Por:
James Cadidé
Diretor Médico na empresa Clinica James Cadidé - IMOBA - Instituto de Medicina e Odontologia da Bahia
AS
FESTAS DA RUA 15 DE NOVEMBRO
A
rua 15 de novembro, em Juazeiro, tinha festas marcantes, em casas de pessoas
que ficaram na memória.
Todo
final de ano, no dia de Nossa Senhora da Conceição, os presépios eram montados
para anunciar a proximidade do Natal e ficavam montados por todo o Advento.
Várias casas montavam os seus, mas tinha uma que se destacava e era uma beleza
de se ver: a lapinha da casa de Dona Filomena.
Dona
Filomena era uma senhora de voz mansa, andar arrastado, passo lento pelo peso
da idade, troncudinha, que tinha um sinal na face que a deixava inconfundível,
porque também tenho um no mesmo lugar e quando criança ficava imaginando se
cresceria tanto quanto o sinal de Dona Filomena.
A
montagem da lapinha da casa de Dona Filomena era feita no início do mês de dezembro,
de uma paciência e delicadeza pouco vistas, e ficava até o dia de Reis, no
início do mês de janeiro. A manjedoura com o menino Jesus, Maria e José, ficava
no centro do cenário, em destaque, como a nos ensinar que no Natal a festa é
para Ele. Os Reis Magos conduzidos em seus camelos, seguindo a Estrela Dalva,
brilhando no alto, chamavam a atenção pelos presentes que levavam. Os pastores
tocando suas ovelhas mostravam que homens simples fizeram parte do cenário do
nascimento de Jesus.
No
trajeto para a manjedoura, casas feitas de papel, algumas cobertas com palitos
de fósforo, outras cobertas também de papel colorido. Pessoas comuns,
carneiros, jumentos, um pequeno cachorro, todos representados por pequenos
bonecos feitos de barro e pintados, no trajeto de uma via que subia a montanha
e mostrava caminhos que nos remetiam a Nazaré, onde Jesus nasceu e nos lembrava
em muito o casario na entrada da cidade de Salvador, capital da Bahia, nos
sinalizando que Jesus renasce em cada Natal, em qualquer lugar e em qualquer
coração.
À
noite, pequenas luzes eram acesas, coloridas e piscando, mimetizavam as
estrelas cintilando, e nos faziam imaginar a noite de Natal, lá no oriente.
Ficávamos extasiados com a riqueza dos detalhes, a sutileza da mensagem e o
encanto do cenário. Ninguém passava na rua que não entrasse para ver o presépio
na sala da casa de dona Filomena e ela, muito gentil, sentada em sua cadeira de
balanço, o chale sobre o tronco, sorria feliz e acolhia o visitante.
Outra
festa muito aguardada era o Caruru da casa de Dona Maria de Zé Gringo.
Seu
Zé Gringo tinha morrido de uma forma muito sofrida. Lembro da movimentação da
Rua 15 quando ele sofreu vólvulo (foi assim que meu pai me contou e explicou o
que era) e foi levado às pressas para o Hospital Regional, lá atrás da Banca e
voltou para casa morto. Acho que foi o primeiro velório que assisti. Uma
tristeza ver Dona Maria e Toinho chorando a despedida.
Dona
Maria de Zé Gringo fazia um caruru diferente, com todo o ritual cristão da
homenagem aos gêmeos Cosme e Damião, já que ela era muito religiosa. Era
frequentadora assídua das celebrações da igreja católica e fervorosa devota de
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nunca deixando de assistir as celebrações da
novena às terças-feiras à noite, celebradas por Padre Godofredo.
O
caruru era preparado com rigor, servido às crianças no final da tarde e, só
depois aos adultos. Nunca comi caruru igual. O sabor permanece até hoje,
aguardando para ser imitado. Ficava torcendo para chegar na data. A casa tinha
um corredor longo, que se terminava numa sala que se continuava com a cozinha e
o quintal.
Transpor
aquele corredor era angustiante pela ansiedade de vislumbrar os quitutes
expostos lá na sala, no final da casa, onde era montada uma mesa enorme, com as
travessas cheias das iguarias daquela festa: o caruru feito de quiabos
cortadinhos, o xinxim feito de galinha de quintal, a farofa de azeite dendê, a
banana da terra frita com canela e açúcar, muita pipoca, rapadura cortada em
pedacinhos, feijão fradinho, arroz branco, cana-de-açúcar cortada em pedacinhos
e acarajés cortados. Tudo muito delicioso. Tudo feito com primor.
