Lula quer um BC para chamar de seu


O presidente Lula da Silva emite péssimos sinais ao País ao subir o tom de suas críticas pessoais ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. A cada estocada que dá em Campos Neto, sobretudo nos termos em que manifesta sua irritação com a condução da política monetária, Lula demonstra que não lida bem, para dizer o mínimo, com a ideia de um BC autônomo para cumprir sua missão de trazer a inflação para os limites definidos pelo próprio governo e, desse modo, preservar o valor da moeda.


Após cumprir agenda oficial na Inglaterra, no sábado passado, Lula se insurgiu contra a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano. Novamente se referindo a Campos como “esse cidadão”, Lula questionou se o presidente do Banco Central “está louco” e o acusou de ter “compromisso” com o governo anterior, e não “com o Brasil”. Se é com leviandades desse gabarito que Lula pretende baixar a taxa Selic, que o País afivele os cintos.


É direito de Lula discordar da política monetária. Dada a conjuntura econômica, circulam bons argumentos tanto para defender a manutenção da Selic no atual patamar como para defender que o Copom já poderia ter iniciado um ciclo de queda gradual da taxa básica de juros. É um debate legítimo. O que não é legítimo é o presidente da República tratar Campos Neto de forma desairosa, como se ele fosse um infiltrado bolsonarista na atual administração, e atacar a autonomia constitucional do BC. Pois é disso que se trata quando Lula reclama da suposta “falta de compromisso” de Campos Neto com ele, pessoalmente.


Embora tenha afirmado em Londres que “um homem sozinho não pode saber mais do que 215 milhões”, Lula sabe muito bem que o Copom é um órgão colegiado e, portanto, a decisão de manter a taxa Selic em 13,75% ao ano não foi uma escolha pessoal nem isolada de Campos Neto. Então, o que Lula pretende com essa mentira? Jogar metade do País contra Campos Neto? Fazer dele um espantalho para ocultar o verdadeiro problema que dificulta a redução imediata dos juros, a falta de compromisso do governo com uma política fiscal crível?


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, estão praticamente sozinhos na defesa pública do novo arcabouço fiscal. Lula não faz esforço para apoiar seus ministros e, assim, tentar conter a oposição que até as cabeças mais coroadas do atraso petista fazem à proposta de política fiscal formulada por seu governo.


A maneira irresponsável como Lula critica o presidente do BC – como se a ele, do alto do cargo que ocupa, fosse dado tratar de tema tão relevante como se estivesse em uma mesa de bar – fragiliza a dimensão técnica das decisões do Copom e, ao fim e ao cabo, compromete sua credibilidade. Evidentemente, decisões do Copom sempre têm uma dimensão política, mas esta nunca deve prevalecer sobre as decisões técnicas.


Não se pode desconsiderar, por fim, que as desabridas críticas de Lula ao presidente do BC vêm no contexto da sucessão de Campos Neto, cujo mandato vai até 31 de dezembro de 2024. Haddad acaba de indicar para a Diretoria de Política Monetária do BC o atual secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, economista adepto da heterodoxa “Nova Teoria Monetária” – ideia segundo a qual, resumidamente, governos que emitem sua própria moeda jamais serão insolventes, pois podem emitir papel para quitar suas dívidas. Ou, em outras palavras, a síntese feita pela ex-presidente Dilma Rousseff: “Gasto é vida”.


Ao que tudo indica, o governo quer ver Galípolo à frente do BC a partir de janeiro de 2025. Ou seja, na condução da política monetária, Lula dá sinais evidentes de que quer alguém fiel a ele. Mais: alguém que lhe dê conforto nos dois últimos anos de mandato para gastar como se não houvesse amanhã. Só há um problema: o amanhã sempre chega, como mostrou o desastroso alinhamento incondicional do BC aos desmandos de Dilma em um passado tão recente que ainda cobra o seu preço.


Fonte: Estadão

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