Foi
publicado nesta sexta-feira (20/5) o acórdão de um julgamento em que o Órgão Especial do Tribunal
de Justiça de São Paulo determinou a inclusão de homens transexuais entre
as pessoas contempladas pela Lei municipal 17.574/2021, que criou um programa
de distribuição de absorventes descartáveis e outros itens de higiene na cidade
de São Paulo.
A
ação direta de inconstitucionalidade julgada pela corte questionou
o fato de a lei não incluir pessoas que não se identificam com o
gênero feminino. O texto falava apenas na distribuição de absorventes para
"alunas" da rede municipal de ensino. O pedido foi para que o
programa atendesse a todos, independentemente da identificação de gênero.
O
relator da ação, desembargador Matheus Fontes, afirmou que a legislação não
pode gerar discriminação ou tolher direitos de um grupo específico, inclusive
envolvendo identidade de gênero. O magistrado citou inúmeros precedentes do
Supremo Tribunal Federal que exaltam o respeito ao princípio da dignidade da
pessoa humana.
"A
norma direciona o programa de saúde pública à lógica binária de gênero,
excluindo, efetiva ou potencialmente, pessoas que, à luz de seus direitos à
diversidade sexual emanados dos princípios de liberdade, igualdade e dignidade
da pessoa humana, também devem ser beneficiárias em obséquio à liberdade de
identidade de gênero (como os transmasculinos) e que os serviços públicos não
podem discriminar negativamente pela utilização em sua redação de vocábulos com
tônica de direcionamento a pessoas do sexo feminino", afirmou ele.
Segundo
Fontes, é tempo de a coletividade atentar para a insuficiência de
critérios morfológicos para afirmação da identidade de gênero, considerando
sempre a dignidade da pessoa humana. "Descabe potencializar o inaceitável
estranhamento relativo a situações divergentes do padrão imposto pela sociedade
para marginalizar cidadãos, negando-lhes o exercício de direitos
fundamentais", explicou o magistrado.
A
tutela estatal, na visão do desembargador, deve levar em conta a
"complexidade ínsita à psique humana, presente a pluralidade dos aspectos
genésicos conformadores da consciência". Para ele,
é "inaceitável", no Estado democrático de Direito, inviabilizar
a alguém a escolha do caminho a ser percorrido, obstando-lhe o protagonismo,
pleno e feliz, da própria jornada.
"A
dignidade da pessoa humana, princípio desprezado em tempos tão estranhos, deve
prevalecer para assentar-se o direito do ser humano de buscar a integridade e
apresentar-se à sociedade como de fato se enxerga", concluiu Fontes,
citando o julgamento da ADI 4.275 pelo Plenário do STF. A decisão foi por
unanimidade.
Veto à discriminação
A ação foi ajuizada pelo Diretório Estadual do Psol, a pedido da vereadora
Erika Hilton. A sustentação oral foi feita pelo advogado Davi
Tangerino. Para ele, a decisão é um importante precedente na relação
entre Judiciário, Legislativo e direitos sociais.
"O
marco é que foi uma decisão judicial que excluiu uma medida discriminatória da
casa legislativa. Isso reafirmou a impossibilidade de tratamento não isonômico
à população trans. Os precedentes judiciais mais importantes para a população
trans ate então foram garantir o nome social e a aplicação da Lei Maria da
Penha (Lei 11.340/2006). Mas nenhum desses processos vinha de procedimento
legislativo que excluía a população trans", afirmou Tangerino à ConJur.
Clique aqui para ler o acórdão
2179353-34.2021.8.26.0000
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