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Morreu
neste domingo (18) o empresário Abilio Diniz, que criou um império com o Grupo
Pão de Açúcar (GPA), aos 87 anos. Um dos maiores líderes do mundo corporativo
brasileiro, Abilio estava internado no Hospital Israelita Albert Einstein, em
São Paulo, com quadro de pneumonia. As informações são da Folha de São Paulo.
O
empresário começou a passar mal durante viagem que fez a Aspen, no Colorado,
Estados Unidos, e precisou voltar ao Brasil às pressas em um avião adaptado com
uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
A
morte acontece um ano e meio depois de Abilio perder seu filho, João Paulo
Diniz, aos 58 anos, após um mal súbito. Na época, o empresário disse que a
perda foi o golpe mais duro que poderia receber. "Estou sem chão",
disse em uma publicação nas redes sociais. "A dor que sinto é inexplicável".
Abilio
Diniz construiu um império no varejo. Com o Pão de Açúcar, tornou-se um dos
homens mais ricos do país, personificando uma era de sucesso das empresas
familiares com influência em governos. Viu de perto crises em seu negócio,
enfrentou uma feroz disputa familiar e um sequestro.
A
desnacionalização do mercado, com a entrada de competidores estrangeiros,
acabou levando o conglomerado a ser engolido pela globalização. O Pão de Açúcar
foi comprado em 2005 pelo Grupo Casino, que atualmente está endividado e
pretende vender suas filiais sul-americanas: o GPA e o colombiano Éxito. No
caso deste último, o Casino já conseguiu vender todas as ações.
Após
a venda do Pão de Açúcar, Abilio foi para outro lado do balcão: a indústria de
alimentos. Não foram transições fáceis, mas eivadas de estridentes embates -com
parentes, sócios, governos, executivos.
Atualmente,
Abilio era vice-presidente do conselho de administração no Brasil da também
rede francesa de supermercados Carrefour, que recentemente apresentou uma
oferta para assumir uma rede de 7.000 unidades locais pertencentes ao Grupo
Casino, segundo o jornal de negócios francês Les Echos.
O
empresário também era presidente do conselho de administração da Península
Participações, a empresa de investimentos que pertence à sua família.
Obcecado
por exercícios físicos e pela alimentação saudável, Abilio nutria uma imagem de
juventude, força e resistência. Sua devoção aos esportes começou no tempo de
garoto, quando jogava peladas na rua Tutóia, zona Sul de São Paulo, onde o pai
tinha uma padaria. Depois, o negócio foi para a Liberdade e Abilio passou a
jogar na Várzea do Glicério. Baixinho e gordinho, era hostilizado pelos
colegas.
"Não
havia dia em que eu voltasse para a casa (...) sem ter sofrido algum tipo de humilhação",
contou o empresário em seu livro autobiográfico "Abilio Diniz, Caminhos e
Escolhas - o Equilíbrio para uma Vida Mais Feliz". Foi aí que o empresário
decidiu aprender judô, caratê, capoeira e musculação. "Passei a ser respeitado
na Várzea do Glicério", afirmou.
Goleiro,
passou a se interessar por outras modalidades: foi campeão de polo a cavalo,
tricampeão de motonáutica e vice-campeão universitário de levantamento de peso.
Por levantar barras tão pesadas quanto ele mesmo, sofreu uma lesão na coluna.
"Levantar peso é um esporte meio besta", avaliou depois.
Primeiro
dos seis filhos do imigrante português Valentim dos Santos Diniz (1913-2008),
Abilio nasceu em São Paulo em 28 de dezembro de 1936. Um pouco antes, em 1932,
surgira a ideia do autosserviço, do supermercado -nos Estados Unidos da grande
depressão, um comerciante resolveu acabar com o balcão para cortar custos e
baratear as mercadorias.
Abilio
se formou na segunda turma de administração da FGV (Fundação Getulio Vargas),
em 1959, no mesmo ano em que seu pai abriu a primeira loja do Pão de Açúcar.
Foi quando o primogênito entrou no mundo dos negócios: "Eu me entusiasmei
e resolvi ser especialista em comércio varejista", contou Diniz.
Fez
estágios em supermercados nos EUA e na França. Em 1963, foi inaugurada a
segunda loja em São Paulo e, dois anos depois, a empresa comprou mais três
unidades da rede SirvaSe, a pioneira em autosserviço no país. Em 1967, o grupo
já tinha 20 pontos de comércio; em 1969, 50. Em 1971, a empresa se tornava a
maior organização de vendas a varejo na América do Sul.
