(*) Percival Puginna
Que
diriam Chico Anysio, Costinha, Dercy Gonçalves, Ronald Golias, José
Vasconcellos, se chamados do Além para proferir algumas palavras neste velório
silencioso do humor brasileiro? Por vezes, penso que alguém impôs sigilo até às
exéquias do bom humor nacional.
No
início, pareceu-me que as máscaras da Covid vinham para ficar. O riso e o
sorriso sumiram sob a tirania dos elásticos e das sanções. No entanto, saíram
os elásticos e as sanções permaneceram. Pobre e triste Brasil!
Tão
ferida está tua alma que o humor circula na criptografia dos e-mails e das
mensagens pessoais que tanta curiosidade (e ira) suscitam. De fato, nas
catacumbas onde alguma privacidade é preservada, os dias nos surpreendem com o
qualificado humor de muitos. A criatividade e a inteligência resistem à
bisbilhoteira inteligentzia oficial.
O
humorismo sumiu do rádio, da tevê, das revistas e dos teatros; está custodiado
em uma ou outra página perdida por aí. Suprimiram-lhe os melhores personagens,
os mais atuais e engraçados, ou seja, certos políticos e suas performances.
Tomaram-lhe, principalmente, os penetras do palco, noviços da arte política e
seus excessos. Se tiram do humor a vertente dos plenários e dos plenos, de onde
viriam o riso e a graça? Das narrativas repetidas numa constância de provocar
engulhos até em cantor de rap? Vamos deixar a realidade num cabide e fazer
humor com os vestidos desta ou daquela dama?
O
humor falece junto com a liberdade. Por isso, as verdadeiras democracias
preservam o humor político como verdadeiro tônico da participação social; não
prendem nem constrangem seus humoristas ao exílio.
A
três palmos de meu nariz, estão os livros que mais frequentemente acesso. Entre
eles, dois preciosos volumes de “Uma campanha alegre”, coletânea de
artigos de Eça de Queiroz para o jornal “As farpas”, que ele e Ramalho
Ortigão lançaram em 1871 para combater as instituições portuguesas de então.
Creiam: é gênio em prosa!
Num
texto de agosto desse mesmo ano, após criticar certa situação específica
envolvendo a Câmara dos Deputados, ele interroga os parlamentares portugueses:
Por
que não tiram, para maior comodidade de suas pessoas, a consequência lógica de
seu procedimento? Se se desprenderam de todo respeito, por que não se
desembaraçam de suas gravatas? Se se atribuíram o direito de dizer injúrias,
por que não se dão o direito de trazer chinelas? Por que conservam uma certa
compostura de toilette – se têm desabotoado tanto a dignidade?
E
mais adiante, depois de uma página e meia de impiedosas ironias em cascata,
parece falar para leitores de outro continente, 153 anos mais tarde:
Temos
nós obrigação de respeitar a Câmara quando ela se não respeita? Ela vive nas
assuadas indecorosas – e há de exigir que nos curvemos como se ela vivesse nas
ideias elevadas?
Se
alguém espera humor a favor, terá que se munir de paciência e boa poltrona. Não
existe humor a favor, não existe humor pró!
Para
isso, o que existe é a ironia, mas cuidado, essa anda sobre o perigoso fio da
navalha da hipocrisia.
A
causa mortis do riso e da graça é bem simples: o humor político se inspira em
algo ou alguém que pode não gostar.
Por
isso, como toda forma de expressão do pensamento, precisa das garantias
constitucionais.
Para
que tenha vida social, impõe-se que o humor seja contido, apenas, pelos limites
de lei legislada em regime democrático, não da lei desejada por alguns
espíritos arrogantes e de convicções itinerantes.
(*) Arquiteto,
empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Membro da Academia Rio-Grandense de
Letras. Escreve, semanalmente, artigos para vários jornais do Rio Grande do
Sul, entre eles Zero Hora, além de escrever o seu próprio blog e em outros websites
de expressão nacional, a exemplo do Mídia Sem Máscara, Diário do Poder, Tribuna
da Internet. Sua coluna é reproduzida por mais de uma centena de jornais
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