O
governo da Ucrânia incluiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato
do PT para tentar voltar ao cargo em outubro, numa lista de "oradores que
promovem narrativas de propaganda russa".
A acusação foi publicada no site do
Centro para Contenção de Desinformação, uma entidade criada pelo presidente
Volodimir Zelenski no ano passado que integra a guerra informativa entre Rússia
e Ucrânia pela ótica do que Kiev considera fake news e manipulações do Kremlin.
Lula é o único brasileiro numa
relação de 78 pessoas, 30 das quais americanas. Está lá por dois motivos,
segundo o centro: disse que a Rússia deveria liderar uma nova ordem mundial e
que Zelenski é tão culpado pela guerra quanto o presidente russo, Vladimir
Putin.
Não há registro sobre o petista ter
dito a primeira assertiva. Nos seus oito anos de mandato (2003-10), Lula
promoveu uma política externa voltada para relações Sul-Sul, na qual a Rússia
estava inserida como membro fundador do Brics, bloco político-econômico que une
Brasil, China, Índia e África do Sul também.
Em inúmeras ocasiões o então
presidente e membros do seu governo enalteceram a ideia de uma alternativa à
diplomacia dominada pelos EUA e pela Europa, o que é bastante diferente de
dizer que a Rússia deveria dominar o sistema internacional.
Já a segunda frase está na polêmica
entrevista concedida por Lula à revista norte-americana Time, em maio. Nela,
ele afirmou: "Fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se
estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os Parlamentos, sabe?
Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o
Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado".
A assessoria de Lula disse que não
comentaria o caso, mas lembrou que petista condenou a invasão da Ucrânia.
Considera as críticas à fala de Lula uma questão de "má vontade".
Mesmo entre aliados do petista, houve
a leitura de que, independentemente do mérito da opinião, ela poderia ter sido
amainada, já que Kiev foi o objeto da agressão de Moscou. Mas não houve a usual
exploração por parte de seu maior rival, o presidente Jair Bolsonaro (PL), por
um motivo simples: o mandatário concorda com o antecessor.
Esta é a segunda interação entre o
conflito no Leste Europeu e a eleição brasileira. Na semana passada, Zelenski
concedeu uma entrevista à Rede Globo e criticou a posição de neutralidade
advogada por Bolsonaro. O Brasil condenou a invasão em uma resolução na ONU
(Organização das Nações Unidas), mas não aderiu ao regime de sanções contra
Moscou.
O fez por interesses econômicos: quis
manter o fluxo de fertilizantes russos para o agronegócio brasileiro e, agora,
busca negociar a compra de diesel a preços com desconto para aliviar a crise
inflacionário dos combustíveis.
O caminho, criticado por Zelenski que
vê na relativização das relações com Moscou algo equivalente à tentativa de
apaziguar Adolf Hitler feita pelo Ocidente antes da Segunda Guerra Mundial, não
é uma exclusividade brasileira.
A China e a Índia, não por acaso
membros do Brics, aumentaram brutalmente a importação de hidrocarbonetos
russos, gerando críticas de que ajudam a financiar a guerra de forma indireta.
Além disso, o Itamaraty historicamente advoga por soluções de conflitos
negociadas, evitando tomar partido.
A lista do centro ucraniano é
arbitrária, mas não tem efeito prático algum. Nela, diplomaticamente, não há
chefes de Estado: Bolsonaro, que visitou Putin e lhe prestou solidariedade uma
semana antes da guerra, não comparece.
Candidatos a presidente, contudo,
estão lá. Além de Lula, dois derrotados do pleito francês deste ano figuram:
Marine Le Pen e Eric Zammour são criticados por posições pró-Moscou. A França,
liderada por Emmanuel Macron, é frequentemente alvo em Kiev por suas posições
menos agressivas em relação a Putin. Talvez não por acaso, é o segundo país com
mais nomes no índex, 12.
A publicação, feita em 14 de julho,
foi destacada pelo site britânico UnHerd nesta segunda (25). Há lá políticos,
jornalistas, cientistas políticos e analistas que deram opiniões consideradas
pró-Rússia pelos ucranianos.
A publicação ouviu algumas pessoas lá
listadas, como o cientista político americano John Mearshimer, um advogado da
chamada linha realista das relações internacionais que sempre apontou a atitude
do Ocidente em relação à Rússia como parte das raízes do conflito.
"Quando não conseguem derrubar
seus argumentos com fatos e lógica, eles te difamam. Eu argumento que é claro,
pela evidência disponível, que a Rússia invadiu a Ucrânia porque os EUA e seus
aliados europeus estavam determinados em fazer do país um baluarte
ocidental", afirmou.
Este é um ponto central geopolítico
central para entender a crise desde que Putin anexou a Crimeia da Ucrânia em
2014, mas a mera discussão foi proscrita em boa parte do Ocidente porque acaba
se assemelhando a uma justificativa para a guerra. O que não é: entender
razões, ou problematizar o senso comum, não implica endosso.
Outro nome na lista, o jornalista
americano Glenn Greenwald, acusou no Twitter o governo da Ucrânia de
macarthismo --referência à caça as bruxas contra supostos comunistas dos anos
1950 nos EUA sob a inspiração do então senador Joseph McCarthy.
Ele lembra que Zelenski opera uma
censura pesada ao trabalho jornalístico dentro da Ucrânia, suprimiu a oposição
e viu presos rivais desde que exerce o poder sob a sombra das bombas de Putin.
Não que a situação seja muito melhor
do outro lado das trincheiras. Putin, que já havia suprimido na prática o dissenso
político na Rússia nos últimos dois anos, instalou um controle informativo e de
censura militar duro em seu país. A mídia independente foi virtualmente extinta
e quem for acusado de divulgar fake news sobre a guerra, que nem assim pode ser
chamada, se arrisca a pegar 15 de cadeia.
Com informações de Igor Gielow/Folha de São Paulo
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