Reciprocidade não, é retaliação!


(*) Valter Bernat

Os gabinetes dos ministros do STF dão a eles todo o suporte técnico necessário às suas decisões. São equipes altamente treinadas, formadas por juízes, advogados e técnicos da maior qualidade, auxiliando os ministros a decidir sobre os temas mais delicados, de forma que nunca, por deficiência de informação ou por falta de estrutura, um ministro do STF toma uma determinada decisão.

Mas o desejo do ministro se sobrepõe a isso tudo. E este foi o caso, mais uma vez, da decisão de Alexandre de Moraes no caso do pedido de extradição do cidadão búlgaro – Vasil Georgiev Vasilev – feito pela Espanha.

O ministro Alexandre de Moraes decidiu suspender o pedido de extradição do governo da Espanha de um cidadão búlgaro que está no Brasil e que cometeu crimes no país em 2022. O ministro afirma que a decisão foi tomada tendo em vista a exigência de reciprocidade prevista na Lei de Imigração.

Ora, o governo da Espanha não fala com o STF e sim com o governo brasileiro e vice-versa. Na prática, a representação diplomática da Espanha no Brasil fala com o nosso Ministério das Relações Internacionais, que fala com o Ministério da Justiça e daí o pedido é encaminhado ao STF.

Os pedidos de extradição, até bem pouco tempo, eram decididos pelo plenário do STF. Posteriormente, passaram a ser decididos pelas Turmas e agora, através de mais uma decisão monocrática, o ministro Alexandre de Moraes recusou o pedido de extradição de um traficante internacional de drogas. As decisões sobre extradição passaram a ser monocráticas?

Não existe uma lista internacional dos crimes que devam facilitar ou obrigar a extradição, salvo os acordados na Corte de Haia, como por exemplo o genocídio. Há também, um acordo internacional para que os crimes, que no país de origem, tenham como penalidade a pena capital, permita que cada país decida se acata ou não o pedido. Este não é o caso em tela, já que o tráfico internacional de drogas não é passível de pena de morte na Espanha.

Então, por que Alexandre de Moraes não aceitou, monocraticamente, extraditar o traficante búlgaro?

Bem, o Brasil pediu à Espanha, que extraditasse um brasileiro – Oswaldo Eustáquio – acusado de cometer um crime político. O que é um crime político? É aquele que atenta contra a ordem constitucional. Oswaldo foi incriminado por: tentativa de abolição do Estado de Direito, ou seja, crimes do 08 de janeiro. Todos crimes de natureza política. A tentativa de abolição do Estado de Direito é crime político em qualquer país do mundo, inclusive no Brasil.

Tanto é que o Brasil, em 2009, recebeu um pedido de extradição, por parte da Itália, de um assassino italiano – Cesare Battisti. O STF analisou o caso e entendeu que deveria acatar o pedido porque era um crime comum, 4 homicídios na década de 70. Entretanto, o governo brasileiro, que é o responsável pela decisão final, através do presidente Lula recusou a extradição, argumentando que se tratava de um crime político, mas, claramente, tratava-se de um homicida.

Oswaldo Eustáquio, com seu “crime”, não produziu uma gota de sangue enquanto o Battisti matou 4 pessoas. Em 2017. Temer extraditou Battisti para a Itália porque, evidentemente, não era um crime político.

Então, de novo, por que Alexandre de Moraes decidiu não extraditar o criminoso búlgaro? Ele não acatou simplesmente porque a Espanha não aceitou extraditar Oswaldo Eustáquio, argumentando o princípio da reciprocidade. Este princípio rege as relações internacionais, desde que não haja um Tratado assinado entre os países, mas há um Tratado entre Brasil e Espanha, assinado nos anos 90, ainda em vigor que, em seu artigo 1o, diz que os Estados obrigam-se à reciprocidade. E é neste artigo que Alexandre de Moraes está se baseando. No entanto, neste mesmo Tratado, no item F, diz claramente: “não será concedida a extradição quando o crime for político”.

A diferença é clara: Battisti e Vasilev cometeram crimes comuns (homicídio e tráfico de drogas, respectivamente), enquanto Oswaldo Eustáquio cometeu um crime político e isto, como vimos, está previsto claramente no Tratado. Está pacificado, portanto, que o cidadão que comete um crime político não deve ser extraditado, logo o argumento da reciprocidade para negar a extradição de um traficante, que está em prisão domiciliar, não pode ser usado no caso de Eustáquio, “um criminoso político”.

Porém, como não pôde incluir Eustáquio com criminoso político, já que o tratado veta a extradição nestes casos, o governo brasileiro está argumentando que Oswaldo Eustáquio cometeu crimes comuns, porque sabe que se usar o argumento de crime político, que é, evidentemente, a natureza do caso, ele não pode ser extraditado. O Brasil então afirma que Eustáquio cometeu: obstrução de investigação, incitação ao crime, associação criminosa, corrupção de menores (usando a rede social da filha para falar mal do governo. É inacreditável!

A extradição do bolsonarista foi rejeitada duas vezes: a primeira negativa ocorreu em março deste ano, quando a Justiça espanhola entendeu que os atos de Eustáquio não configuram crime no país e a segunda quando os espanhóis disseram entender que há motivação política no pedido de extradição.

Importante notar que em um trecho da decisão do próprio Moraes, consta: “…/ A extradição deve ser declarada improcedente, por nos deparamos com condutas com evidente ligação e motivação política, uma vez que são realizadas no quadro de uma série de ações coletivas de grupos que apoiam o Sr. Bolsonaro, ex-presidente da República Federativa do Brasil e oposição ao atual presidente, Sr. Lula da Silva…/”.

Se isso não é um reconhecimento de que o crime é político, não sei mais o que é!

É um absurdo o que está sendo colocado pelo STF, através de mais uma decisão monocrática de Alexandre de Moraes. Seria ideal que, pelo menos, o plenário do STF, votassem em nome da democracia, para que se seguisse os tratados assinados, colocando a Constituição acima, e não abaixo do ministro.

A coisa só piora.

Ao invés de acionar os canais diplomáticos brasileiros, como seria o correto, Moraes enviou uma intimação direta para a Embaixada da Espanha, dando um prazo de 5 dias para que ela se manifestasse sobre informações que comprovassem a reciprocidade no acordo de extradição entre os dois países.

É mais uma decisão absurda, pois embaixadores têm imunidade diplomática e Moraes pode desencadear uma crise internacional com esta atitude, que, evidentemente, não será atendida. Mais uma vez Moraes extrapola atribuições e, além disso agora, ainda interfere na diplomacia brasileira em um caso de extradição.

Encerro com um trecho do Editorial da Gazeta do Povo sobre este assunto:

“Negar a extradição de Vasil Vasilek apenas porque os espanhóis não entregaram Oswaldo Eustáquio a Moraes, como o ministro admite explicitamente em sua decisão, não é reciprocidade, mas uma retaliação grosseira”.

(*) Advogado, analista de TI e editor do site carioca O Boletim

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