Acompanhando
tudo isto, o néctar dos néctares, era servido em um copo de plástico sempre
cheio: o aluá. Nunca mais vi em lugar nenhum aquela bebida, que só dona Maria
de Zé Gringo sabia fazer. Minha mãe ajudava a preparar as iguarias da festa e
dizia que aquela bebida de coloração amarelada, leitosa, com gosto de vinho
feito de milho, era um segredo que só a anfitriã conhecia. Sabia que dona Maria
colocava o milho em infusão por longo período e ficava observando e
experimentando até chegar no ponto, mas nunca foi dita a maneira como preparar
aquela bebida tão exclusiva e original. Sabor inigualável e inimitável. Até
hoje guardo o gosto, na esperança de poder um dia repetir a dose.
No
início do mês de julho, era festejada a festa de Santo Antonio, antecedida das
nove noites de novena, na casa de dona Maria de Viúva. Ela era magrinha, passos
rápidos e voz apressada.
As
solteiras encalhadas aguardavam ansiosamente por esta festa.
Era
montado um altar de madeira no canto da sala, revestido com papéis coloridos,
formando degraus, e no alto era colocada a imagem de Santo Antonio, envolvida
por muitas flores e muitas velas. Em cada degrau, castiçais com velas que eram
acesas e iluminavam a sala, jarras de flores, com muitas margaridas e algumas
rosas, que perfumavam o ambiente. As rezas das noites de novena eram cantadas e
a casa se enchia de gente, interessada na reza e nas guloseimas que eram
distribuídas no final da novena e que tinha uma fé imensa de que Santo Antonio
iria socorrer as necessitadas solteironas presentes.
No
último dia de novena, as pessoas que frequentavam vestiam roupas mais novas, se
emperiquitavam todas e iam participar da cantoria, com direito a fogos, doces e
salgadinhos e distribuição de pão.
Neste
último dia de devoção as solteironas faziam suas preces silenciosa e
fervorosamente, aproveitando para reforçar suas intenções, em promessas ao
santo casamenteiro. Acho que muitas delas conseguiam seu intento, porque a cada
ano, a frequência à festa aumentava, por conta da propaganda das promessas
respondidas, sem que ninguém precisasse colocar o santo de cabeça para baixo ,
dentro de um copo cheio de água, como muitas se diziam obrigadas a fazer para
conseguir arranjar um casamento.
Interessante
é que as casa de dona Maria de Zé Gringo, de dona Maria de Viúva e de Dona
Filomena ficavam na sequência, vizinhas, subindo a Rua Quinze. As festeiras da
rua 15 de novembro.
Outra
festa que terminava indo ser celebrada na Rua 15 era a festa de Nossa Senhora
do Rosário, com o desfile de Os Congos. Na verdade, esta festa era preparada lá
na casa de Seu Cipriano, na rua Henrique Rocha, mas o desfile de Os Congos se
dava na Rua 15, no caminho para a igreja matriz, ao final do mês de outubro.
Naquela
época, só participavam homens, que ao som de pandeiros, tocados pelos que iam
na frente, desfilavam dançando numa ginga muito especial, parecendo que iam
jogar capoeira, sempre no mesmo ritmo, acompanhando o pandeiro e vestidos de
marinheiros, em roupa branca impecável, gravatinha azul no pescoço, chapéu
branco na cabeça e sapato preto.
Seu
Cipriano preparava com muito rigor a dança e afinava o ritmo, durante todo o
mês de outubro e ia na frente, muito respeitoso, impondo uma moral muito
grande, como todo comandante, puxando o grupo, em duas filas, com cerca de 20
pessoas em cada fila. Era um desfile muito bonito.
Contava-se
que a tradição de Os Congos era uma forma de homenagear um rei de uma tribo
africana que ao ser trazido ao Brasil, comprou sua liberdade junto com a de
outros africanos e construiu uma igreja para comemorar Nossa Senhora do
Rosário.
A
entrada de Os Congos na igreja matriz era muito emocionante. A missa solene de
Nossa Senhora do Rosário era celebrada no final da manhã, no domingo e eles
entravam pela porta principal.
Na
porta da igreja, antes de entrarem, se ajoelhavam em sinal de respeito e
devoção, seguiam até a frente do altar mor cantando e dançando no seu ritmo e
assistiam à celebração em cadeiras reservadas na frente do altar. No final,
saiam também cantando e dançando e retornavam até a Rua Henrique Rocha.
Passando
novamente pela Rua 15, todos paravam para assistir e muitos acompanhavam Os
Congos até a chegada à casa de Seu Cipriano, onde continuavam tocando e
cantando, se alimentavam e se dispersavam no meio da tarde.
Pela
beleza e sentimento que despertavam acabei, um dia, fazendo um poema, que se
inicia assim: “Congada. Congada. Congada vai passar... “. Em homenagem ao
desfile deles pela Rua 15. No decorrer, o poema fala da beleza dos Congos e da
dedicação de Seu Cipriano em mantê-los fielmente celebrando a festa de Nossa Senhora
do Rosário.
Texto reproduzido da pagina do autor no Facebook
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