Há
um ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu o uso de
esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) com finalidade estética, de
desempenho ou para ganho de massa muscular no Brasil. Considerado um problema
de saúde pública, o uso indiscriminado dessas substâncias sintéticas derivadas
da testosterona aumenta
os riscos à saúde, principalmente à saúde cardiovascular. Agora, uma carta
científica publicada no Jama – uma das revistas médicas mais
importantes do mundo – traz dados de um estudo observacional dinamarquês que
apontam que o uso de anabolizantes aumenta em 2,8 vezes o risco de morte.
A
Dinamarca tem um registro médico de todos os seus habitantes e, durante cerca
de 11 anos, foram feitas inspeções esporádicas com testes antidoping em
academias de ginástica do país. Para cada indivíduo identificado como usuário
de anabolizantes, foram incluídos 50 controles da população em geral. Ao todo,
o estudo monitorou 1.189 homens usuários de esteroides anabolizantes e 59.450
homens controle, com a idade média de 27 anos.
Durante
o período de acompanhamento, 33 usuários de anabolizantes morreram, em
comparação com 578 no grupo controle (lembrando que o grupo controle tinha 50
indivíduos para cada usuário de anabolizante). Isso significa que a taxa de
mortalidade entre os usuários de anabolizantes foi 2,81 vezes maior do que
entre os não-usuários.
Quando
foram analisadas as mortes não naturais, como acidentes, crimes violentos e
suicídios, a diferença foi ainda mais acentuada, alcançando uma taxa de
mortalidade 3,64 vezes maior entre os usuários de esteroides em comparação com
quem não usava.
“Esses
resultados levantam sérias preocupações sobre o risco de morrer
associado ao uso de esteroides anabolizantes e destacam a necessidade urgente
de conscientização sobre os seus efeitos”, alerta o endocrinologista Clayton
Luiz Dornelles Macedo, que coordena o Núcleo de Endocrinologia do Exercício e
do Esporte do Hospital Israelita Albert Einstein e o ambulatório de
Endocrinologia do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Nesse
ambulatório, é desenvolvido um programa chamado Bomba Tô Fora, que faz um
trabalho preventivo e atendimento gratuito para usuários de anabolizantes no
Sistema Único de Saúde (SUS).
É
importante destacar as limitações do estudo – trata-se de uma pesquisa
observacional, ou seja, não houve ajustes para variáveis que podem influenciar
a saúde dos participantes e não é possível identificar as causas das mortes.
Ainda assim, os especialistas afirmam que o estudo foi muito bem conduzido e se
soma às evidências já existentes de riscos à saúde.
“Mesmo
que a gente não saiba detalhes do que causou a morte, se havia casos de obesidade,
ou de doenças associadas, ou o uso de medicações concomitantes, esse achado é
estatisticamente importante. É importante para direcionar nossa visão e
orientar nossos pacientes sobre como o uso de anabolizantes aumenta o risco de
morrer”, frisa o endocrinologista.
Macedo
ressaltou ainda que dificilmente algum pesquisador faria um estudo clínico
randomizado, com uso de placebo, por causa das altas doses de esteroides usados
pela maioria das pessoas que utilizam essas substâncias sem controle. “O
desenho ideal de um estudo seria submeter o paciente ao uso de esteroides de
forma randomizada e comparar com placebo, mas provavelmente nenhum comitê de
ética do mundo aprovaria estudos desse tipo. Apesar dessas críticas, o grupo
dinamarquês detectou a positividade para esteroides anabolizantes e essas
pessoas foram seguidas por muitos anos”, afirma.
É
possível suspender o uso
Mais
do que realizar campanhas de orientação sobre o risco do uso de anabolizantes,
Macedo diz que é preciso acolher e orientar, por meio de um atendimento
interdisciplinar e individualizado, o paciente que decide interromper o uso.
“Se o paciente suspender abruptamente o uso da substância, o organismo vai
sentir como se fosse uma síndrome de abstinência semelhante à do uso
de opioides. Ele se sente cansado, fraco, agitado, e isso o faz querer voltar a
usar”, diz.
Outro
problema da interrupção abrupta do uso é que o organismo precisa se
reorganizar para produzir de novo testosterona e isso leva tempo – em
média 52 meses para que tudo se normalize. Com o excesso do hormônio vindo de
fora, o sistema interno bloqueia a produção natural e, quando precisa voltar a
produzir, demora um tempo.
“Quando
o paciente para de usar a testosterona externa, o organismo fica confuso com a
falta do hormônio. Isso reduz a potência, diminui a libido, deixa o paciente
mais cansado. Se não for bem orientado, ele talvez queira voltar a usar. Existe
um protocolo de retirada da droga e isso depende de cada caso. Por
isso é papel do médico não fazer julgamentos, não ter preconceito e acolher o
paciente usuário. Uma coisa é trabalhar com uma campanha educativa para a
pessoa não usar anabolizantes e outra é tratar o indivíduo que está usando a
medicação”, frisa.
Macedo
explica que é preciso dar alternativas ao indivíduo que utilizava
esteroides e decidiu parar. “Quando suspende o uso, ele perde os ganhos
(a hipertrofia muscular, por exemplo) porque ele vivia em um corpo
emprestado, num estado metabólico falso. Precisamos dar alternativas a esse
indivíduo, que deve ser acompanhado por um profissional de educação física para
ter um treinamento adequado, que vise a hipertrofia. Ele precisa de uma nutrição
adequada e suplementação, se necessário, com aporte energético de carboidratos
e proteínas para a produção de músculo. Além disso, muitas vezes existe
um distúrbio psiquiátrico de base, com uma autoimagem
corporal deturpada, por isso pode ser necessário o acompanhamento psiquiátrico
e psicológico”, elencou.
Na
opinião de Macedo, um ano após a resolução do CFM proibir o uso de
anabolizantes com fins estéticos e de performance, melhorou o nível de
educação do potencial usuário.
“A
impressão que eu tenho é que muitas pessoas que pretendiam usar pensaram duas
vezes e acabaram deixando de lado esse desejo. Mas, no Brasil, o uso de
anabolizantes ainda é um problema. Os riscos são muito maiores do que qualquer
benefício em potencial. Não existe uma dose segura, pois mesmo doses pequenas
ou poucas doses podem apresentar um efeito colateral grave”, conclui o
especialista.
Estadão
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