Objeto de uma sindicância da Controladoria Geral do Município de
São Paulo por causa da contratação de um show da cantora Daniela Mercury com
recursos públicos, o ato de 1º Maio, em alusão ao Dia do Trabalho, também pode
representar infração eleitoral pelas demonstrações de apoio à candidatura do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As informações são de Tayguara Ribeiro/Folha de São Paulo.
No
caso da cantora baiana, que recebeu R$ 160 mil pela apresentação, o
questionamento ocorre devido ao uso de verba pública da cidade de São Paulo
para um evento com manifestações a favor do petista.
Já
em relação a possíveis infrações eleitorais, o problema envolve o clima de
comício antecipado, semelhante ao que ocorreu com o presidente Jair Bolsonaro
no final de março, em evento do PL.
A
legislação eleitoral só permite campanha a partir de 16 de agosto. Comícios não
são autorizados até lá. Eventos públicos de lançamento de pré-candidatura,
situação não prevista na lei, também são vetados.
No
último domingo, diversos aliados do petista fizeram pedidos explícitos
relacionados à eleição de outubro deste ano, com a repetição de frases como
"vamos eleger Lula presidente".
A
Folha de S.Paulo enviou trechos das falas a três especialistas em direito
eleitoral, que veem indícios de infração eleitoral, mas ressalvam ser difícil
qualquer punição em razão da subjetividade da legislação.
O
ato foi organizado em conjunto por centrais sindicais e contou com a
participação de representantes de PT, PC do B, e PSOL, partidos que dão
sustentação à pré-candidatura de Lula à Presidência.
O
advogado João Fernando Lopes de Carvalho, especialista em direito eleitoral,
afirma que antes da data de início oficial da campanha há algumas permissões da
lei a favor dos pré-candidatos, como reuniões de divulgação de ideias, objetivos
e propostas partidárias, por iniciativa de entidades da sociedade civil.
O
evento de comemoração do dia 1º Maio, na avaliação dele, poderia ser visto como
um encontro "com a intenção de discutir políticas públicas direcionadas
para os trabalhadores, até mesmo para eventualmente serem implementadas em um
futuro governo", e não "de iniciativa concebida com finalidade de
divulgação eleitoral".
"Isto
não significa que não possam ter ocorrido desvios pontuais, em que alguns
daqueles que fizeram uso da palavra acabaram produzindo mensagens que podem ser
interpretadas, à luz da legislação, como de divulgação eleitoral
antecipada", afirma.
Para
Carvalho, em frases como a do vereador Eduardo Suplicy (PT-SP) há pedido de
voto, por sugerir a eleição de Lula para presidente, algo proibido pela
legislação.
"Vejo,
portanto, publicidade eleitoral antecipada." No evento, Suplicy afirmou:
"Viva Lula, viva Fernando Haddad, vamos eleger Lula presidente".
Avaliação
similar ocorre em relação às falas do deputado federal Orlando Silva (PC do
B-SP). "Nós sabemos qual é o caminho. É derrotar Jair Bolsonaro, esse
fascista, traidor da pátria brasileira, inimigo dos trabalhadores, e eleger
presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva."
O
parlamentar disse ainda que "o Partido Comunista do Brasil, o PC do B,
nesse 1° de maio, ergue sua bandeira e conclama os trabalhadores para unidos
defenderem a democracia e eleger Lula presidente".
Carvalho
cita que, no discurso de Orlando Silva, ocorre "a união do cargo de
presidente com a conclamação para a eleição do pré-candidato". "Para
mim, há pedido de voto a configurar publicidade eleitoral antecipada."
O
advogado especialista em direito eleitoral considera, porém, que a questão não
é simples. Segundo ele, a lei e a jurisprudência determinam que configuram
publicidade eleitoral antecipada as mensagens que apresentem pedido explícito
de voto.
Por
outro lado, a lei autoriza expressamente pedido de apoio político a
pré-candidato ou partido, desde que não se localize pedido explícito de voto na
mensagem. "Para identificar a ocorrência ou não de ilicitude deve ser
feita uma interpretação de cada caso concreto", afirma.
Ao
subir no palco, Lula tentou amenizar a situação, embora isso não tenha evitado
eventuais infrações.
"Eu
quero falar com os dirigentes sindicais que estão aqui. Eu estava lá atrás
porque não é possível falar de eleição porque eu não sou candidato ainda",
disse Lula.
"Eu
fiquei um pouco atrás porque eu não posso falar de eleição. Eu estou aqui, em
um ato de 1° de maio, para discutir o problema dos trabalhadores e
trabalhadoras brasileiros."
Para
Carla Maria Nicolini, advogada especialista em direito eleitoral e membro da
Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), as manifestações
foram proferidas em ato público comemorativo do Dia do Trabalho, em que
naturalmente as questões políticas são trazidas ao debate.
Porém,
diz, as falas de alguns aliados flertam com a infração eleitoral.
"Não
vislumbro a realização de propaganda eleitoral antecipada na frase do
ex-presidente Lula. O mesmo não se pode afirmar, contudo, sobre algumas
manifestações de seus correligionários, que podem vir a caracterizar
antecipação da campanha, pela utilização das chamadas 'palavras mágicas', tais
como: 'vamos eleger', 'tirar do poder', 'vamos derrotar', dentre outras."
A
advogada analisa que o artigo 36-A da Lei Eleitoral disciplina que não
configuram propaganda eleitoral antecipada: a menção à pretensa candidatura, a
exaltação das qualidades pessoais das pré-candidatas e dos pré-candidatos,
pedidos de apoio político e divulgação de ações e projetos. "Desde que não
haja pedido explícito de votos."
Já
o professor do departamento de direito público da Unesp José Duarte Neto afirma
que não há como argumentar que Lula "estava ajustado com
sindicalistas" que pediram o voto para ele. "Em eventos parecidos,
não existem meios de se controlar o comportamento de cada um que lá
comparece."
Segundo
ele, para configuração do ilícito eleitoral é necessária a demonstração da
intenção de pedir voto e propagar sua candidatura. "Expressamente se disse
que ainda não havia eleição, que não se era candidato e que a presença lá era
para a comemoração do Dia do Trabalho."
Para
o especialista, por um lado, nos termos da disciplina jurídica, algumas
expressões parecem se acomodar à rubrica de propaganda antecipada.
"Digo
algumas, mas não todas. Por isso, acho que não há como englobá-las em um plano
orquestrado de propaganda eleitoral antecipada com o fim de pedir votos."
De
acordo com o professor da Unesp, é ponto pacífico que é admitido a qualquer um,
até mesmo a pré-candidatos, discutir políticas públicas e temas de interesse do
público.
Procurada,
a assessoria de imprensa de Lula não respondeu até a publicação deste texto.
Ricardo
Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), afirmou que o ato foi
para comemorar o 1° de Maio.
Segundo
ele, "Lula deixou claro que não era um palanque eleitoral". "As
centrais têm um objetivo que é tirar o Bolsonaro [que] ataca à Constituição,
ataca à democracia, põe fogo na Amazônia, é negacionista, quer exterminar
movimentos sociais e sindicais."
A
reportagem procurou também dirigentes da Força Sindical, outra das centrais que
participaram da organização, mas não recebeu resposta.
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