foto: © Getty Images
Nos últimos meses, uma cena
tem se tornado cada vez mais comum no Brasil e no mundo: a pessoa começa a
apresentar sintomas típicos de covid (tosse, coriza, febre…), faz o teste
rápido de antígeno e o resultado dá negativo. As informações são da BBC News.
Ela continua a ter os
incômodos e, um ou dois dias depois, repete o exame que, aí sim, confirma a
infecção pelo coronavírus.
O grande perigo é que, nesse
meio tempo sem o diagnóstico adequado, não são adotadas as medidas necessárias
para reduzir o risco de passar o vírus adiante — como o isolamento e o uso de
máscaras.
Isso, por sua vez, cria novas
cadeias de transmissão e faz o número de casos da doença crescer.
Mas o que explica esse
fenômeno da "positividade atrasada"? Embora não existam respostas
claras, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil citam as hipóteses que
ajudam a entender esse cenário. Eles também apontam o que fazer para proteger a
si e todo mundo ao redor.
Em resumo, apesar de o assunto
estar envolvido em muitos mistérios, a recomendação é simples: se você apresentar
sintomas típicos de covid, fique em isolamento e evite o contato com algumas
pessoas, mesmo se o teste rápido de antígeno feito no primeiro ou no segundo
dia der um resultado negativo. E, se possível, tente repetir o exame entre o
terceiro e o quinto dia para ter mais certeza sobre o diagnóstico.
O vírus ficou mais veloz?
O primeiro fator que permite
explicar esse cenário é a chegada das novas variantes do coronavírus,
especialmente aquelas que surgiram a partir da ômicron, como a BA.2 e a BA.5.
O espalhamento delas mundo
afora veio seguida de uma mudança importante na incubação, que é o tempo entre
o vírus começar a invadir as células do nosso corpo e o início dos sintomas.
"O vírus entra nas
células e faz ali dentro entre cem e mil novas cópias de si mesmo, que vão sair
para infectar outras células e continuar esse processo, até que o sistema
imunológico reaja e cause os sintomas, como nariz escorrendo, espirros,
febres…", explica o virologista José Eduardo Levi, coordenador de pesquisa
e desenvolvimento da Dasa.
A título de comparação, de acordo com um relatório da Agência de Segurança em
Saúde do Reino Unido, a incubação da variante alfa durava, em média, de cinco a
seis dias.
Durante a onda da delta, essa
janela caiu para quatro dias.
Já na ômicron, o período entre
a invasão viral e o início dos sintomas sofreu uma nova redução e fica em
apenas três dias.
u seja: se antes a pessoa
tinha contato com alguém infectado e levava quase uma semana para manifestar os
sinais típicos da covid, atualmente esse processo é bem mais rápido e pode
acontecer quase de um dia para o outro.
"O que mais vemos em
nossos consultórios são pacientes que dizem ter passeado no domingo e já
apresentam os sintomas da doença na terça ou na quarta-feira", conta a
infectologista e virologista Nancy Bellei, professora da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp).
Mas por que isso está
acontecendo?
Vírus diferente, defesas
atualizadas
Entre
as possíveis teorias que ajudam a entender essa ação mais ligeira da ômicron,
alguns especialistas apontam que as próprias mutações genéticas que essa
variante carrega encurtaram o tempo de incubação.
Outros
também chamam a atenção para o papel do sistema imunológico nesse processo.
Numa série de postagens no Twitter, o imunologista e
epidemiologista Michael Mina, que trabalhava na Universidade Harvard, nos Estados
Unidos, e atualmente é o diretor científico de uma empresa de testagem, defende
que a vacinação "mudou de forma fundamental a relação entre os sintomas de
covid e a carga viral".
Anteriormente,
os sintomas da covid costumavam aparecer justamente no momento em que a
quantidade de vírus no organismo atingia o pico.
"Por
que as pessoas agora estão apresentando sintomas, mas o resultado do teste
rápido dá negativo?", questionou.
"Os
sintomas que sentimos são geralmente o resultado da resposta imune. As vacinas
fazem o nosso sistema de defesa detectar o vírus mais rápido, antes que a
quantidade de cópias dele atinja o pico. Esse é literalmente o propósito da
vacinação", escreveu ele na rede social.
Seguindo
na explicação, Mina aponta que a resposta imune rápida ajuda a suprimir o vírus
por um tempo, até que o patógeno seja eliminado do organismo ou eventualmente
consiga vencer essa batalha e comece a se replicar com mais força.
"Com
isso, um teste criado para detectar uma certa quantidade de vírus será negativo
nos primeiros dias, antes que a carga viral aumente", argumentou o
cientista.
Em
outras palavras, uma das teorias aventadas aponta que, com a ômicron, o tempo
de incubação curto e o aparecimento de sintomas mais cedo faz com que a carga
viral (a quantidade de coronavírus em ação) logo nos primeiros dias de infecção
não seja alta o suficiente para ser detectada pelos testes rápidos de antígeno.
Mas
vale ressaltar que essa é apenas uma das possíveis explicações para esse
fenômeno e a ideia está longe de estar comprovada ou ser consenso entre os
especialistas.
"O
sistema imune também depende de uma certa quantidade de partículas virais para
ser ativado e iniciar uma resposta. Então, me parece que a imunidade criada a
partir da vacinação ou de quadros prévios de covid vai contribuir mais para
terminar rapidamente a infecção do que para o início do quadro", avalia
Levi, que também faz pesquisas no Instituto de Medicina Tropical da
Universidade de São Paulo (USP).
