Por: Luciana Moherdaui
O
governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) encaminhou minuta com sugestões para o
projeto de lei das Fake News ao relator do texto na Câmara dos Deputados, Orlando
Silva (PC do B- SP). A jornalista, pesquisadora e articulista do Poder360 Luciana
Moherdaui usou seu perfil no Twitter para criticar o texto, dizendo
que é “muito amplo” e “leve” com políticos.
O
documento, dividido em 18 capítulos, propõe que as plataformas digitais e redes
sociais criem uma entidade de autorregulação com poder para suspender contas
de usuários. Leia a íntegra (258 KB).
“Proposta
do governo para fake news não vai ser um passeio. Escopo muito amplo e cópia
ruim da definição europeia de plataformas. E continua aliviando para políticos,
mesmo sugerindo suspensão”, escreveu Moherdaui.
As
recomendações foram enviadas em 30 de março. Ao Poder360, Orlando Silva
afirmou que ainda não teve tempo para analisar as sugestões. O PL das Fake News está em tramitação na Câmara desde
julho de 2020.
Para
a especialista, o documento é vago, tem regras muito específicas e interfere em
temas como os algoritmos das empresas de tecnologia e redes sociais. Além
disso, ela declara que o governo parece querer vigiar em vez de dar transparência.
“Proposta
do governo para fake news cita 15 vezes o termo desinformar, sem defini-lo:
desinformar não é só postar notícia falsa (Minidicionário Houaiss, p. 237). Lá
pelas tantas, no artigo 31, surge ‘desinformação política'”, afirmou.
Outro
ponto criticado por Moherdaui é a proibição de políticos bloquearem seus
seguidores. Segundo ela, as contas nas redes sociais não são extensões do
mandato.
“Difícil
compreender o que o governo quer com a proibição de político de bloquear
seguidores. As contas de redes sociais não são uma extensão do mandato. Também
é difícil entender por que o interesse manifestado em quase todo o texto de
saber o público-alvo de publicidade do Estado”, escreveu.
A
pesquisadora também apontou alguns aspectos que considerou positivos da
proposta. Entre estes, estão a iniciativa de se debater o tema por parte do
governo, o prazo para retirada de conteúdo ilegal de até 24h e a definição do
que são contas automatizadas não identificadas.
Procurado
pela reportagem, o secretário de políticas digitais da Secom (Secretaria de
Comunicação Social da Presidência da República) e responsável pelo texto, João
Brant, disse que a intenção do Planalto foi ser mais específico que as
legislações europeias.
Sobre
as críticas, Brant diz que são questões de ajustes no texto. Segundo ele, no
caso dos políticos, por exemplo, a ideia foi manter a proteção da imunidade
parlamentar, mas permitir que fossem punidos em alguns casos.
“Nós
estamos tentando trabalhar muito mais nas causas do que nas consequências. Nós,
de fato, aprofundamos as obrigações de transparência”, declarou ao Poder360.
Ponto
a ponto
Leia
abaixo os principais pontos da proposta do governo. Os termos entre aspas para
os quais não há definição clara foram tirados diretamente do projeto:
Termos
e políticas
Define
o mínimo que deve constar nos termos e políticas de empresas que hospedam
conteúdo de terceiros;
Publicidade
e conteúdo impulsionado
Proíbe
publicidade de coisas e atos ilegais e incitação ao ódio;
proíbe
publicidade de peças que neguem fatos históricos “violentos bem documentados”,
contra a ordem democrática, com indícios de crimes contra o Estado Democrático
e com indícios de terrorismo;
identificação
clara e em tempo real do que é publicidade ou conteúdo impulsionado;
as
empresas terão que pedir e manter em sigilo documento de identificação de quem
quiser anunciar;
proíbe
toda forma de publicidade direcionada a crianças e adolescentes;
proíbe
a coleta de dados de crianças e adolescentes para fins publicitários e
comerciais.
