(*) Thomas Milz
Arthur Lira, o todo-poderoso chefão da Câmara dos
Deputados, teve um Carnaval mais do que especial. No Sambódromo do Rio de
Janeiro, ele desfilou pela Beija-Flor, que homenageou a cidade de Maceió, parte
do "reino de Lira”. Para isso, o prefeito maceioense, João Henrique Caldas,
conhecido como JHC, um amigo político de Lira, mandou 8 milhões de reais para a
escola de samba carioca. Parte dessa grana, segundo o prefeito (conforme
comunicado da prefeitura), viria de emendas parlamentares.
As
emendas parlamentares são recursos aplicados conforme a vontade de cada
parlamentar, privilegiando suas bases eleitorais. E tais emendas fazem a festa
no "reino de Lira”. Para o atual ano de 2024, o Congresso aprovou o valor
recorde de 53 bilhões de reais em emendas parlamentares, um grande aumento
sobre os já bem gordos 37,3 bilhões de reais do ano passado. O aumento do valor
reflete o poder cada vez maior do Congresso sobre o orçamento. Em nenhum outro
país do mundo, os parlamentares conseguem interferir tanto no orçamento como
aqui no Brasil.
As
emendas se fortaleceram em 2015, quando a fraqueza do governo Dilma acordou a
fome dos congressistas. Desde então, tal fome dos parlamentares só aumentou.
Eles sabem que o presidente Lula precisa da cooperação do Congresso para
conseguir realizar suas políticas – fato inerente do presidencialismo
brasileiro. O que culminou no mensalão do governo Lula (2005) uma mesada paga a
deputados para votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo.
Hoje, o governo procura garantir os votos de forma mais institucionalizada e
legalizada.
Mas
o problema, no fundo, continua o mesmo. Tanto o presidente quanto os parlamentares
foram eleitos de forma direta pelo povo. A ideia era aplicar o sistema de
freios e contrapesos, quer dizer: em uma divisão dos poderes, um poder
fiscaliza o outro. Mas, na realidade, deixa o sistema vulnerável a bloqueios,
que só se resolvem através de barganhas. Pois o partido do presidente não tem
maioria no Congresso.
Vemos
um cenário semelhante atualmente na Argentina, onde o novo presidente Javier
Milei não tem uma maioria para transformar suas ideias libertárias em leis.
Partiu, portanto, para a fase 2, que é o xingamento dos parlamentares como
"traidores da pátria". E ameaça governar por plebiscitos. Só que eles
não são vinculativos quando a iniciativa vem do presidente e não do Congresso.
Assim, Milei pode logo virar um lame duck, ou seja, carta fora do baralho
da política argentina.
Impasse
semelhante se vê nos Estados Unidos, onde partes do Partido Republicano no
Congresso bloqueiam os pacotes de ajuda financeira do governo de Joe Biden à
Ucrania, Israel, Palestina e Taiwan. Resta ao presidente Biden apenas fazer
apelos. Brasil, Argentina e Estados Unidos – três exemplos que mostram como o
presidencialismo dificulta a capacidade do Executivo de botar em prática suas
políticas.
Diferente
do parlamentarismo, em que a maioria do Parlamento elege o chefe do Executivo.
Para manter o governo vivo, a maioria parlamentar precisa prevalecer. Pois
quando ela se perde, o governo cai. Assim, garante-se que o governo tenha a
maioria necessária para tocar o barco da governabilidade.
Sei
que a ideia de trocar o presidencialismo pelo parlamentarismo é um tema antigo
no Brasil, discutido e votado há trinta anos, quando uma maioria optou pelo
presidencialismo. Escuto muitas vezes que o parlamentarismo não funcionaria no
Brasil, devido à má qualidade dos partidos, que, muitas vezes, não têm
ideologia, mas seguem os lemas do fisiologismo. Quero dizer: as trocas de
favores em detrimento do bem comum.
Se isso é verdade, me parece mais um argumento para o parlamentarismo. Pois só a disciplina exigida para manter a base governamental neste sistema pode enfraquecer o fisiologismo – que, no sistema do presidencialismo, corre solto. Ou, melhor dizendo: nestes tempos de Carnaval, samba solto na cara dos brasileiros.
(*) Thomas
Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o
país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da
América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para
veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É
pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São
Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
Fonte: artigo publicado, originalmente, pelo DW
Brasil
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