(*) Marcelo Aith
Recentemente
seguiu para sanção presidencial o projeto de lei, aprovado pelo Congresso
Nacional, que modifica substancialmente a Lei 8429/90, conhecida como a Lei de
Improbidade Administrativa. As alterações têm causado importantes discussões no
mundo jurídico e, também, na mídia. Uma das mais sensíveis foi a exclusão do
ato culposo do agente público que cause prejuízo ao erário como ato
de improbidade administrativa.
Nos
termos do artigo 37, §4º, da Constituição Federal e da Lei nº 8.429/1992,
qualquer agente público, de qualquer dos poderes da União, dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios pode ser punido com a pena de perda do cargo
que ocupa pela prática de atos de improbidade administrativa. Mas o que
vem a ser um ato de improbidade?
O
ministro Napoleão Nunes Maia, do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de
um agravo em recurso especial, afirmou que: "A Lei de Improbidade
Administrativa, como todos sabemos, nasceu com a finalidade de combater e
sancionar as condutas dos agentes de atos que afetem a moralidade e maltratem a
coisa pública; os seus comandos, todavia, são bastante abertos, havendo,
portanto, a necessidade de utilizá-la com certa prudência, a fim de que o
próprio instrumento jurídico não seja enfraquecido e se torne impotente,
vulgarizando-se pelo excesso de sua utilização ou, até mesmo, que seja
utilizado como mero mecanismo de repercussão nos elementos de disputa e
competição eleitoral, por exemplo".
Conforme
preleciona o ministro Garcia Vieira (REsp 213.994), a Lei de Improbidade "alcança
o administrador desonesto, não o inábil".
O
artigo 10 da Lei de Improbidade, com a redação atual, aponta a possibilidade do
reconhecimento de ato de improbidade quando o agente público causa dano ao
erário culposamente, ou seja, quando não age com a intenção de causar o dano,
mas por negligência, imprudência ou imperícia grave causa um prejuízo ao ente
público. Seguindo a atual legislação, temos a figura do "desonesto por
culpa".
O
ministro Napoleão Nunes Maia, antes mesmo do início da tramitação do projeto de
lei, já sinaliza sua preocupação em relação à imputação de ato de improbidade
por culpa do agente público, senão vejamos: "O elemento subjetivo
(dolo ou culpa) exigido para a configuração dos atos de improbidade traz à
discussão a proposição dilemática de saber se o cometimento culposo dessa
infração administrativa é (ou não) idêntico, similar ou igual ao cometimento
doloso e, portanto, passíveis ambos da mesma sanção".
Com
efeito, em boa hora o novo texto exclui a imputação de ato de improbidade por
culpa do agente público. Não se pode olvidar que improbidade administrativa é
ato de desonestidade do gestor público no trato da coisa pública. Ato de
improbidade, por exemplo, é comprar camisinha feminina para fornecer no
Sistema Único de Saúde, pagar antecipadamente, saber que a empresa contratada
não irá entregar e anuir com isso.
No
entanto, muitos irão pensar que isso resultará em impunidade para o mau gestor
ou para gestor incompetente. Não é verdade! O gestor que agir de forma imprudente
ou negligente na condução da coisa pública e causar prejuízo deverá ser
responsabilizado civilmente, devendo reparar o dano causado, mas não sofrerá as
graves sanções da Lei de Improbidade Administrativa, que devem ficar
reservadas, exclusivamente, para o agente que deliberadamente causar prejuízo
aos cofres públicos.
Dessa
forma, a alteração legislativa não gerará impunidade para o gestor público
desonesto, mas, sim, deixar de "medir com a mesma régua" o agente
negligente, imprudente ou imperito que causa prejuízo aos cofres públicos com a
sua falta de cuidado. Repito, isso não importará na ausência de punição, pois o
gestor poderá ser acionado em uma ação civil de reparação de dano, mas não as
sanções de perda do cargo ou função pública, impossibilidade de contratar com a
administração por um período etc.
Cumpre
destacar, por oportuno, que a ofensa ao artigo 10 da Lei de Improbidade impõe
hoje ao gestor público que age com dolo ou com culpa a mesma penalidade, ou
seja, impõe indistintamente as sanções do artigo 12, II, da LIA, que importam
em severas restrições ao causador do dano, consoante se depreende do texto
legal em vigor: "II — na hipótese do artigo 10,
ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de
multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos".
Diversamente
do que apontam os cavaleiros do apocalipse, nesse ponto específico da alteração
da Lei de Improbidade não se vislumbra retrocesso ou causa de impunidade,
mas, sim, uma correção de curso. Ou vocês acham razoável e proporcional tratar
de forma igual o gestor desonesto e o descuidado?
Não há como finalizar sem relembrar saudoso Hely Lopes Meirelles: "Embora haja quem defenda a responsabilidade civil objetiva dos agentes públicos em matéria de ação de improbidade administrativa, parece-nos que o mais acertado é reconhecer a responsabilidade apenas na modalidade subjetiva. Nem sempre um ato ilegal será um ato ímprobo. Um agente público incompetente, atabalhoado ou negligente não é necessariamente um corrupto ou desonesto. O ato ilegal, para ser caracterizado como ato de improbidade, há de ser doloso ou, pelo menos, de culpa gravíssima".
* Advogado, Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal
Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa (IDP), especialista em
Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca e professor convidado da
Escola Paulista de Direito.
Artigo publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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