ARTIGO: Nova lei de licitações e impactos na esfera concorrencial

 

Por: Flávia Chiquito dos Santos é advogada do escritório Manesco Advogados

A nova lei de licitações e contratos (Lei 14.133/21) entrou em vigor em abril e substituiu uma série de normativos sobre a temática, como a antiga lei de licitações, a lei do pregão e a lei que regulamentava o Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Além dos impactos óbvios do novo diploma no campo do direito administrativo, também há mudanças e discussões a serem feitas no campo do direito concorrencial.

Integridade

Um dos principais temas, é a maior atenção que a lei dá à implementação de programas de integridade pelas empresas que buscam contratar com o poder público. Sobre isso, o texto normativo aborda em quatro pontos, de modo explícito, a necessidade de programas de integridade.

a) Para contratações de grande vulto, com valor a partir de R$ 200 milhões, a lei exige dos contratantes a presença de tais programas.

b) Em casos de empate entre empresas licitantes, aquelas com programa de integridade receberão preferência, vencendo às que ainda não o tenham implementado.

Em eventual aplicação de sanção administrativa, a presença de programas de integridade pode fazer com que as punições sejam suavizadas.

c) Em caso de impedimento ou de suspensão de contratar com o poder público, a existência de programa de integridade passa a ser condição sine qua non para a reabilitação.

É preciso destacar que os programas de integridade englobam não apenas o conteúdo da nova lei de licitações, mas também os ditames de outras áreas do direito, como o direito concorrencial, tendo em vista a atuação cada vez mais assertiva do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em relação ao comportamento de empresas quando diante de contratações públicas.

Transparência e condutas anticompetitivas

Dois tópicos da nova lei podem causar especial preocupação do ponto de vista concorrencial.

A nova lei inovou ao implementar no Brasil o chamado diálogo competitivo. A nova modalidade de licitação, que é praticada no âmbito da União Europeia há algum tempo, consiste em duas fases: uma de diálogo, feito entre o ente público e os potenciais concorrentes; e uma de efetiva competição entre os licitantes.

Por seu formato, o diálogo competitivo prevê maior possibilidade de encontros entre concorrentes, o que pode facilitar potenciais distorções anticompetitivas, especialmente porque a lei prevê medidas de transparência e publicidade, com a divulgação de áudios e atas de reuniões. Além disso, o fato de a Administração passar a deter uma série de informações sensíveis dos entes licitantes também é um ponto de alerta, pois o ente público pode estar mais passível de praticar condutas discriminatórias ao disponibilizar tais informações em prol de um único licitante.

Outro ponto para se observar de perto diz respeito à implementação do Portal Nacional de Contratações Públicas, que deverá ser um painel para consulta de preços e acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas para divulgação centralizada dos atos exigidos pela lei em relação aos contratantes. A transparência de dados e informações que podem ter cunho comercial sensível pode ser um fator facilitador para comportamentos colusivos, ainda que tácitos. Por outro lado, o Portal será um instrumento relevantíssimo para a Administração Pública fiscalizar e eventualmente detectar comportamento colusivos. Isso poderá ser feito a partir do auxílio das ferramentas tecnológicas. Um exemplo desse tipo de ferramenta é o "Projeto Cérebro" do Cade, um software que monitora compras públicas com vistas a detectar comportamentos anticompetitivos dos agentes econômicos.

Outros pontos

É importante ressaltar que o Cade constantemente avalia dois pontos em relação ao tema de compras públicas: consórcios e subcontratações.

A Lei 14.133/2021 apenas prevê a legitimidade dos consórcios, mas tal ponto ainda tem impactos na esfera concorrencial, uma vez que os consórcios e subcontratações muitas vezes são analisados pelo Cade como parte de "acertos" de estratégias colusivas.

Sobre isso, dois exemplos podem ser lembrados: o caso do cartel de trens em São Paulo, onde se utilizou da formação de consórcios para manipulação da licitação (Processo Administrativo/Cade nº 08700.004617/2013-41); bem como a representação da British Telecom em relação a consórcio formado por Vivo, Claro e Oi em uma licitação dos Correios (Processo Administrativo/Cade nº 08700.011835/2015-02). Os casos envolvendo a Operação Lava Jato ainda não foram concluídos no

Cade.

Destacam-se também as alterações que a lei realizou em alguns tipos penais, notadamente sobre o tipo de cartel em licitação. O agravamento da pena para esse tipo de crime (que antes tinha pena mínima de dois anos e passou para quatro) impede que as pessoas físicas envolvidas nas atividades colusivas procurem autoridades para a realização de acordos de não-persecução penal (um acordo mais benéfico comparado a outras formas de leniência). A mudança na pena também alterou o prazo prescricional, que impacta na análise das condutas da esfera concorrencial.

Por fim, parece haver tendência de cooperação entre diferentes entes, como autoridades concorrenciais e os entes estatais contratantes. Esse aprendizado coletivo pode aperfeiçoar os editais de licitação e possibilitar a implementação de melhores técnicas de detecção e investigação de condutas anticompetitiva

 

Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com

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