A
ascensão vertiginosa da companhia levou Abilio ao convívio com o poder. Em
1979, ele opinava positivamente sobre o ministério do general João Baptista
Figueiredo, o último governante da ditadura militar. Classificava Delfim Netto
como um "vaidoso" e palpitava sobre a hipótese de o Brasil ter Luiz
Inácio Lula da Silva no Ministério do Trabalho.
Amigo
de Mário Henrique Simonsen (1935-1997), Abilio foi levado ao CMN (Conselho
Monetário Nacional). Conforme a recessão se ampliava e o regime cambaleava, o
empresário foi se afastando do governo.
Em
1981, avaliou que parte dos empresários tinha se beneficiado do período do
"milagre econômico" no Brasil, mas enxergava uma "ruptura entre
o empresariado e a tecnoburocracia".
Para
ele, o "milagre econômico" tinha sido um período de acumulação que
não voltaria e que tinha beneficiado apenas alguns. "Quem é contra a
abertura é contra o capitalismo; regime fechado e capitalismo não
combinam", afirmou.
Apoiou
inicialmente Aureliano Chaves (1929-2003) na transição do regime, defendendo
que o então vice-presidente "ganharia eleições diretas pelo PDS contra
Leonel Brizola ou qualquer outro candidato, com exceção de Tancredo".
Crítico da política econômica, foi defenestrado do CMN e acabou apoiando
Tancredo Neves.
No
governo José Sarney, o Pão de Açúcar foi acusado de remarcar preços de forma
indevida e de sonegar o abastecimento de óleo de soja. Abilio negou as
irregularidades. Seu amigo e colaborador Luiz Carlos Bresser-Pereira chegou ao
Ministério da Fazenda.
No
dia 11 de dezembro de 1989, sua vida deu uma guinada. Dirigia seu Mercedes-Benz
branco de casa para o trabalho quando teve o caminho bloqueado. Uma falsa
ambulância o fechou pela frente; um opala branco bateu na traseira de seu
carro.
Havia
três anos que Abilio aprendera a atirar. Dois sequestros já tinham chocado o
meio empresarial: o de Antonio Beltrán Martinez, vice-presidente do Bradesco,
em novembro de 1986, e o do publicitário Luiz Salles, da Salles Interamericana,
em julho daquele ano.
"Equipei
meus carros com armas em posição estratégica de saque. Treinei o saque. Sou um
sujeito esportista, em excelentes condições de treinamento, condições físicas e
passei a andar o mais alerta possível", relatou. Previdente, fazia
trajetos diferentes para se deslocar.
Quando
percebeu que era vítima de um sequestro, sacou a arma e ficou em posição de
tiro. Mas foi dominado pelo grupo e levado a um sobrado na praça Hachiro
Miyazaki, no Jabaquara, na zona Sul de São Paulo. Passou 153 horas no
cativeiro.
Abilio
foi libertado pela polícia no dia da eleição presidencial. Não pôde votar em
Fernando Collor, como pretendia. "Eu não me superestimei. Eu subestimei o
adversário", disse. "Foram os piores momentos da minha vida, mas
passou", avaliou então.
Outros
momentos dramáticos estavam à espreita. Acostumado com o crescimento
impulsionado pela fórmula inflação alta e ganhos na ciranda financeira, o Pão
de Açúcar entrou em parafuso com o confisco de Collor e a recessão que se
seguiu.
O
grupo beirou a concordata e encolheu quase pela metade: demitiu 22 mil
funcionários, fechou 270 lojas e vendeu imóveis. Chegou a ser oferecido no
mercado internacional por US$ 400 milhões. Não conseguiu nem um lance de US$
200 milhões.
Os
resultados financeiros do grupo despencaram. Foi a deixa para que a
efervescente disputa familiar entre os seis filhos do patriarca Valentim viesse
a público. Sônia e Arnaldo entraram na Justiça contra ações do irmão Abilio no
comando da empresa. A matriarca Floripes também foi a tribunais.
"Nós
já formamos um clã cuja norma era lavar roupa suja em casa. Agora a roupa suja
é tanta que teríamos que usar uma lavanderia", declarou Sônia em abril de
1992. "Abilio fez investimentos desastrosos", afirmou Arnaldo em
janeiro de 1993.
"A
tarde da briga em que se selou o rompimento da família foi um dos meus piores
momentos. Havia trabalhado duro para construir o Pão de Açúcar. Não parei para
pensar na fragilidade de minha situação dentro da empresa. Quando os problemas
começaram, me vi completamente isolado", avaliou Abilio mais tarde.
Em
1994, um acordo de mudança acionária acabou enterrando a disputa. Os irmãos
Arnaldo, Sônia e Vera venderam suas participações no grupo para Abilio. Lucilia
ficou com uma parte da companhia; Alcides (morto em 2006, aos 63 anos) já havia
deixado o grupo.
