Integrantes
do Primeiro
Comando da Capital (PCC) e do Comando
Vermelho (CV) estão se infiltrando nos municípios para capturar
contratos milionários com prefeituras do País. A ação dos criminosos foi
detectada em investigações de São Paulo, Rio, Bahia, e Ceará, entre outros
Estados. Para as facções, ao contrário das milícias, não é o domínio do poder
local que está em jogo, mas a oportunidade de obter novos lucros e lavar o
dinheiro do tráfico de drogas em atividades lícitas. É por isso que o apoio a
candidatos a vereadores e a prefeitos é mais importante do que eleger deputados
e senadores.
A
partir desta segunda-feira, 19, o Estadão publica uma série de
reportagens com dados sobre atuação do crime organizado no Poder Público.
Documentos inéditos de investigações mostram o pagamento milionário de uma
prefeitura, por meio de contratos aditivos, para empresas de transporte ligadas
ao crime. Ao mesmo tempo, um vereador teve a empresa apontada como elo para
pagamento mensal a integrantes de organização criminosa. O envolvimento do
crime, no entanto, tem consequências. Um ex-político, por exemplo, terá de
arcar com o pagamento de multa por condenação pelo envolvimento com pessoas
ligadas ao PCC. No Nordeste, a ação do Comando Vermelho culminou até com
assassinato de um parlamentar, como apontam investigações na região. Há ainda
detalhes de influência dos clãs milicianos no Rio de Janeiro de olho nas
próximas eleições.
“Se
o PCC conseguir eleger um deputado terá apenas um entre 513 parlamentares. É
muito mais interessante para seus integrantes ter acesso às Câmaras Municipais,
onde são discutidos os contratos da coleta de lixo e as regras do transporte
público e do uso e ocupação do solo”, afirmou o
promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial e Repressão do Crime Organizado
(Gaeco), do Ministério Público de São Paulo.
Trata-se
de um movimento silencioso, um passo fundamental na transformação de uma facção
criminosa em uma organização mafiosa, o passo que parecia faltar para que uma
gangue nascida no interior de um presídio se transforme em uma ameaça à
segurança nacional. O Estadão ouviu alguns dos mais importantes
responsáveis pelo combate ao crime organizado e revela, nesta série de
reportagens, um diagnóstico do desafio para a Segurança Pública imposto pelos
bandidos no País.
“O
PCC, pelo que vem sendo informado, está querendo se infiltrar na administração
pública e na vida política, elegendo representantes insuspeitos”, alerta o
desembargador aposentado e ex-secretário nacional antidrogas, Walter Maierovitch. Esse é um processo que começou há 20
anos, quando Antonio José Muller Junior, o Granada, viu nos perueiros de
São Paulo uma oportunidade de negócios. Ele está preso e seu advogado, Eliseu
Minichilo, não foi encontrado.
Granada foi condenado a 30 anos de prisão, na Operação Ethos, que investigou a Sintonia dos Gravatas, o departamento jurídico do PCC, e sua infiltração no Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana. Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, o chefão do PCC, também foi condenado no mesmo processo.
Ameaças
a políticos e a infiltração mafiosa
O
crescimento das organizações criminosas põe em risco não apenas os moradores de
comunidades afetadas pelo tráfico, mas até mesmo os chefes de Poderes, como o
presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG) e o da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL) e políticos como Sergio
Moro (União-PR), que tiveram seus passos vigiados a mando da cúpula do PCC. Por
enquanto, os mafiosos brasileiros preferiram conviver com o Estado por meio da
corrupção, em vez de desafiá-lo abertamente por meio do “chumbo”.
Quem
explica a razão disso é Maierovitch. “Toda máfia, ou pré-máfia, é parasitária.
O grande erro de Totó Riina (Salvatore Riina, chefão da Máfia da Sicília), segundo os
colaboradores da Justiça, foi enfrentar o Estado, declarando-lhe guerra. Com a
declaração de guerra e os ‘cadáveres de excelência’, como juízes, procuradores
e policiais, a administração pública passou a cortar a ‘infiltração mafiosa’,
sempre feita por interpostos empresários. A fonte secou”, afirmou.
