Entenda o que diz a Lei 14.151/2021 e se a segurada pode receber salário-maternidade ou auxílio-doença se sua função for incompatível com trabalho remoto.
Lei 14.151/2021 e o afastamento da
gestante
Em
13 de maio, foi publicada a Lei n. 14.151/2021, que determina
que, durante a emergência de saúde pública causada pela pandemia de Covid-19, a
empregada gestante permanecerá afastada do trabalho presencial, sem prejuízo de
remuneração.
Além disso, a Lei n. 14.151/2021 fala que a empregada gestante afastada ficará à disposição para exercer as atividades em su domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Contudo,
essa lei foi omissa quanto aos casos em que a função para a qual a pessoa foi
contratada é incompatível com o trabalho não presencial. Desse modo, a questão
passou a ser alvo de judicialização.
Inclusive, há julgados no sentido de ser devido o salário-maternidade do INSS a essas seguradas gestantes afastadas em razão do contexto da pandemia de Covid-19 e que não podem exercer sua função de maneira remota, como indicado pela Lei n. 14.151/2021.
Impossibilidade de teletrabalho: quem paga a conta?
O art. 1º da Lei n. 14.151/2021 prevê que a empregada gestante deverá ser afastada do trabalho presencial, sem prejuízo de remuneração, e ficará à disposição para teletrabalho.
Mas e nos casos em que o trabalho não pode ser realizado remotamente (como enfermeiras, médicas, empregadas domésticas, atendentes de lojas, garçonetes, motoristas etc.)? Quem paga a conta?
Pois é, infelizmente, a Lei n. 14.151/2021 foi omissa quanto a isso. Esse Projeto de Lei foi proposto em julho de 2020 e tramitou em regime de urgência, talvez o legislador tenha optado mesmo por não inserir esse tipo de previsão, justamente para evitar maiores discussões e, com isso, fazer com que a norma fosse publicada o quanto antes.
Na
prática, em situações urgentes como essa, é melhor publicar uma norma que
solucione o problema de parcela das trabalhadoras, do que continuar deixando
uma lacuna legal para a totalidade delas.
Inclusive,
já existe um novo Projeto de Lei (PL n. 2.058/2021) que pretende disciplinar
melhor o afastamento dessas gestantes, para evitar que o ônus da medida recaia
apenas sobre o empregador e também para evitar a não contratação de mulheres.
Como a lei não diferencia a situação das empregadas cuja função é incompatível com trabalho remoto, a primeira tendência é pensar que ficaria a cargo do empregador também arcar com a remuneração dessas empregadas afastadas, mesmo que elas ficassem sem exercer qualquer tipo de atividade nesse período.
Deixar esse ônus para os empregadores é arbitrário e injusto. O empregador teria que pagar o salário integral da empregada gestante afastada e ainda pagar o salário da pessoa que a substituiria.
Inclusive,
vale a pena dizer que essa lei não dá tratamento diferenciado às micro e
pequenas empresas, sendo que até empregadores “pessoa física” (como
empregadores domésticos) serão obrigados a continuar arcando com a remuneração
da empregada afastada.
A lacuna na Lei 14.151/2021: como resolver?
Podemos dizer que a lacuna na Lei n. 14.151/2021 gera efeitos no âmbito trabalhista e previdenciário. ⚖️
O que fazer sob o ponto de vista trabalhista?
O art. 392, § 4º, inciso I, da CLT, fala que é garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos, a transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho.
Na Medida Provisória n. 1.045/2021 (que institui o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas complementares para o enfrentamento das consequências da pandemia de covid-19 nas relações de trabalho) e na mesma medida (que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento da emergência de saúde pública causada pela pandemia de covid-19).
A
MP n. 1.045/2021, por
exemplo, traz a possibilidade de aplicar uma redução proporcional de jornada de
trabalho e salário, que pode ser complementada com medidas como a adoção de
banco de horas e pagamento de ajuda compensatória para não diminuir a
remuneração da empregada.
Ademais,
a mesma norma prevê a possibilidade de suspensão temporária de contrato de
trabalho, que também pode ser complementada com pagamento de ajuda
compensatória.
Já
a MP n. 1.046/2021,
estabelece como alternativa a antecipação de férias individuais e compensação
de banco de horas.
Lembrando
que, inicialmente, essas MPs teriam vigência de 120 dias. Porém, em 16 de junho
de 2021, o Congresso Nacional prorrogou a vigência por mais 60 dias. 🗓️
Infelizmente,
seria impossível tratar de forma aprofundada todas as alternativas existentes
atualmente para resolver o problema deixado pela lacuna da nova lei.
O que fazer sob o ponto de vista previdenciário?
Sob
o ponto de vista previdenciário, caberia a concessão de salário-maternidade e
até mesmo de auxílio-doença à empregada gestante afastada impossibilitada de
trabalhar remotamente. 🤰🏼
“Mas
Alê, o salário-maternidade não pode ser requerido apenas até 28 dias antes do
parto?”
Pois
é, via de regra sim, nos termos do art. 392 da CLT e do
art. 71 da Lei de Benefícios.
