Você já ouviu falar em estoicismo? Foi uma escola filosófica muito importante que voltou a estar em alta nos dias de hoje, especialmente no mundo corporativo e em algumas linhas do pensamento político e filosófico contemporâneo, em um tempo em que os valores morais estão se deteriorando. Muitos chegam a confundir estoicismo com cristianismo, mas não é a mesma coisa.
O estoicismo nasceu na Grécia e ganhou força em Roma, com nomes como Sêneca, Epicteto e o imperador Marco Aurélio. Ele prega a busca pela virtude, o domínio das paixões e a aceitação serena do destino. Sua diferença em relação a outras escolas filosóficas da antiguidade está no foco ético e prático, em vez de apenas teórico ou metafísico. Talvez por isso, por sua ênfase na ação e autocontrole, seja a linha filosófica mais próxima do comportamento cristão. Ainda assim, ela se sustenta sobre a razão humana como guia para a vida, o que a distancia profundamente do coração do evangelho.
O cristianismo, por sua vez, está para além de uma visão filosófica. Ele é uma manifestação viva e real de uma relação espiritual entre Criador e criatura. Embora também valorize a virtude, a disciplina e a sobriedade, sua base não está na força de vontade do homem, mas na graça transformadora de Deus e na atuação do Espírito Santo.
Enquanto o estoicismo ensina que o homem pode alcançar a paz por sua própria razão, o cristianismo afirma que a verdadeira paz vem da reconciliação com Deus, realizada por meio de Jesus Cristo. Paulo, apóstolo, homem de grande sabedoria e formação, parece ter se apropriado de algumas ideias estoicas, como a valorização da sobriedade e do contentamento em todas as circunstâncias, mas sem jamais abrir mão da centralidade da fé e da ação divina. Além do estoicismo, é possível perceber nos escritos de Paulo traços do pensamento epicurista e até da retórica dos sofistas, o que demonstra sua capacidade de dialogar com seu tempo sem comprometer o conteúdo do evangelho.
A tentativa de compreender o cristianismo como uma simples corrente filosófica representa uma grave distorção. A fé cristã é, acima de tudo, revelação, não elaboração humana. Como disse Agostinho: “Entendo para crer e creio para entender”. A teologia parte da fé para compreender a verdade, não da razão apenas.
Por isso, embora a filosofia possa oferecer instrumentos úteis de análise e clareza, ela nunca pode ocupar o lugar da fé. O risco de querer moldar o cristianismo à lógica humana é aprisioná-lo num sistema que não alcança a dimensão espiritual da revelação. Deus não é um conceito a ser definido, mas uma Pessoa a ser conhecida. A fé não é resultado de um raciocínio, mas fruto de uma experiência com o Espírito.
Durante séculos, o pensamento ocidental foi influenciado pela filosofia aristotélica, especialmente através da teologia de Tomás de Aquino. De fato, a lógica, a argumentação e a sistematização da fé cristã devem muito à estrutura aristotélica, que ajudou a organizar o pensamento teológico. No entanto, isso também acabou forçando a teologia cristã a uma racionalização que, por vezes, abafou o frescor da experiência espiritual.
A partir do século XX, algumas correntes pós-modernas buscaram romper com esse excesso de racionalidade, mas muitas acabaram se inclinando para o outro extremo. Nesse cenário, os movimentos voltados para o Espírito Santo foram fundamentais para lembrar que a fé também é vida, experiência, sensibilidade ao agir de Deus. Mas o desequilíbrio entre razão e emoção ainda é um risco. Não é a experiência mística que importa mais, e sim a real experiência espiritual. E esta é fruto da presença viva do Espírito de Deus, não de estados emocionais ou de êxtase subjetivo.
A grande diferença entre uma experiência mística e uma experiência espiritual está no fundamento. A mística tende a buscar o extraordinário, o sentimento elevado, o estado alterado de percepção. Já a experiência espiritual é o encontro contínuo, silencioso ou intenso, com o Deus vivo, por meio da sua Palavra e do seu Espírito. Por isso, quando Paulo diz que a letra mata, mas o Espírito vivifica, ele não está rejeitando o estudo ou a razão, mas denunciando a frieza de uma fé apenas teórica, sem transformação de vida. Ou seja, viver apenas pela razão ou pela emoção é sempre incompleto. A manifestação é no espírito, e são adoradores que o adorem em espírito que Deus procura.
O grande risco nos dias de hoje é essa sensação de relatividade que deixa a fé e a experiência espiritual “ao Deus dará”, como se estudar a Palavra com racionalidade e viver experiências espirituais legítimas não fossem mais tão importantes quanto as sensações que se experimentam. Esse talvez seja um dos maiores perigos para a fé cristã no século XXI.
(*) (*) É pastor evangélico há 30 anos e tem forte atuação na área social do Vale do São Francisco, desenvolvendo diversas ações nesse segmento há três décadas, tendo sido parceiro na criação de vários projetos de inclusão em Juazeiro e região. Ele tem formação em Teologia, Psicanálise Clínica, Educação Religiosa e Filosofia. Fez especialização em Radialismo, atuando por vários anos na área. É também professor e escritor. Em 2013, ganhou o título de Dr. Honoris Causa pela Genesis University. Colunista do TMNews do Vale (Blog do professor Taciano Medrado)
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