(*) Percival Puggina
Entre
as muitas marcas dos anos seguintes ao pleito de 2018, destacam-se quatro
conhecidas e incontestáveis: o desgaste moral do petismo determinado pelos
achados da Lava Jato; a transferência do protagonismo oposicionista para a
folgada maioria que o PT escolhera a dedo para compor o STF; as imensas
manifestações populares, confrontando o ativismo desempenhado pelo Supremo; o
permanente suporte da mídia aos crescentes excessos da Corte.
Foi
com base na relação amigo-inimigo (falarei mais sobre ela aí adiante) que se
estabeleceu e se ampliou a animosidade entre o colegiado do Supremo e aquilo
que ministros da Corte denominam bolsonaristas, golpistas, terroristas,
extremistas (mais ou menos metade dos eleitores brasileiros, se não mais).
Contra esses inimigos, inovações processuais, medidas drásticas e nada
ortodoxas foram adotadas na forma de censura, cancelamentos, desmonetizações,
restrições de direitos, prisões e inclusões nos pacotes dos inquéritos do fim
do mundo, fonte de tormentos e ameaças aos discordantes.
Sobre
os acontecimentos, paira o manto protetor bendizente pelo grupo que ficou
conhecido como “o Consórcio”, que eu prefiro chamar de “Rede Goebbels de
Narrativas”. Também destes é a obstinação em minimizar a influência e a
concorrência das redes sociais, para benefício próprio e dos amigos.
Sobre
tal período, o ex-ministro Marco Aurélio Mello registra em seu livro mais
recente, “O Tribunal”, que a Corte da qual foi membro e decano, ouviu o comando
militar antes de (segundo palavras da Folha de São Paulo) “dobrar a aposta”
contra Bolsonaro. Foi assegurado, ali, curso livre e seguro ao ativismo que
assinalou a história daqueles anos. O vocabulário do Supremo era o vocabulário
da oposição. Passo a passo, lendo os fatos com a ótica oposicionista e sempre
dobrando a aposta contra o Poder Executivo, o STF cuidou de brecar o programa
de governo consagrado na eleição de 2018. A sociedade elegeu um presidente e o
STF não gostou de seu perfil nem do programa.
Diante
do que se viu entre 2019 e 2022, alguém poderia imaginar uma condução do pleito
de outubro passado diferente da proporcionada pelo TSE? Alguém poderia imaginar
as redes sociais preservadas como espaço de opinião livre e democrática?
Naquele período, o que já vinha mal desde a Covid, piorou e agravou a
contrariedade de dezenas de milhões de eleitores.
Nada,
absolutamente nada mais me surpreende. Inesperada, convenhamos, foi a vitória
de Bolsonaro sobre Haddad em 2018. De então para cá, muito do que vejo
corresponde ao exposto por Carl Schmitt sobre a relação amigo-inimigo a que me
referi no início destas reflexões. Em definitivo, isso não é bom! Lembre-se:
esse profeta do positivismo jurídico se filiou ao partido nazista em 1933.
Segundo ele, quando uma relação sai do campo do objeto e, ganhando intensidade,
vai para o campo existencial, ela se torna política. É fácil constatá-lo nas
experiências sociais e familiares destes tempos conflituosos. Trata-se de
fenômeno social tão intenso que evitar conflito, dissociação e ruptura requer
grau elevado de afeição, moderação, equilíbrio, tolerância e de alguma
reciprocidade não encontráveis em toda parte.
Tenho
grande apreço aos valores da tradição religiosa e cultural do Ocidente, sinto
os ataques multiformes e intolerantes da cultura Woke, do identitarismo, da
Nova Ordem Mundial e do velho Iluminismo com harmonização facial e makeup.
Consigo perceber o quanto as relações sociais estão politicamente afetadas e
quanto o binômio amigo-inimigo está presente inspirando a infiltração, os
desastres educacional e cultural e os discípulos de Paulo Freire. Tendo estado
vivo e alerta nas décadas anteriores, sei quem atacou e sei quem, em todo o
Ocidente, precisou se defender.
Na
lógica do presidencialismo, no baixo padrão cultural e político da sociedade,
no rocambolesco modelo institucional brasileiro, no desgaste dos freios e no
enguiço dos contrapesos, quem vencesse o pleito presidencial de 2018 festejaria
vitória dos amigos e a derrota dos inimigos. A gente podia desejar algo
diferente ou não prever a avalanche dos desdobramentos, mas cada acontecimento
estava, sim, no quadro das possibilidades consistentes.
Será
que alguém esperava coisa diferente do complexo STF/TSE ou da mídia vassala
após a vitória de Bolsonaro? São como flagrantes perpétuos os vídeos em que
ministros do Supremo fazem afirmações do tipo “Se hoje nós temos a eleição do
presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo Tribunal Federal”, “Nós
derrotamos o bolsonarismo”, “Perdeu Mané”, “Missão dada, missão cumprida”.
Ministros
do STF, em frequentes manifestações públicas, aplicavam ao governo adjetivos
próprios do vocabulário esquerdista. Em setembro de 2020, o ministro Fachin
vaticinou: “A sociedade brasileira precisa se preparar para fazer uma escolha
entre essas duas agendas e esses dois projetos. E isso se dará em 2022”. Em
sequência, proclamou a própria escolha, desqualificando a agenda inimiga como
produto “de mentes autoritárias, de menosprezo à democracia, a questões vitais,
como meio ambiente, povos indígenas, quilombolas”. Seis meses depois, o mesmo
ministro anulou as condenações de Lula.
Por
outro lado, quantos cidadãos brasileiros, olho na memória genética republicana,
ansiaram por uma intervenção militar com Art. 142 etc.?
Estamos divididos como sociedade e o antagonismo, pelas razões mais amplas expostas, tem marcado os últimos pleitos em todo o Ocidente como reflexo da relação amigo-inimigo. É sensato o Poder Judiciário manter protagonismo político e ter parte nessa relação? Carl Schmitt diria que sim. O bom senso grita que não.
(*)
Arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Membro da Academia
Rio-Grandense de Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do
Rio Grande do Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e
em outros websites de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara,
Diário do Poder, Tribuna da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma
centena de jornais.
Fonte: O Boletim
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