Sob a presidência de Alexandre de Moraes, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) adotou postura semelhante ao que já vinha sendo observado em inquéritos conduzidos pelo ministro no STF (Supremo Tribunal Federal). As informações são Renata Galf da FolhaPress
Próximo
ao segundo turno, uma nova resolução foi aprovada pela corte eleitoral,
permitindo atuação proativa contra desinformação. Com base nela, diversas
figuras públicas tiveram suas contas em redes sociais suspensas. Parte dos
alvos acusa o Judiciário de censura.
Segundo
análise de especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, há uma lacuna
legislativa sobre o tema. Isso porque hoje não existem limites e critérios
legais dando diretrizes -como gravidade da infração ou prazo de imposição da medida-
para que se bloqueie por completo um perfil ou conta em rede social.
Não
há consenso sobre o que seria possível fazer com as regras já existentes. De
modo geral, há um entendimento de que há casos em que a medida pode ser tomada,
desde que haja uma fundamentação adequada.
Para
Paulo Rená, que é codiretor do Aqualtune Lab (ONG integrante da Coalizão
Direitos na Rede), atualmente a única previsão legal que avaliza este tipo de
medida é a recém-aprovada resolução do TSE.
Ele
considera, porém, que a regra carece de critérios mais específicos, como de
análise da gravidade da conduta. "Confiou-se na autocontenção dos
julgamentos", diz ele.
A
quantidade de determinações às redes sociais com base na nova resolução teve um
aumento expressivo após o segundo turno, em meio ao alastramento de
manifestações antidemocráticas pelo país que questionam o resultado eleitoral.
Não é possível, contudo, analisar se a fundamentação é adequada, já que as
decisões têm sido mantidas sob sigilo.
A
atuação proativa do tribunal ocorre em meio à omissão do Ministério Público
Eleitoral. Entre os alvos da corte estão políticos do campo bolsonarista, como
a deputada federal Carla Zambelli (PL-DF), além de deputados eleitos como
Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO).
Marcelo
Weick, advogado eleitoral e professor da UFPB (Universidade Federal da
Paraíba), defende que uma regulação mais clara é importante tanto no sentido de
definir responsabilidades das plataformas --por exemplo, quando caberia uma
suspensão de perfil- quanto para dar parâmetros para o Judiciário decidir, em
especial para eleições municipais, quando há muito mais juízes atuando.
Hoje
cada rede social estabelece suas próprias regras de moderação de contas e
conteúdo. Elas só podem ser responsabilizadas caso deixem de remover conteúdo
depois de determinação judicial. Após a invasão do Capitólio nos EUA, muitas
delas atualizaram suas regras ao lidar com o bloqueio do perfil do até então
presidente Donald Trump.
Enquanto
no TSE as suspensões tiveram a resolução como base, no STF elas têm sido
determinadas por meio de medidas cautelares em inquéritos criminais que correm
na corte.
Desde
2020, no inquérito das fake news, já foram vários os bloqueios do tipo, como do
blogueiro Allan dos Santos, atualmente foragido nos Estados Unidos e que tem
criado seguidas contas para driblar as restrições.
Entre
os casos recentes estão os bloqueios do economista Marcos Cintra (União
Brasil-SP) no Twitter e das contas do PCO (Partido da Causa Operária) em
diversas plataformas.
"Eu
acho que a censura prévia não é um bom critério para avaliar essas
decisões", afirma o professor associado do Insper Ivar Hartmann, entre
outros motivos porque ele diz haver muita discordância sobre o que configura ou
não censura.
Para
ele, há outros itens que devem ser considerados para avaliar a
proporcionalidade ou não da medida.
Um
item grave, avalia Hartmann, é que não houve na decisão quanto a Cintra nem
sequer uma tentativa de demonstrar que haveria um comportamento reiterado por
parte do economista, de modo a justificar o bloqueio da conta, ao invés da
derrubada de posts específicos. "Isso cria um risco muito grande da
liberdade de expressão", afirma.
Cintra,
que foi secretário da Receita Federal no governo de Jair Bolsonaro (PL), teve a
conta suspensa após fazer sete tuítes em um mesmo dia reverberando informações
falsas sobre as urnas e levantando suspeitas sobre o sistema eleitoral.
No
caso do PCO, um dos problemas, segundo Hartmann, é a abrangência do bloqueio
para várias plataformas apontando postagens apenas no Twitter.
Moraes
afirma, na decisão, que o PCO "utiliza sua estrutura para divulgar as
mesmas ofensas nos mais diversos canais (Instagram, Facebook, Telegram,
Youtube, TikTok)" e que isso amplia "o alcance dos ataques ao Estado
democrático de Direito". Entre os posts citados estavam tuítes pedindo a
"dissolução do STF" e dizendo que o ministro preparava "um novo
golpe nas eleições".
As
empresas de tecnologia recorreram da determinação quanto ao PCO. De modo geral,
solicitavam que fossem apontados conteúdos específicos que deveriam ser
derrubados.
Moraes
negou todos os recursos com a mesma alegação: de que elas não apresentaram
"argumento minimamente apto a desconstituir os óbices apontados", sem
rebater os pontos levantados.
Apesar
de ter seguido o voto de Moraes e criticado os ataques do PCO às instituições,
a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, defendeu que o tema das
suspensões seja tratado, em outro momento, no plenário físico.
Do
ponto de vista do direito criminal, há ainda uma outra questão jurídica para
além da proporcionalidade da medida.
Para
a professora de direito penal da FGV Raquel Scalcon, seria preciso haver uma
previsão específica da possibilidade de suspensão de perfis para que ela
pudesse ser aplicada como medida cautelar --que pode ser determinada antes de
eventual condenação quando há risco de prejuízo em caso demora.
Atualmente
isso demandaria fazer uma interpretação expansiva da lei, para abarcar a
internet. Uma das cautelares no Código de Processo Penal, por exemplo, é a
"proibição de acesso ou frequência a determinados lugares" ao acusado
para evitar o risco de novas infrações. "Existe uma lacuna legislativa
aparentemente", avalia Raquel.
A
advogada e coordenadora de comunicação da Abradep (Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político), Samara Castro, considera que, neste caso, cabe a
extrapolação para a internet. Ela pondera, entretanto, que é preciso uma lei
que trate sobre o tema de modo geral. "Quais são as condutas que geram as
desplataformização? Qual é a pena máxima disso?"
Um
dos pontos críticos, aponta ela, são decisões de bloqueio sem porta de saída,
ou seja, sem prazo determinado de duração. "Hoje torna-se inviável você
ter que apontar absolutamente todos os links se você tem um perfil ou vários
perfis que postam ostensivamente conteúdos irregulares", diz Samara.
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