Além
de se infiltrarem no transporte público em São Paulo e em outras cidades do
Estado, integrantes do PCC também teriam capturado contratos da área da saúde,
da coleta de lixo e buscaram influenciar o uso e ocupação do solo em áreas de
preservação ambiental. Para tanto, apoiaram ou financiaram candidatos nas
eleições de 2016 e de 2020 em cidades como Arujá, Embu, Praia Grande, Santos e
Campinas, conforme denúncias investigadas pela polícia. Em uma delas, o prefeito
eleito nomeou um homem ligado à facção como secretário de governo. Em outra, os
bandidos se apossaram da coleta de lixo.
Em Arujá, na Grande São Paulo, o esquema era liderado, segundo as
investigações, por um dos maiores traficantes do PCC: Anderson Lacerda Pereira,
o Gordo, que se espelhava no colombiano Pablo Escobar. E, assim, fraudava licitações,
empregava protegidos, ameaçava concorrentes e desviava medicamentos comprados
pelo município para misturar à cocaína traficada pela organização. A Operação
Soldi Sporchi (dinheiro sujo, em italiano) levou à cadeia o vice-prefeito
da cidade, Márcio José de Oliveira, então no PRB (atual Republicanos).
No
Ceará e na Bahia, bandidos do CV e milicianos montaram organizações para eleger
vereadores e influenciar a política em municípios por meio de contratos
milionários com o poder público, a exemplo do que já faziam no Rio de Janeiro e
na Baixada Fluminense. “Sabemos que esse é o próximo passo dessas organizações:
a infiltração no poder público em busca de oportunidades de negócios para lavar
o dinheiro do crime”, afirmou o delegado Rogério Sampaoli, superintendente
da PF em São Paulo.
No
Brasil, o crime organizado está presente no cotidiano de 48 milhões de pessoas,
segundo estimou a pesquisa Latinobarômetro, de 2020. No Estado de São Paulo,
integrantes da Sintonia Final do PCC, o órgão máximo da direção do grupo, estão
entre os acionistas de empresas beneficiadas por repasses milionários do poder
público, conforme mostram documentos e contratos analisados pela reportagem. Os
bandidos estabeleceram ligações, segundo os investigadores, com políticos de quase
todos os partidos, da esquerda de centro e à direita.
Enquanto
no Rio a Justiça eleitoral procura barrar as candidaturas
ligadas ou financiadas pelas organizações criminosas, em São Paulo, o PCC
começou a impor vetos à presença de cabos eleitorais de políticos adversários
em comunidades dominadas pela facção na eleição de 2020 em cidades como
Campinas e Praia Grande. Para os investigadores, esse é um processo que pode se
ampliar nas periferias em 2024.
Mananciais
e devastação ambiental
O
ex-secretário municipal de Mudanças Climáticas de São Paulo,
Gilberto Natalini, alerta sobre relação da presença do PCC e a criação de
loteamentos clandestinos na última década em áreas de mananciais e de Mata
Atlântica. “Eles invadiram 160 áreas em 2020, cortaram 2 milhões de árvores e
pretendiam vender 49 mil lotes. Se conseguissem, iam ganhar R$ 1,9 bilhão”,
afirmou. Atualmente sem partido, Natalini foi vereador em São Paulo por cinco
legislaturas. Disse não pretender mais se candidatar.
Recentemente, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou nova Lei de
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei do Zoneamento), flexibilizando as
regras de proteção ambiental na cidade sob o argumento de facilitar a
regularização fundiária de famílias de baixa renda, permitindo uma maior
urbanização de áreas sensíveis, como em distritos do entorno das represas que
abastecem a cidade e da Serra da
Cantareira. Para Natalini, a medida pode acabar “ajudando” os criminosos.
“Testemunhei
evolução do crime organizado. Quando ia para a periferia na década de 1970, não
tinha crime organizado. Era só briga de bêbado e de marido e mulher. Hoje, o
PCC domina os bairros e está transformando o crime em negócio. Eles se
diversificaram, estão no ramo imobiliário, se meteram nas padarias, farmácias,
postos de gasolina e também na saúde, onde criaram organizações sociais que
fizeram contratos com prefeituras no litoral e na Grande São Paulo,
apropriando-se da estrutura do SUS”, disse Natalini. Enfim, é este o cenário
que faz as eleições de 2024 serem tão importantes para o crime organizado.
Correções
19/02/2024 | 13h57
Inicialmente,
a reportagem atribuía a Gilberto Natalini o cargo de secretário municipal de
Mudanças Climáticas de São Paulo. Contudo, ele deixou a função em janeiro de
2024. A reportagem foi atualizada com a informação correta.
19/02/2024 | 13h57
Fonte: O Estadão
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