O nome do ministro-chefe da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa (PT), foi citado na delação premiada da empresária responsável pela venda de 300 respiradores durante a pandemia, publicada nesta quarta-feira (3). O governo baiano pagou R$ 48 milhões em um contrato, mas os respiradores nunca foram entregues. As informações são do Uol.
A
reportagem teve acesso ao acordo de delação premiada firmado pela empresária
Cristiana Taddeo, da Hempcare, responsável pela venda dos respiradores, com a
PGR (Procuradoria-Geral da República). Ela afirma que o negócio foi
intermediado por um empresário que se apresentou como sendo amigo de Rui Costa
e da então primeira-dama Aline Peixoto.
Aline
era funcionária da secretaria estadual de Saúde, e, em 2023, foi nomeada para o
cargo vitalício de conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia.
Taddeo
revela que pagou R$ 11 milhões em comissões aos intermediários, entre eles, o
empresário Cleber Isaac, que teriam facilitado o contato entre a empresa
Hempcare junto ao Consórcio Nordeste. Isaac seria amigo de Rui Costa e de Aline
Peixoto.
Rui
Costa negou envolvimento com irregularidades e disse nunca ter tratado
"com nenhum preposto ou intermediário sobre a questão das compras deste e
de qualquer outro equipamento de saúde", em nota enviada à publicação.
'Durante
a pandemia, as compras realizadas por estados e municípios no Brasil e no mundo
inteiro foram feitas com pagamento antecipado. Esta era a condição vigente
naquele momento', afirmou em nota.
Em
depoimento ainda em 2020, à Polícia Civil, a empresária dona da Hempcare disse
que o ex-secretário da Casa Civil ddo governo da Bahia, Bruno Dauster, sugeriu
um aditivo contratual para que fosse aumentado o valor dos equipamentos. O
ex-chefe da pasta pediu demissão após o escândalo.
No
depoimento ao qual o CORREIO teve acesso, Cristiana Taddeo contou que não
conhecia Dauster pessoalmente e tratou a venda de R$ 48,7 milhões através de
ligações e mensagens via WhatsApp. Após a assinatura do contrato, esse montante
teria sido depositado integralmente apenas dois dias depois. Ela disse ainda
que sua empresa, com sede em São Paulo, não é fabricante de respiradores e que
agiu como importadora dos produtos, que viriam da cidade de Guangzhou, na
China.
Presa
junto com outras duas pessoas pela Operação Ragnarok, que investiga suposta
fraude na compra das máquinas, Cristiana Taddeo descreveu a Hempcare como uma
empresa de fabricação, distribuição e representação de medicamentos à base de
canabidiol. A oportunidade de fazer a importação de respiradores teria surgido
após um grupo de empresários se reunir pelo WhatsApp para entender como
poderiam mediar essas compras.
A
empresária disse que tratou das transações quase exclusivamente com Dauster e
que o Consórcio Nordeste "teve pouca autonomia no processo de compra dos
ventiladores pulmonares". O consórcio, presidido pelo governador Rui
Costa, é uma articulação formada pelos nove estados nordestinos para projetos
econômicos, políticos, infraestrutural e social.
À
polícia, a empresária Cristiana Taddeo disse que não tinha ideia do porquê a
sua empresa foi contratada, já que era pequena e dispensável no processo, uma
vez que "Bruno Dauster possui muitos contatos e poderia contratar
diretamente com o fabricante chinês".
Ainda
no processo da compra frustrada com a China, a empresária relatou que chegou a
transferir R$ 400 mil para um homem como uma espécie de comissão por ele ter
ajudado a agenciar os contatos com a empresa chinesa, a MCC8.
Plano
B: compra de respirador brasileiro
Segundo
Cristiana, o contrato feito com o Consórcio Nordeste não exigia nenhum tipo de
garantia por parte de sua empresa, sendo estipulada apenas uma multa por atraso
na entrega. A Hempcare ficaria responsável pela entrega de respiradores que
teriam sido aprovados pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). Como a compra
com a empresa chinesa foi mal sucedida, Cristiana contou que pensou num “plano
B”: a compra de equipamentos nacionais através de outra empresa, a
Biogeoenergy, fabricadora do modelo BR2, que não tem aprovação da Anvisa.
No
depoimento, ela disse que enviou as especificações do modelo brasileiro para
Dauster e que este aparelho também teria sido aprovado pela Sesab. O valor de
cada peça importada no contrato original era de US$ 28,9 mil dólares, o
equivalente a cerca de R$ 155 mil reais à época, contra R$ 100 mil dos
aparelhos nacionais.
Com
o orçamento inicial, seria possível subir a compra de 300 para 480 aparelhos se
comprados os respiradores brasileiros — proposta que teria sido aceita tanto
por Dauster quanto por Carlos Garbas, secretário-executivo do Consórcio
Nordeste. Depoimento de Cristiana, em que ela diz que Dauster sugeriu aditivo
no contrato de respiradores.
Segundo
ela, na mesma noite do dia em que concordou com a aquisição dos produtos da
brasileiros da Biogeoenergy, o ex-secretário teria enviado a mensagem:
"Amiga, errei! O BR2 não foi aprovado!". No entanto, a empresária já
tinha feito a transferência de uma parcela de R$ 19 milhões à fabricante
nacional. Em comunicado público, a Biogeoenergy disse que desenvolveu um
respirador de última geração, que atende às especificações da Anvisa. No
entanto, até hoje o produto não foi aprovado pelo órgão e, portanto, nem mesmo
começou a ser produzido em larga escala.
A
empresa brasileira disse que a Hempcare é a única responsável pelo
descumprimento do contrato com o Consórcio Nordeste e que não pretende devolver
o valor recebido. “Nesse momento a Biogeoenergy se comprometeu a vender os
respiradores para a Hempcare. O destino desses equipamentos é uma decisão da
empresa e não nossa”, alega. Segundo a fabricante, a Hempcare sempre esteve
ciente do tempo que seria necessário para vencer os trâmites burocráticos com a
Anvisa para o início da produção dos aparelhos.
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