Taxas
de juros podem ser revisadas em situações excepcionais, contanto que haja
relação de consumo, e que fique demonstrado, sem espaço para dúvidas, que as
taxas originais são abusivas, capazes de colocar o consumidor em desvantagem
exagerada.
Com
base nesse entendimento, a 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo condenou uma instituição financeira pela cobrança de juros
remuneratórios abusivos. O colegiado ainda determinou o recálculo de
uma dívida, substituindo a taxa contratada pela média de mercado
divulgada pelo Banco Central.
O
caso envolve um contrato de empréstimo pessoal, assinado em 2014, no valor
de R$ 1.749,80, a ser resgatado em quatro parcelas fixas e consecutivas de
R$ 791,14. Ao Judiciário, a cliente pediu o reconhecimento da ilicitude
das taxas de juros exigidas no contrato, de 987,22% ao
ano, muito superiores à média de mercado.
Em
primeira instância, o processo foi extinto, sem julgamento de mérito, ante o
reconhecimento da prática de advocacia predatória. O juízo condenou a autora e
seu advogado, solidariamente, ao pagamento das custas, despesas
processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 3 mil, multa por litigância
de má-fé de R$ 5 mil, sem gratuidade judiciária, além de indenização por
danos morais presumidos de R$ 20 mil.
Por
unanimidade, o TJ-SP acolheu parte do recurso da cliente e reformou a sentença.
O relator, desembargador Alexandre David Malfatti, não verificou uso
abusivo do Poder Judiciário por parte do advogado da autora,
nem irregularidade na procuração outorgada. Ele destacou que a
petição inicial foi individualizada e instruída com documentos, além da
realização de audiência de conciliação.
"Ficam afastadas
as condenações da parte e do advogado por litigância de má-fé e por indenização
dos danos morais. Como salientado anteriormente, não se verificou abuso do
direito de ação. E também não se identificou fundamento adequado para
condenação do advogado nas sanções pela litigância de má-fé e por danos morais.
Aliás, para reparação dos danos morais exigia-se inclusive ação própria para
discutir a suposta conduta ilícita do advogado", afirmou.
Assim,
Malfatti afastou a extinção do feito e o julgou parcialmente procedente. Em
relação aos juros remuneratórios previstos no contrato, o magistrado observou
que a informação clara e precisa é princípio basilar nas
relações de consumo (artigo 4°, inciso IV, do CDC) e direito fundamental
do consumidor (artigo 6°, inciso III, do CDC).
"Para
que o consumidor se vincule às obrigações previstas no contrato não basta que
ele tenha conhecimento prévio do conteúdo do contrato mas, sobretudo, que ele
compreenda perfeitamente o sentido e o alcance de suas cláusulas, caso
contrário, o contrato será inexistente (plano da existência) ou a cláusula será
considerada nula (plano da validade)."
Conforme
o relator, o fornecedor de serviços de crédito e financiamento deve
informar prévia e adequadamente o consumidor sobre o preço do produto ou
serviço em moeda corrente nacional, o montante dos juros de mora e da taxa
efetiva anual de juros, os acréscimos legalmente previstos, o número
e a periodicidade das prestações, e a soma total a pagar, com e sem
financiamento.
"Assim,
caso porventura incidam encargos financeiros sobre o saldo devedor sem que
exista expressa previsão contratual ou constem no instrumento de forma
mascarada, disfarçada e dúbia, impossibilitando que o consumidor tenha
conhecimento e compreensão clara, precisa e adequada, tem-se que tais encargos
não o vinculam, ou seja, são havidos como não pactuados, nos termos do
artigo 46, caput, do CDC", disse.
No
caso em análise, segundo Malfatti, a cliente indicou na inicial as taxas
de juros disponíveis no site do Banco Central, na modalidade crédito pessoal
não consignado, hipótese dos autos, destacando, ao final, que a média de
juros praticada no mercado naquele período e para aquela mesma modalidade de
contrato foi de 103,58% ao ano.
O
desembargador disse que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já
considerou abusivas taxas de juros superiores a uma vez e meia, ao dobro ou ao
triplo da média praticada pelo mercado no período da contratação. Assim, ele
ordenou que os juros contratados no caso dos autos sejam substituídos pela taxa
média de mercado.
"Levando-se
em consideração os critérios supramencionados, inarredável a conclusão de que
os juros praticados pela apelada, de 987,22% ano, são abusivos, uma vez que
equivalentes a aproximadamente quase o nônuplo da média de mercado em relação à
taxa anual, em contratos da espécie e para o mesmo período de contratação",
explicou.
Devolução
de valores pagos a mais e dano moral
Conforme a decisão, a restituição de eventuais valores pagos a mais pela autora
deverá ser feita de forma simples, pois o magistrado considerou
configurada a hipótese de engano justificável.
"As questões
concernentes à limitação dos juros remuneratórios, capitalização mensal dos
juros, comissão de permanência e tarifas bancárias sempre foram alvo de
acirrada discussão judicial, não havendo unanimidade acerca da matéria",
disse Malfatti.
Por
fim, o desembargador também negou a condenação da instituição financeira ao
pagamento de indenização por danos morais, por não ter identificado violação
aos direitos da personalidade da cliente.
"Até
o reconhecimento judicial da abusividade da taxa de juros, a apelada
esteve escudada na crença de que seu comportamento de que a cobrança dos juros
regularmente pactuados decorreu do próprio fato de existir previsão contratual,
o que configura engano justificável, afastando, assim, o dolo ou a má-fé da
cobrança", finalizou. As informações são da Revista consultor Jurídico
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Processo 1007042-69.2021.8.26.0189
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