Ao
manter uma empresa offshore em paraíso fiscal enquanto atua como
ministro da Economia, Paulo Guedes — pelo que se sabe até o momento — não
violou a Lei 12.813/2013, que versa sobre conflito de
interesses.
Esse
é o entendimento de especialistas consultados pela ConJur. Para o
ex-ministro chefe da Controladoria-Geral da União e sócio do Warde
Advogados, Valdir Simão, o fato de o ministro ter informado previamente a
existência da empresa a Comissão de Ética Pública afasta a violação do
regramento.
"Por
óbvio é muito ruim do ponto de vista até ético que um ministro da Economia
tenha uma empresa offshore no exterior. Mas, na medida que ele comunica a existência
dessa offshore à Comissão de Ética Pública da Presidência da República e cumpre
as recomendações dessa comissão, ele está em conformidade tanto com o código de
ética como com a lei de conflito de interesses", afirma.
Sancionada
em 2013 pela então presidente Dilma Roussef, a lei de conflito de interesses
veta que ocupantes de cargos na administração federal pratiquem "ato em
benefício de interesse de pessoa jurídica de que participe o agente público,
seu cônjuge, companheiro ou parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou
colateral, até o terceiro grau, e que possa ser por ele beneficiada ou influir
em seus atos de gestão".
O
especialista em Direito Administrativo explica que a aplicação da lei de
conflito de interesses se dá quando uma autoridade se utiliza de uma informação
que se tem pela posição para uma tomada de decisão em relação, por exemplo, a
seus investimentos. Simão diz que é muito difícil apontar conflito de
interesses em uma situação como essa quando não se tem indícios que uma tomada
de decisão foi motivada pelas informações que essa autoridade detém. O mesmo
entendimento pode ser aplicado ao presidente do Banco Central, Roberto Campos
Neto. Ambos informaram que declararam as empresas à Receita Federal.
A
revelação das offshore de Guedes e Campos Neto se deu com a publicação de
reportagens baseadas em um megavazamento de informações cujos dados foram
apurados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. No Brasil,
participam do consórcio a revista Piauí, a Agência Pública e
os portais Metrópoles e Poder 360.
Guedes
é dono de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas com saldo — em janeiro
de 2019 quando assumiu a pasta — de US$ 9,5 milhões. Campos Neto, por sua vez,
é dono de quatro empresas offshore em paraísos fiscais como o Panamá e as
Ilhas Virgens Britânicas. Uma delas foi fechada em 2020, quando já estava no
comando do BC.
Mitigar e prevenir
Em nota divulgada nesta segunda-feira (4/10), a Comissão de Ética Pública
confirmou que tanto Guedes como Neto informaram a existência das empresas e
receberam recomendações para "mitigar e prevenir" o conflito de
interesses de seus investimentos com o cargo que ocupam.
Na
nota, a CEP afirma que pode abrir processo administrativo para apurar se as
recomendações passadas as autoridades não tiverem sido respeitadas conforme
prevê a Comissão de Ética Pública.
"Na
hipótese de descumprimento das recomendações encaminhadas pela CEP às
autoridades alcançadas pelo Código de Conduta da Alta Administração Federal, ou
diante de novas informações que não constavam na DCI ou de possível ocorrência
de conflito de interesses durante o exercício do cargo, poderão ser reavaliadas
as providências recomendadas ou instaurado processo de apuração ética em face
da autoridade", diz trecho da nota. Clique aqui para
ler na íntegra.
Também
na segunda-feira (4/10), o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou
que irá oficiar o ministro da Economia. "Trata-se de uma notícia que foi
publicada pela imprensa. Com todo respeito à mídia, não podemos fazer
investigações com base em notícias. O PGR fará, como de praxe, uma averiguação
preliminar. Vamos ouvir algumas pessoas e requisitar documentos. Depois é que
vamos fazer um juízo de valor se é necessário pedir a abertura de um inquérito
no Supremo Tribunal Federal, que é o foro para quando há ministros de Estado
citados. Mas tudo será dentro do devido processo legal", declarou o PGR ao
site Poder 360.
Nesta
terça-feira (5/10), a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço
Público da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de convocação de Guedes para
dar explicações sobre a offshore. Senadores da Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE) também aprovaram requerimento para convocação do
ministro.
Legalidade e controle
O criminalista Conrado Gontijo lembra que a manutenção de patrimônio
no exterior (empresas, contas bancárias, bens móveis e imóveis) é plenamente
lícita, desde que atendidas determinadas exigências normativas. "Em geral,
exige-se que esse patrimônio tenha origem lícita e seja declarado aos órgãos
competentes. Se essas exigências não são cumpridas, é possível que se fale na
prática de comportamentos delitivos", explica.
O
especialista pondera, contudo, que como ocupante de alto cargo do Poder
Executivo da União, Guedes está submetido a exigências adicionais, de natureza
administrativa: não pode, por exemplo, exercer atividades que gerem conflito de
interesses com as suas funções públicas. "No caso em questão,
aparentemente, ele reportou todas as informações sobre a existência das contas
e offshores aos órgãos competentes, o que parece indicar que ele agiu com
boa-fé, transparência. Ocorre que, no Brasil, o controle sobre essas hipóteses
de conflito de interesses é ineficiente", explica
O
controle de conflito de interesses em relação a atos de autoridades como Guedes
e Campos Neto é um dos pontos que precisam ser melhorados na opinião de Valdir
Simão. "É preciso que esse acompanhamento seja feito de forma recorrente.
Confrontando as mutações patrimoniais a atos administrativos da autoridade
pública. Daí se afasta qualquer suspeita de conflito de interesse. Isso serve
inclusive para proteger essa autoridade", sustenta.
Gontijo
defende a necessidade de criar mecanismos que assegurem maior transparência
nesse processo de fiscalização, aprimoramento dos sistemas prestação de contas e
situações de potencial conflito de interesses por membros da cúpula estatal, e
maior abertura dessas informações à população. "No caso de Paulo Guedes, o
fato de ele ter mantido, desde muito antes de assumir o cargo de ministro,
patrimônio no exterior — patrimônio que se afirma estar declarado a todos
os órgãos de controle —, não me parece suficiente para que se afirme
presente situação de conflito, a impedir o exercício das suas funções
públicas", diz.
Os
advogados criminalistas Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo
Velloso, que representam o ministro, informou que pretende protocolar petição
na PGR e no STF, "esclarecendo de forma definitiva" que ele
jamais se posicionou de forma a colidir interesses públicos com seus negócios
privados.
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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