Abilio
passou a ter o completo poder na empresa. Abriu o seu capital e saiu em busca
de um sócio estrangeiro. Em 1999, o Casino adquiriu participação relevante de
25% do total do capital do Pão de Açúcar. Os negócios se recuperaram.
Uma
década depois, em 2004, o empresário lançou seu livro, com um balanço de sua
trajetória. Na sua análise, o sequestro, a disputa familiar e a profunda crise
de sua companhia provocaram mudanças na sua perspectiva de vida: "já não
era mais o homem agressivo, arrogante e prepotente que fora no passado",
escreveu.
No
ano seguinte, precisando de injeção de capital para enfrentar dívidas, Abilio
vendeu o controle acionário do grupo para o Casino. O Pão de Açúcar, com
aquisições e enfrentando a concorrência de Carrefour e Walmart, era então a
maior rede de varejo do país.
"Não
sou falso modesto. Conheço o varejo em qualquer parte do mundo. O que eles
[Casino] estão comprando é o meu passe", analisou naquele momento.
Era
o início do fim do controle familiar e brasileiro da companhia, que resistira à
primeira onda de globalização --que derrubara ícones empresariais como Metal
Leve e Cofap e atingira o sonho de uma geração de pobres imigrantes
empreendedores que construíram impérios, como o seu pai, Valentim.
Ainda
à frente do Pão de Açúcar, Abilio adquiriu, em 2009, a Casas Bahia e o Ponto
Frio. Em dez anos, o grupo efetuara 11 aquisições e quintuplicara o número de
lojas de sua rede. A fortuna pessoal do empresário chegara a US$ 1,5 bilhão
naquela época.
A
empresa estava no auge. Ele havia mudado de estilo: abandonara os modernos
ternos pretos e azuis e trocara por roupas mais descontraídas. Tinha se casado
pela segunda vez, em 2004, com a economista Geyse, 35 anos mais jovem,
ex-diretora de planejamento do Pão de Açúcar.
Com
ela teve dois filhos: Rafaela e Miguel. Do seu primeiro casamento, com
Auriluci, sua namorada da adolescência, tivera quatro: Ana Maria, Pedro Paulo,
João Paulo (que faleceu em 2022) e Adriana. Adultos, eles já não mantinham
ligações com a empresa, e Abilio se debatia com os profissionais que contratara
para tocar a empresa. Delegar o poder não era o seu forte; avaliava que tinha
errado em profissionalizar a gestão.
Pela
frente, havia a sombra do acerto com o sócio francês, quando o comando da
empresa foi transferido totalmente para o Casino em 2012. Num lance arrojado,
para tentar brecar o avanço desse processo, Abilio buscou negociar a compra da
operação brasileira do Carrefour, com a ajuda do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social) -que acabou desistindo da operação.
Na
época, o movimento provocou a ira dos franceses, rivais do Carrefour, que
acusaram Abilio de tentar promover um "golpe de Estado corporativo".
A tentativa de manter o controle do Pão de Açúcar naufragou e a relação com os franceses
degringolou.
Abilio
perdeu. Em 2012, conforme o acerto feito em 2005, teve que sair do Pão de
Açúcar, cuja história, até então, estava totalmente ligada à sua trajetória.
Avaliando depois seu embate com o Casino, disse que tinha sido negligente e
ingênuo. Sem querer sair da cena empresarial (e com dinheiro no bolso), foi
para a presidência do conselho de administração da BRF, de 2013 a 2018.
Como
Pelé, falava de si mesmo na terceira pessoa. Torcedor roxo do São Paulo, seu
humor azedava sempre que o time perdia, comentavam seus auxiliares. Gostava de
assistir a partidas com até sete TVs ligadas, para não perder nenhum lance.
Sua
devoção aos esportes continuava. Mantinha uma rígida rotina de exercícios.
Chegou a ter um índice de gordura corporal entre 7,5% e 8,5%. Mesmo quando
viajava para passar o réveillon numa ilha em Angra dos Reis, enviava para lá um
caminhão com todos os seus equipamentos de ginástica. "Se não faço
esporte, não me sinto bem", disse uma vez.
Adepto
da terapia junguiana, Abilio dizia que as pessoas não deviam pensar na morte.
"Tem que acreditar que é eterno, pronto para o que aparecer na vida",
declarou em 2009.
Depois da traumática saída do Pão de Açúcar e da ida para a BRF, fez este balanço de si mesmo: "As pessoas falam que ninguém é insubstituível. Mas quem substituiu Beethoven? Ninguém. Existiram outros tão bons ou melhores do que ele. Mas o Abilio é o Abilio. Tenho que me concentrar em que agrego valor".
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