Nos
últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) prestou inestimáveis serviços:
da punição aos corruptos do mensalão à preservação das prerrogativas dos
Estados na pandemia e a defesa do processo eleitoral, além da responsabilização
dos executores e artífices do atentado do 8 de Janeiro. Em momentos críticos, o
STF teve papel crucial na defesa da soberania do povo, encarnada nas
instituições republicanas. E, no entanto, o sentimento desse mesmo povo em
relação à mais alta instância judicial do País é de desconfiança.
Segundo
pesquisa AtlasIntel, mais da metade dos brasileiros diz não confiar no STF.
Entre 51% e 56% dos entrevistados consideram “péssima” a atuação dos ministros
em questões capitais, como a defesa da democracia, o respeito ao Legislativo,
reformas para melhorar o Judiciário, correção de abusos de instâncias
inferiores, profissionalismo e competência dos ministros, defesa dos direitos
individuais, imparcialidade entre rivais políticos e combate à corrupção. A
trajetória é de deterioração. Em um ano, os que confiam no STF caíram de 45%
para 42%, e os que não confiam cresceram de 44% para 51%.
Justificado
ou não, esse descrédito é ruim. O bom funcionamento do Estado Democrático de
Direito depende de um Judiciário que seja não só autônomo e independente, mas
também respeitado. A percepção ideal da Justiça é de um quadro de servidores
qualificados, que julgam conflitos sobre os quais não têm parte, aplicando leis
que não criaram. Mas o sentimento predominante sobre o STF é o oposto: de uma
Corte incompetente, instável, politizada, conivente com a corrupção e até
autoritária.
Uma
das razões estruturais e exógenas para essa desconfiança é uma
disfuncionalidade constitutiva. Constituições deveriam ser abstratas e
sucintas, consagrando direitos fundamentais e princípios basilares para o
funcionamento do Estado, e deixando o resto às composições políticas. Mas os
constituintes pecaram por excesso, confeccionaram uma Carta abrangente e
pormenorizada e atribuíram à Corte constitucional competências excessivamente
amplas, inclusive sobre matérias penais e administrativas. Obrigado a arbitrar
sobre controvérsias que em outras partes do mundo são deixadas a outras
instâncias judiciais ou, sobretudo, à política, o STF é sobrecarregado e
tragado por paixões partidárias.
Essa
disfuncionalidade incentiva o oportunismo político. As esquerdas, com frequência
minoritárias nas Casas Legislativas, recorrentemente tentam reverter na Corte
políticas que perderam no voto. Populistas à direita, insatisfeitos com
prerrogativas das minorias, elegem a Corte como o “inimigo público número um”
quando esta não se dobra à “vontade do povo” – nome que eles dão ao alarido dos
reacionários.
Nada
disso exime os ministros de fazer um exame de consciência. A maior causa da
deterioração da autoridade do STF não é a sua atuação em defesa da democracia
ou da Constituição, mas os abusos cometidos a pretexto dessa defesa: invasões
de competências legislativas, protagonismo midiático, atropelamento do processo
legal, relações promíscuas com os poderosos de turno.
Um
exemplo cristalino são as arbitrariedades nos inquéritos conduzidos por
Alexandre de Moraes contra atos antidemocráticos, as chamadas “milícias
digitais” e as fake news. Outro são as revisões monocráticas de Dias
Toffoli de acordos fechados no âmbito da Operação Lava Jato. É fato que, em
nome do combate à corrupção, a Lava Jato se permitiu toda sorte de abusos, mas,
ao invés de corrigi-los, Toffoli, com a conivência de seus pares, incorre nos
mesmos abusos, com o sinal trocado. De instância saneadora do lavajatismo, o
STF se converteu em antilavajatista, instaurando um neolavajatismo. É o mesmo
voluntarismo messiânico. Só que dessa vez a população está escolada: segundo a
AtlasIntel, nada menos que 80% discordam da suspensão das multas impostas aos
criminosos confessos.
De
guardiães do Estado de Direito, alguns ministros se autoatribuíram a missão de
vigilantes da política. Mas a população começa a se perguntar quem, afinal,
vigia os vigilantes. Outros se mostram impacientes com a ordem jurídica e, ao
invés de serem seus operadores, querem ser seus reformadores para curar
“injustiças sociais”. Mas a população parece esperar deles algo mais modesto:
que apenas cumpram a lei e respeitem o Estado Democrático de Direito.
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