Porém,
a questão da concessão de salário-maternidade a gestantes afastadas em
decorrência da determinação contida na Lei n. 14.151/2021, cuja função é
incompatível com o trabalho remoto, tem se tornado alvo de judicialização.
Em sua maioria, são ações em que o empregador entende não ser responsável pelo pagamento da remuneração da empregada afastada em razão dos efeitos da pandemia e da determinação contida na Lei n. 14.151/2021.
Desse
modo, eles pedem para que seja transferido ao INSS o dever de custear o período
de afastamento da gestante.
A
justificativa seria de que é de responsabilidade do Poder Público definir a
política de enfrentamento da pandemia de Coronavírus e providenciar todos os
meios necessários para que a população no geral conseguisse se manter nesse
período.
Desse
modo, na prática, seria como se o Poder Público, através do INSS, ampliasse a
proteção concedida pelo salário-maternidade, antecipando o pagamento desde o
momento do afastamento da empregada gestante.️
Mas
calma, vou explicar tudo isso com mais detalhes no tópico seguinte!
Salário-maternidade é devido quando a empregada afastada pela Lei 14.151/2021 não pode exercer
teletrabalho?
Recentemente,
têm surgido decisões no sentido de obrigar o INSS a pagar salário-maternidade
nos casos em que a empregada gestante afastada pela Lei n. 14.151/2021 não pode exercer
teletrabalho (vide proc. n. 5006449-07.2021.4.03.6183,
do TRF-3).
Os Magistrados
sustentam que não pode o empregador ser obrigado a arcar com os referidos
encargos decorrentes da impossibilidade do exercício da profissão ocasionada
pela crise emergencial de saúde pública.
A
questão é que, em um caso análogo de auxílio-doença (PEDILEF
n. 0502141-97.2019.4.05.8501/SE), a TNU tinha decidido que não caberia a
concessão do benefício como uma medida de assistência social para enfrentamento
da pandemia sem previsão legal.
Vale a pena ler esse
trecho do voto do Relator:
“Não
se desconhece o papel do Poder Judiciário de enfatizar a força normativa
da Constituição e
dos direitos fundamentais, efetivando direitos e prestações que são
indevidamente frustrados e omitidos pelos demais Poderes.
Ocorre
que, no exercício de seu mister, o Magistrado não é onipotente e não pode criar
políticas públicas “out of thin air”, ainda que as considere justas, mas apenas
garantir benefícios e prestações com fundamento na lei, e, em último caso,
diretamente da Constituição.
No
que tange às políticas públicas destinadas à assistência no período de
pandemia, especialmente no curso do ano de 2020, Poder Executivo e Legislativo
fizeram sua opção de como assistir a população mais desfavorecida, criando o
auxílio-emergencial previsto na Lei n.º 13.982/2020, entre outras
providências”. (g.n.)
Em
minha opinião, tal decisão é justa e compreensível, visto que o Poder Público
deve seguir o princípio administrativo da legalidade estrita.
Porém,
encontrei algumas fundamentações legais que justificam a concessão de
salário-maternidade nesses casos. Ou seja, existe sim previsão legal! 😎
A
única coisa que o Judiciário precisa fazer é “preencher” algumas lacunas. Mas é
para isso que o Judiciário existe, não é mesmo?
O art. 4º da LINDB
prevê que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. De acordo com a
hermenêutica jurídica, isso recebe o nome de colmatação de lacunas pelo Poder
Judiciário.
Sei
que o nome é difícil, mas a explicação é simples: nosso sistema constitucional
exige que o Magistrado decida de forma fundamentada e motivada, e isso deve ser
feito mesmo que a legislação possua imperfeições, falhas ou lacunas, ocasião em
que o Juiz terá a obrigação de colmatá-las.
⚠️ Colmatar significa corrigir, completar,
preencher.
Mas
voltando à questão dos fundamentos legais, tratando-se de atividades
insalubres, o art. 394-A da CLT diz que,
nesses casos, a gestante deverá ser afastada durante a gestação e lactação, sem
prejuízo de sua remuneração.
Ademais,
o § 3º do art. 394-A da CLT determina
que, quando não for possível que a mulher exerça suas atividades em local
salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e
ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei de Benefícios, durante
todo o período de afastamento.
Portanto,
eu entendo que este artigo da CLT preenche a
lacuna da Lei n. 14.151/2021! 😀
Agora,
vamos ver o que dizem as normas previdenciárias a respeito de gravidez de
risco.
O salário-maternidade tem duração de
120 dias, podendo ser iniciado até 28 dias antes do parto, em situações
normais:
“Lei
n. 8.213/1991, Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da
Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período
entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste,
observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à
proteção à maternidade.” (g.n.)
Em casos excepcionais, o salário-maternidade
pode ser aumentado em mais 2 semanas (antes ou depois do parto):
“Decreto
3.048/1999, Art. 93, § 3º. Em casos excepcionais, os períodos de repouso
anterior e posterior ao parto podem ser aumentados de mais duas semanas, por
meio de atestado médico específico submetido à avaliação médico-pericial.”
(Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020) (g.n.)
E se precisar afastar antes desse prazo?”
Pois
é, no caso da pandemia e da Lei n. 14.151/2021, a gestante deve
ser afastada durante toda a gestação. Porém, não existe previsão legal para
prorrogar o salário-maternidade por tanto tempo…
Então,
nesses casos, entra o auxílio-doença (atualmente chamado de auxílio por incapacidade temporária), conforme explicarei a
seguir!
[Obs.:
Você sabia que o salário-maternidade pode ser pago inclusive à segurada
desempregada? É o que explico no artigo: Como funciona o Salário-maternidade Desempregada (Grátis:
Modelo de Inicial)]
Gravidez de alto risco tem direito ao auxílio-doença
Nos
casos em que a gravidez é considerada de alto risco, a mulher tem o direito de
receber o auxílio-doença do INSS durante o período em que ela não pode receber
o salário-maternidade.
Confira este julgado
do TRF-4 sobre o tema:
“PREVIDENCIÁRIO.
SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA
MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. GRAVIDEZ DE RISCO. INTERRUPÇÃO DA ATIVIDADE
CAMPESINA. POSSIBILIDADE.
1.
Nos termos dos arts. 71 e
seguintes da Lei n. 8.213/91, é devido o
salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos
filhos e do labor rural no período de dez meses que antecede o início do
benefício.
2.
O período de interrupção do trabalho campesino durante o intervalo
correspondente à carência, em função de problemas de saúde da autora - in casu,
gravidez de risco, - não impede o deferimento do salário-maternidade, porquanto
deveria a autora estar em gozo de auxílio-doença, o qual não importa na perda
da qualidade de segurada, nos termos do art. 15, inc. I, da
Lei n. 8.213/91.
3.
Tendo estabelecido a lei previdenciária como requisitos para a concessão do
benefício, a comprovação da maternidade e do exercício da atividade rural, a
melhor exegese a ser dada, de forma a se coadunar com a valorização da
maternidade e com a proteção da criança, especialmente conferidas pela Constituição
Federal, é exigir, caso a segurada especial gestante ou adotante seja
acometida de moléstia incapacitante, a demonstração do exercício da agricultura
até o momento anterior ao risco, sob pena de se estabelecer um injustificável
tratamento diferenciado à segurada que não pôde exercer atividade laboral em
razão de circunstância alheia à sua vontade.
4.
Preenchidos os requisitos legais, é de se conceder o benefício à autora.”
(g.n.)
(TRF4, AC
n. 5000596-22.2020.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina,
Relator Juiz Federal Celso Kipper, Juntado aos autos em 12/06/2020)
Acontece
que todo segurado portador de enfermidade que o incapacita temporariamente para
o exercício de sua atividade laboral tem direito à concessão do auxílio-doença.
🤕
Especificamente
no caso da Lei n. 14.151/2021, mesmo a gravidez
não sendo uma enfermidade, certamente é uma condição que, em razão de uma
determinação legal, incapacita temporariamente a mulher para o exercício de
suas atividades de forma presencial.
❗ Inclusive, devido à pandemia, podemos
considerar a gravidez como sendo de risco, mesmo que a mulher não tenha
problemas de saúde.
No
caso, seria um risco advindo das condições da sociedade, que mantém em
circulação um vírus cujos sintomas da contaminação colocam a vida da mãe e do
bebê em risco.
Gravidez de alto risco dispensa carência no auxílio-doença?
Em
abril de 2021, a TNU julgou o Tema n. 220 (PEDILEF
5004376-97.2017.4.04.7113/RS), que discutia sobre se o rol do inciso II do
art. 26 c.c. art. 151, ambos da Lei
n. 8.213/1991, seria taxativo ou
se poderia contemplar outras hipóteses de isenção de carência, como a gravidez
de alto risco. 😊
Na
ocasião, foi firmada a seguinte tese:
“1.
O rol do inciso II do
art. 26 da
lei 8.213/91 é exaustivo. 2. A
lista de doenças mencionada no inciso II, atualmente regulamentada pelo
art. 151 da Lei
nº 8.213/91, não é taxativa,
admitindo interpretação extensiva, desde que demonstrada a especificidade e
gravidade que mereçam tratamento particularizado. 3. A gravidez de alto risco,
com recomendação médica de afastamento do trabalho por mais de 15 dias
consecutivos, autoriza a dispensa de carência para acesso aos benefícios por incapacidade.”
(g.n.)
Desse
modo, de acordo com a TNU, a gravidez de alto risco deve ser considerada no rol
de dispensa de carência do INSS para concessão de benefício por incapacidade
temporária (auxílio-doença).
Porém,
contra o acórdão da TNU, o INSS interpôs pedido de uniformização de
interpretação de lei dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, sustentando que
o entendimento firmado pela TNU diverge da jurisprudência do STJ. ☹️
Em agosto de 2021, os autos foram remetidos ao STJ, mas a questão ainda não foi julgada pelo STJ. Portanto, será necessário aguardar quais serão as cenas dos próximos capítulos!
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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