Lula, Deus e o Sertão: Milagres Hidráulicos em Palanque

 

Foto TMNews do Vale

(*)  Taciano Medrado

Na sua mais recente visita à Paraíba, o presidente Lula soltou uma daquelas frases que parecem ter saído de um script místico populista:

"Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente da república e trazer água pra cá." (Lula)

Sim, você leu certo. A seca no sertão nordestino, historicamente marcada por sofrimento, migração, pobreza e abandono, teria sido uma espécie de espera divina – tudo para que, em algum momento do século XXI, surgisse o redentor de Garanhuns para fazer jorrar as águas da salvação.

O que seria uma fala de palanque, daquelas para animar a claque e estampar manchetes, acabou escancarando um velho vício político: o messianismo barato. Lula não é o primeiro a se comparar com figuras míticas, nem será o último. Mas colocar Deus como arquiteto da seca só para destacar sua obra soa, no mínimo, um tanto... ousado.

Mais ousado ainda é ignorar décadas de luta dos sertanejos, técnicos, ambientalistas e governos que se revezaram entre projetos, promessas, paralisações e retomadas para tentar resolver o drama da água no semiárido. A transposição do Rio São Francisco – frequentemente apontada como "a obra do século" – é resultado de múltiplas gestões, com avanços e retrocessos, muitas vezes marcada por disputas políticas e denúncias de corrupção.

Mas para o atual presidente, os fatos parecem ser um detalhe dispensável quando se tem um microfone e uma plateia calorosa. Transformar política pública em milagre pessoal virou esporte. Afinal, é mais fácil vender a ideia de que o sertão esperou por ele do que admitir que o Brasil, como um todo, ainda engatinha em gestão hídrica, saneamento e infraestrutura básica.

No fim das contas, a fala pode até arrancar aplausos de quem espera algo — qualquer coisa — para se agarrar em tempos difíceis. Mas para quem acompanha de perto a realidade do povo nordestino, a ironia é dolorosa. O sertão não precisava esperar um salvador. Precisava (e ainda precisa) de respeito, planejamento e ação contínua, longe dos holofotes e das frases de efeito.

Enquanto isso, seguimos assistindo ao espetáculo: o político que se vê como escolhido divino, e o povo que, entre baldes e promessas, ainda sonha com o simples direito de abrir a torneira e ver a água correr.

(*) Professor e analista político 

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