
Yong Ju lutou devotadamente para implementar as linhas e políticas do Partido
(dos Trabalhadores) e contribuiu para acelerar a construção socialista e
desenvolver o sistema social estatal de estilo coreano, enquanto trabalhava em
cargos importantes do partido e
do Estado por muitos anos”, disse nota da KCNA, a Agência Central de Notícias
da Coreia.
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
AVISO: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Blog do professor Taciano Medrado. Qualquer reclamação ou reparação é de inteira responsabilidade do comentador. É vetada a postagem de conteúdos que violem a lei e/ ou direitos de terceiros. Comentários postados que não respeitem os critérios podem ser removidos sem prévia notificação.
Postar um comentário