Foto : TMNews do Vale
(*) Taciano Medrado
Parem essa nave chamada Brasil que eu quero descer!
“Enquanto o STF sentencia os participantes do 08/01 por atos antidemocráticos, Lula posa ao lado dos maiores ditadores do mundo.”
Em janeiro de 2023, o Brasil assistiu estarrecido à invasão dos prédios dos Três Poderes, num episódio que manchou a imagem das instituições e da própria democracia nacional. A resposta do Supremo Tribunal Federal foi rápida, rigorosa e amplamente divulgada: julgamentos céleres, penas duras e o discurso enfático da proteção ao Estado Democrático de Direito. Justo. Atos de vandalismo político precisam ser coibidos com firmeza. Mas há algo de inquietante — e profundamente contraditório — no retrato atual da política brasileira.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto em solo nacional se apresenta como paladino da democracia e crítico da extrema-direita, adota no cenário internacional uma postura absolutamente ambígua. Nos últimos meses, Lula tem protagonizado encontros com líderes notoriamente autoritários: Nicolás Maduro (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), Xi Jinping (China) e autoridades iranianas.
Mas o episódio mais simbólico dessa contradição talvez tenha ocorrido recentemente, em 9 de maio de 2025, quando Lula participou do desfile do Dia da Vitória em Moscou, a convite de Vladimir Putin.
O evento, que celebra a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial, tornou-se nos últimos anos um palco de afirmação do poderio militar russo e da narrativa revisionista de um Kremlin mergulhado em autoritarismo. Lá estava Lula, ladeado por autocratas notórios, entre eles o próprio Putin — responsável por uma guerra devastadora contra a Ucrânia, pela repressão à oposição interna e por ataques sistemáticos à liberdade de imprensa. A presença de Lula, sob olhares complacentes e discursos cordiais, foi registrada pelo mundo como um gesto simbólico: o Brasil se coloca entre aqueles que relativizam ou silenciam diante de regimes opressivos.
A dissonância é gritante. Como é possível que, ao mesmo tempo em que condenamos com dureza atos "antidemocráticos" dentro de nossas fronteiras, celebremos relações amistosas com chefes de Estado que não apenas praticam, mas institucionalizam a antidemocracia? O discurso da legalidade e da defesa das instituições perde força quando se revela seletivo, guiado não por princípios universais, mas por interesses geopolíticos e ideológicos.
Não se trata de negar a necessidade do Brasil dialogar com diferentes nações, mesmo com regimes autoritários — essa é uma realidade da diplomacia internacional. Mas há uma diferença clara entre manter relações diplomáticas e posar para fotos sorridentes ao lado de quem persegue opositores, censura a imprensa e manipula eleições. O tom importa. A simbologia importa. E as vítimas desses regimes também importam.
Lula, que tantas vezes se apresenta como símbolo da resistência e da inclusão, deveria entender melhor do que ninguém o valor da coerência política. Em vez disso, sua política externa parece mirar mais em alinhamentos ideológicos do que em princípios democráticos. Enquanto isso, seus críticos domésticos, por mais radicais que sejam, são rapidamente rotulados como "golpistas", "fascistas" ou "ameaças à democracia", muitas vezes sem espaço para o contraditório ou a autocrítica do próprio governo.
O problema, portanto, não é apenas o que se condena — mas o que se tolera. O STF tem, sim, a responsabilidade de julgar com isenção e rigor os envolvidos no 8 de janeiro. Mas a democracia brasileira precisa ir além da blindagem institucional. Ela exige coerência, ética e responsabilidade também nos palcos internacionais. Não se pode relativizar o autoritarismo quando convém, assim como não se pode usar a democracia como escudo contra toda crítica.
Aos brasileiros que assistem a esse teatro de contradições, resta o papel da vigilância. Cidadãos atentos não se deixam enganar por narrativas convenientes. Devem questionar tanto os radicais que atentam contra as instituições quanto os líderes que, em nome da diplomacia ou da ideologia, abraçam ditadores com entusiasmo. A verdadeira defesa da democracia não se faz com discursos inflamados ou punições exemplares apenas — ela se constrói com coerência, respeito aos valores universais e, sobretudo, com integridade moral.
Enquanto os holofotes seguem voltados aos réus do 8 de janeiro, talvez devêssemos voltar os olhos também para quem, em nome do Brasil, anda sorrindo onde se deveria estar, no mínimo, em silêncio.
(*) Professor e analista político
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