Há muitas razões para ter algum otimismo sobre o Brasil. A economia cresce, a inflação está sob controle, o desemprego está baixo, a renda sobe e até os investimentos têm ensaiado uma recuperação. Não há problemas nas contas externas. Mesmo com o aumento das importações, a balança comercial acumula um saldo positivo, e o déficit em conta corrente até se elevou, mas é facilmente coberto pelo Investimento Direto no País (IDP).
Sabe-se,
no entanto, que o País tem uma grande vulnerabilidade: uma política fiscal
inconsistente, caracterizada por um desequilíbrio estrutural entre receitas e
despesas de mais de dez anos. Esse rombo é a razão pela qual o Brasil pratica
taxas de juros tão elevadas, e impedir que o buraco continue a crescer é – ou
deveria ser – a principal tarefa de qualquer governo preocupado em criar um
ambiente de negócios amigável à atração de investimentos.
O
presidente Lula da Silva já demonstrou ser incapaz de assimilar essa lógica,
mas, em uma conjuntura favorável, o mercado é capaz de relevar esse problema e
apostar suas fichas na capacidade do ministro Fernando Haddad de convencê-lo a
ter algum juízo na administração das contas públicas. No entanto, basta que
algo mude na conjuntura para que a precariedade desse arranjo fique clara.
Foi
o que ocorreu em março, quando o Federal Reserve decidiu prolongar o aperto nas
taxas de juros norte-americanas – o maior em 23 anos – pela quinta vez
consecutiva, decisão mantida também nas reuniões de maio e junho e sem
perspectiva de revisão no curto prazo. Desde então, o dólar tem ganhado valor
sobre muitas moedas no mundo, entre as quais o real.
A
questão é que a moeda brasileira está entre as cinco que mais se desvalorizaram
neste ano. E essa posição relativa, lamentavelmente, se deve muito a deméritos
próprios – em especial, a evidente má vontade do governo em enfrentar seus
desafios fiscais. Não se trata de mera impressão: foi uma decisão materializada
em abril, quando o governo alterou as metas fiscais de 2025 e 2026 e driblou o
arcabouço, aumentando o limite de gastos deste ano para reverter o parco
contingenciamento anunciado em março.
Em
paralelo, a agenda de recuperação de receitas da equipe econômica dá cada vez
mais sinais de esgotamento. Principal aposta do governo para reforçar a
arrecadação neste ano, a negociação especial para contribuintes derrotados pelo
voto de desempate nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf) não contabilizou uma única adesão formal até agora, e o
Congresso devolveu trechos da medida provisória que limitavam o uso de créditos
de PIS/Cofins pelas empresas.
Os números não mentem. O Tesouro Nacional divulgou que as contas do governo central registraram um déficit de R$ 61 bilhões em maio. Foi o segundo pior resultado para o mês em toda a série histórica, iniciada em 1997, superado apenas por maio de 2020, auge da covid-19.
O
detalhe é que as receitas avançaram incríveis 9% em termos reais, resultado que
só não impressiona mais que as despesas, que aumentaram em um ritmo 14% acima
da inflação, como se o arcabouço fiscal nem sequer existisse. Em 12 meses, o
rombo acumulado é de R$ 268,4 bilhões, o equivalente a 2,36% do PIB, muito
acima da meta de déficit zero.
Não há crise financeira internacional nem uma pandemia a justificar essa gastança, que, não por acaso, muito se assemelha àquela promovida por Dilma Rousseff, presidente de triste memória. A exemplo de sua criatura, tudo que Lula fez, até agora, foi desautorizar as iniciativas dos poucos ministros que ainda defendem um mínimo de responsabilidade fiscal.
Lula acha que está tudo bem e, em seu negacionismo econômico, amplia incertezas e retroalimenta uma crise de confiança criada por suas próprias ações hesitantes e declarações desastrosas. Quanto mais o presidente fala, mais eleva a curva futura de juros e a desvalorização do real ante o dólar. Tal como uma profecia autorrealizável, quanto mais Lula da Silva rejeita o ajuste fiscal, mais aumenta o custo das medidas que serão necessárias para reverter essa sangria.
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