Apesar
de pessoas negras serem a maioria da população brasileira — dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018 mostram que 56% se
autodeclaram negros —, na magistratura, o total de negros e negras é de 18,1%
de todos os cargos. E desse total, somente 6% são mulheres.
Para
homens e mulheres que romperam barreiras e ingressaram nessa carreira da
Justiça, a dissonância entre os percentuais de representatividade evidencia o
racismo estrutural e institucional, frutos do histórico de abandono e
negligência de uma população que luta, ano após ano, para ocupar seu espaço na
sociedade.
Os
números sobre a representatividade negra na Justiça fazem parte da Pesquisa
sobre Negros e Negras no Poder Judiciário, elaborada pelo Departamento de
Pesquisas Judiciárias do CNJ para avaliar o impacto de duas resoluções que
regulam políticas de cotas raciais: a Resolução 203/2015, para
concursos do Poder Judiciário, e a Resolução 336/2020, para
vagas de estágio. Além dessas, o CNJ editou em 2021 a Resolução 382,
que amplia a política de cotas para provimento de cartórios extrajudiciais.
As
resoluções mais recentes são resultado da mobilização do Judiciário e da
sociedade civil por meio do Observatório
dos Direitos Humanos do Poder Judiciário, coordenado pelo presidente do
CNJ, ministro Luiz Fux, para fornecer subsídios para a adoção de iniciativas
que promovam os direitos humanos e fundamentais no âmbito dos serviços
judiciários.
Segundo
o levantamento do CNJ, divulgado no seminário "Questões Raciais e o Poder
Judiciário" em julho deste ano, a projeção é de que levariam 30 anos para
que se atinjam os 20% de negros na magistratura, mantido o cenário atual. No
dia a dia, as histórias de racismo se sobrepõem aos números.
“Um
segurança me barrou no estacionamento do fórum no dia em que eu ia tomar posse.
Disse que o espaço era reservado para magistrados e que os motoristas deviam
estacionar em outro lugar. Só que eu era o magistrado, dono da vaga”, contou o
juiz do Maranhão Raimundo Neris.
Mariana
Marinho Machado viveu algo semelhante. “Um advogado veio falar comigo para
reclamar, achando que eu era uma assessora, mas eu era a juíza da audiência e
ele tomou um susto quando falei que era a juíza”, contou sobre sua atuação
Tribunal de Justiça do Piauí.
O
juiz de direito e coordenador do Comitê de Diversidade do Tribunal de Justiça
do Maranhão, Marco Adriano Fonseca, avalia que este tipo de experiência
exemplifica o fenômeno do racismo estrutural e institucional e é resultado de
um processo histórico de abandono da população negra após a abolição da
escravatura, com reflexos até hoje, de marginalização da população negra.
“Reservar
vagas em faculdades e em concursos é um bom passo, mas o que precisamos ainda
fazer é dar acesso à educação de qualidade para que esse negro tenha condições
de concorrer em igualdade não apenas no concurso público, mas em tudo”, afirmou
o magistrado.
Uma
ação complementar para que a educação seja fator de emancipação social da
população negra seria a criação de bolsas de estudo nas escolas preparatórias
para concurso de ingresso na magistratura. “A ausência de diversidade
étnico-racial e de gênero no sistema de justiça tem como efeito a construção de
uma Justiça carente de pluralidade de visões”, reforça o juiz do TJ-MA.
Mulher,
negra e mãe
Com um bebê de onze meses no colo, a juíza do TJ-PI fica na dúvida se é mais
difícil enfrentar o racismo, o machismo ou os dois juntos. “A magistratura é
predominantemente masculina e branca. Foi difícil para mim no começo da
carreira, em 2013”, contou. “Foi na magistratura que senti o racismo mais perto
do que nunca, pois os colegas e os advogados não estão acostumados com uma
mulher nessa posição, muito menos com uma negra”, lamentou a juíza.
Karen
Luise, juíza de direito na 1ª Vara do Júri de Porto Alegre e membro do Comitê
de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul conta em
artigo que, no que diz respeito à inclusão, apenas na década de 70 a
magistratura do Rio Grande do Sul deixou de ser composta unicamente por homens.
As mulheres negras ingressaram na carreira bem depois, nos anos 80.
Uma
história emblemática é a de Mary Aguiar, a primeira juíza negra do Brasil.
Nascida em 1925, na Bahia, a filha de um taxista e de uma dona de casa tomou
posse no cargo de juíza de direito em 1962, na Comarca Remanso. “Jurisdicionou
até 1995, ano em que se aposentou aos 70 anos de idade. Nunca se tornou
desembargadora. Passados quase 50 anos do ingresso de Mary Aguiar no Poder
Judiciário brasileiro, os números demonstram que pouco se avançou”, conclui.
Para concretizar mais ações pela representatividade de negros e negras na Justiça, o CNJ criou em 2020 um grupo de trabalho com foco em aumentar a representatividade na Justiça. O objetivo foi buscar soluções para o racismo na forma de políticas públicas que deem mais efetividade às medidas com que o Judiciário combate o “racismo estrutural”. Em outubro do mesmo ano, o grupo apresentou um relatório com sugestões de políticas públicas em defesa da diversidade. A pesquisa elaborada pelo CNJ é um desdobramento dessas discussões.
Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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