Publicidade
política
Deverá
haver um repositório público com todos os anúncios impulsionados com
informações sobre o valor gasto pelo candidato, partido ou coligação;
identificação dos anunciantes e do responsável na empresa que veiculou;
tempo
de veiculação;
identificação
se é propaganda eleitoral;
características
gerais da audiência contratada;
endereço
eletrônico dos anúncios eleitorais exibidos.
Proteção
à liberdade de expressão
Quando
houver sanção e moderação do conteúdo, as empresas devem notificar o usuário
detalhadamente o que houve;
dar
acesso a um canal de “fácil acesso” para que o usuário possa recorrer da
decisão;
responder
“de modo fundamentado e objetivo” aos pedidos de revisão de sanção;
Publicidade
da sanção
As
empresas de conteúdo de terceiros deverão informar publicamente a ação de
moderação;
manter
pública a ação judicial que motivou a moderação ou sanção no conteúdo ou conta
em questão;
Plataformas
de grande porte (+ de 10 milhões de usuários)
Implementar
mecanismos de transparência ativa como informar aos usuários o funcionamento da
plataforma, publicar relatórios de transparência, explicar decisões automáticas
e assegurar defesa em caso de moderação de conteúdo;
as
plataformas terão “dever de cuidado” com o conteúdo publicado por seus
usuários;
devem
atuar em “prazo hábil e suficiente” para mitigar publicações que configurem ou
incitem uma lista de crimes que vai de violência de gênero a terrorismo;
as
empresas podem ser responsabilizadas civilmente pelos possíveis danos causados
pelos crimes que ela deveria cuidar para não serem praticados ou incitados;
a empresa
pode fazer investigações internas para prevenir esses conteúdos desde que seja
“de boa fé e de forma diligente, proporcional e não discriminatória”;
“Denúncia”
de conteúdo
As
plataformas deverão criar mecanismos que permitam aos usuários apontarem de
serviços e conteúdos potencialmente ilegais;
essas
reclamações deverão ter uma “explicação fundamentada” e os dados de quem
apresentou a queixa;
as
plataformas deverão aviar ao reclamante qual foi a decisão a respeito da
queixa;
Crianças
e adolescentes
As
plataformas deverão ter como parâmetro “o melhor interesse da criança” e adotar
medidas “adequadas e proporcionais” para que se tenha “um nível elevado de
privacidade, proteção de dados e segurança”;
as
plataformas devem ter mecanismos ativos para impedir o acesso de menores de
idade a conteúdo que “não estiverem adequados a atender às necessidades deste
público”;
Políticos
eleitos
As
plataformas de grande porte só poderão bloquear ou excluir contas de
autoridades e políticos eleitos por ordem judicial;
no
máximo, poderão suspender a conta por 7 dias em casos recorrentes de
descumprimentos da política de uso;
contas
profissionais de políticos eleitos, militares e integrantes do Ministério
Público não poderão receber monetização de publicidade;
relatório
de transparência
As
empresas terão que produzir relatórios semestrais e colocá-los em sites abertos
em até 60 dias;
nesses
documentos haverá de constar informações como “mudanças significativas” nos
algoritmos, descrição dos algoritmos e “descrição qualificada” do que tem sido
feito para acabar com atividades criminosas na plataforma;
informações
sobre mudanças nos critérios de organização e priorização de conteúdos
jornalisticos;
terão
de fornecer os dados consolidados de moderação e de audiência, por exemplo;
relatório
detalhado para usuários das publicidades que foram exibidas a ele nos últimos 6
meses pela plataforma.