Em
todo caso, existem evidências de que a quantidade de proteínas
virais nesses primeiros dias de infecção realmente pode ser mais baixa nas
ondas da ômicron.
"Com
isso, há um risco de os testes de antígeno falharem na detecção desses casos,
já que não existem partículas suficientes para obter um resultado
positivo", resume o virologista Anderson F. Brito, pesquisador científico
do Instituto Todos pela Saúde.
"Portanto,
temos que tomar cuidado na interpretação desses resultados iniciais, até para
não criarmos uma falsa sensação de segurança", adverte.
Falha
humana e interpretação dos testes
Ainda
dentro dessa discussão, não dá pra ignorar o fator humano por trás de erros nos
resultados.
O
teste de antígeno, que pode ser feito em casa pela próxima pessoa, tem uma
série de procedimentos bem específicos — separar os materiais, lavar as mãos,
passar a haste no fundo do nariz e da garganta por um tempo mínimo, misturar
com soro, esperar alguns minutos, pingar a quantidade exata no dispositivo…
Se
uma dessas etapas não é feita da maneira adequada, o resultado pode ser um
falso negativo.
"Não
dá pra confiar na conclusão de um teste mal feito", diz Bellei, que também
integra a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
A
médica destaca a variação da qualidade dos exames disponíveis nas farmácias.
"Há
muita diferença na sensibilidade e na especificidade dos testes rápidos. Alguns
conseguem detectar 80% dos casos, enquanto em outros essa taxa cai para 70% ou
50%", compara.
Embora
não exista uma maneira fácil e acessível de saber quais são os produtos mais
confiáveis, Bellei orienta que as pessoas deem preferência, se possível, às
marcas mais conhecidas, de empresas que trabalham com diagnósticos há décadas.
Uma
segunda dica importante é ler atentamente as instruções que vêm com o kit e
obedecer cada etapa à risca para diminuir a probabilidade de erros e resultados
distorcidos.
Nesse
sentido, também foram levantadas muitas dúvidas se os testes de antígeno seriam
capazes de detectar as linhagens da ômicron, que trazem muitas mutações em
comparação com as variantes anteriores.
Essa
hipótese, porém, mostrou-se falsa. "O teste de antígeno detecta
principalmente a proteína N do coronavírus", explica Levi.
"E
sabemos que a ômicron apresenta mais mutações na proteína S, que não costuma
ser o alvo principal desses exames", complementa.
Ou
seja: os testes rápidos continuam a funcionar relativamente bem para flagrar as
novas variantes.
Talvez
o cerne da questão esteja em entender o momento certo de fazer esse exame — e,
a partir daí, como interpretar os resultados e tomar as medidas necessárias.
O
que muda no diagnóstico?
Diante
de todas essas alterações observadas no comportamento do vírus e no nosso
sistema imune, a principal mensagem é relativamente simples: se você estiver
com sintomas típicos de covid, como dor de garganta, tosse, espirros e febre,
evite o máximo possível o contato com outras pessoas para não transmitir o
agente infeccioso para elas.
Essa
orientação vale mesmo para as pessoas que fizeram um teste logo nos primeiros
dias e o resultado foi negativo — como explicado mais acima, ainda não é
possível ter 100% de certeza e pode ser que a carga viral ainda não esteja
suficientemente alta para ser detectada pelo exame.
O
tempo de quarentena varia de acordo com uma série de condições, mas um período
de cinco a sete dias costuma ser o suficiente para a maioria das pessoas.
Se
você fez o teste no primeiro ou no segundo dia de sintomas e o resultado foi
negativo, vale repetir o exame no terceiro, no quarto ou no quinto dia, se
possível.
Uma pesquisa ainda não publicada da Escola de Higiene
e Medicina Tropical de Londres, no Reino Unido, mostrou que o pico de carga
viral costuma acontecer justamente até três dias após o início dos sintomas.
Com
isso, caso você esteja realmente com covid, será mais provável pegar esse pico
da carga viral, quando a quantidade de vírus estará alta o suficiente para o
teste dar positivo.
"E
é importante notificar o resultado para a unidade de saúde mais próxima de sua
casa, para eventualmente confirmar o diagnóstico por meio de outros métodos
mais precisos, como o RT-PCR, e para que o caso seja contabilizado nas
estatísticas oficiais", ressalta Brito.
Vale,
claro, manter o isolamento e evitar o contato com outras pessoas, especialmente
aquelas mais vulneráveis à covid, como idosos e imunossuprimidos, durante esse
período de incerteza entre um teste e outro.
Outro
ponto fundamental é manter a vacinação atualizada.
"As
variantes até 'aparecem' mais cedo, mas quem está com todas as doses em dia
transmite menos coronavírus em comparação com quem não possui o esquema vacinal
completo", informa a imunologista Cristina Bonorino, professora da
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Um estudo feito na Universidade de Seul, na Coreia do Sul,
mostra justamente isso. Indivíduos vacinados que pegam covid podem transmitir o
coronavírus por quatro dias, em média. Já quem está parcialmente imunizado
"repassa" o patógeno por até oito dias.
"Fora
que a vacina é o que permite a infecção não evoluir para casos mais graves e
preocupantes na maioria das vezes", completa a especialista, que também
integra a SBI.
Por
ora, o Ministério da Saúde recomenda uma quarta dose de vacina para toda a
população com mais de 40 anos. Entre os 12 e os 39, são indicados três doses.
Já para crianças de 5 a 11 anos, duas doses.
Este texto foi originalmente publicado em:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61986889
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