Contas
automatizadas
Plataformas
deverão proibir as contas automáticas que não sejam identificadas;
fornecer
meios para que que o usuário identifique se usa uma conta automatizada;
plataformas
de vídeos devem ter mecanismos para identificar contas automatizadas usadas
para falsear audiência e ranqueamento de conteúdos;
Recomendação
de conteúdo
As
plataformas precisarão ter públicos os parâmetros usados por seus algoritmos de
recomendação de conteúdo;
descrição
geral dos algoritmos;
deverão
permitir que os usuários rejeitem participar de enquadramentos para
microsegmentação de conteúdo;
Da
análise de risco
As
empresas precisarão identificar, analisar e avaliar os riscos da atuação destas
no país anualmente;
deverão
adotar “medidas de atenuação razoáveis, proporcionais e eficazes” sobre os
riscos identificados;
deverão, periodicamente, ter auditoria externa para verificar se a empresa está cumprindo a nova lei;
Serviços
de mensagem instantânea
Ordem
judicial poderá determinar que essas empresas identifiquem a 1ª conta que
disseminou o conteúdo ilegal;
listas
de transmissão só poderão ser encaminhadas ou recebidas por pessoas que
estiverem nas listas de contatos do remetente e destinatário;
criar
mecanismo para consentimento prévio para a inclusão em grupos;
ÓRGÃO
AUTÔNOMO
Na
proposta do governo, seria instituída uma entidade autônoma para fiscalizar,
com regulamentação própria, se as plataformas estão cumprindo as diretrizes da
lei. Caberá ainda à entidade abrir processo administrativos e, em caso de
descumprimento das regras, aplicar sanções às empresas.
As
plataformas poderão pagar uma taxa anual de fiscalização, que será proporcional
o número médio mensal de usuários ativos e de receita da empresa. Os
valores arrecadados serão destinados ao orçamento do órgão autônomo.
PENALIDADES
O
texto do governo recomenda que, em caso de infrações às regras, as plataformas
terão de ser responsabilizadas pela entidade autônoma de fiscalização. As
sanções podem ser:
Advertência,
com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
multa
diária;
multa
simples de até 10% do faturamento da empresa no Brasil no último exercício ou
de R$ 10,00 a R$ 1.000 por usuário cadastrado, limitada ao valor de R$ 50
milhões por infração.
POLÍTICOS
O
texto proíbe que contas institucionais, de ministros de Estado e políticos
eleitos, durante o exercício de seus mandatos, impeçam que outros usuários
visualizem seus conteúdos.
Em
2022, o levantamento da Abraji (Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo) apontou que o ex-presidente Jair
Bolsonaro(PL) já tinha bloqueado 82 jornalistas no Twitter. Na época, o
político liderava o ranking de autoridades que mais restringiam o acesso de
profissionais de mídia a seus perfis. Com a proposta do atual governo, a ação
seria proibida.
A
proposta também veta a monetização com publicidade das contas de políticos
eleitos, magistrados, integrantes do Ministério Público, das Forças Armadas,
militares dos Estados.
CÓDIGO
DE CONDUTA
Em
caso de aprovação do projeto com as sugestões do governo, o Congresso Nacional
deverá, em até 45 dias depois da sanção do lei, instituir uma comissão
provisória para elaborar o Código de Conduta de Enfrentamento à
Desinformação com algumas especificações:
Ações
para impedir a disseminação de desinformação;
assegurar
a desmonetização de conteúdo com desinformação;
regras
para impedir conteúdo publicitário desinformação;
ações
para identificar responsáveis pelas estratégias de desinformação;
canais
entre plataformas para elaboração de políticas e soluções contra a
desinformação;
ferramentas
para que os usuários apontem conteúdo com desinformação;
O
combate às fake news tem sido um assunto recorrente para o governo Lula. Nas
primeiras semanas de gestão, o advogado-geral da União, Jorge Rodrigo Araújo
Messias, anunciou a criação da Procuradoria Nacional da União de Defesa da
Democracia, que teria entre suas funções o “enfrentamento à desinformação
sobre políticas públicas”.
Já
o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, elaborou e apresentou ao presidente Lula o “pacote da
democracia” com uma série de medidas para combater a organização de ataques
como os do 8 de Janeiro, quando os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso
Nacional e do Supremo Tribunal Federal foram invadidos e depredados por
extremistas.
Na ocasião, Dino também afirmou que os ataques haviam sido organizados por meio de redes sociais. “É preciso uma regulação democrática da internet como houve na eleição”, declarou
Fonte: Artigo publicado originalmente no Poder 360
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