A
vitória do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) na ONU (Organização
das Nações Unidas) é vista por especialistas como “simbólica” por
reconhecer o entendimento já tomado pela Justiça brasileira. No entanto, o
parecer não deve ter desdobramentos jurídicos diretos.
Em
decisão divulgada na 5ª feira (28.abr.2022), o Comitê de Direitos Humanos da
ONU concluiu que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial no julgamento
dos processos da Lava Jato contra Lula. Também considerou que os direitos
políticos do petista foram feridos ao ter sido impedido de disputar as eleições
de 2018.
O
órgão tem a atribuição de supervisionar o cumprimento do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, que até o momento foi ratificado por 173 Estados,
inclusive o Brasil. É composto por 18 especialistas independentes.
As
decisões do comitê são vinculantes ao Brasil, pois o país também é signatário
do protocolo facultativo, que dá ao comitê a competência para
examinar queixas individuais sobre supostas violações do Pacto.
Em
tese as determinações do órgão devem ser recepcionadas pela Justiça brasileira,
mas a efetivação dos dispositivos é incerta e provoca debates jurídicos,
segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Benefícios
práticos para o ex-presidente, como a saída da prisão e sua elegibilidade já
foram concedidos pelo Judiciário brasileiro.
O
Comitê da ONU emitiu sua decisão depois de considerar uma queixa apresentada
pela defesa de Lula em 2016. O órgão considerou que o julgamento de Lula violou
os artigos 9, 14, 17 e 25 do pacto internacional, que tratam sobre o direito de
todo e qualquer cidadão a um julgamento justo e imparcial, o direto à
privacidade e o respeito aos direitos políticos.
O
órgão instou o Brasil a “assegurar que quaisquer outros procedimentos
criminais contra Lula cumpram com as garantias do devido processo legal, e a
prevenir violações semelhantes no futuro”. Também determinou que o governo
brasileiro preste informações sobre as medidas que serão adotadas para efetivar
as decisões do comitê em até 180 dias e também traduza, publique e “divulgue
amplamente” a decisão do julgamento.
Simbólica
O
advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em direito eleitoral e doutor
em direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) disse ao Poder360 que
a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU é “muito significativa”,
mas “simbólica”.
“O
comitê tem um peso significativo, moral. Não impõe sanções diretamente”,
afirmou.
Para
o especialista, que é coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de
Direito Eleitoral e Político), a recepção da decisão pela Justiça brasileira
envolve um “debate jurídico mais apurado”, e assemelha-se à aplicação do
TPI (Tribunal Penal Internacional). “Nesse momento ainda é prematuro
pensar em desdobramentos porque é uma situação inédita ao Brasil”.
O
advogado Belisário dos Santos Júnior, ex-Secretário de Justiça de São Paulo e
integrante da Comissão Internacional de Juristas, com sede na Suíça, também vê
dificuldades ao cumprimento de decisões internacionais. Ao Poder360, disse
que parte dos juízes brasileiros é contrária a essa adoção.
“A
decisão é vinculante mas, na realidade, no Brasil ela só corrobora o que a
justiça do Brasil já decidiu”, declarou. “O ex-presidente Lula já
está em liberdade, as decisões foram desqualificadas, ele já pode voltar a ser
candidato. Hoje a satisfação que esse órgão da ONU dá é moral, mas teria efeito
vinculante se não fosse a própria justiça brasileira reconhecendo isso”.
O
especialista disse que o governo brasileiro pode pedir reconsideração da
decisão do comitê, mas não vê argumentos efetivos para isso. “Não acredito
que haja recurso disso. E não haveria argumentos contrários, até porque a
própria Justiça brasileira já aceitou os mesmos argumentos”.
Ele
afirmou ser possível para a defesa de Lula responsabilizar Moro pelos prejuízos
causados ao petista, e que a decisão do comitê pode servir como mais um
argumento.
“O
ex-juiz Moro, pelo que os tribunais brasileiros já falaram e pelo que esse
tribunal falou, não deu uma decisão errada, que se poderia entender como uma
decisão correspondente ao direito, mas não a melhor”, declarou. “É
necessário comprovar má fé, abuso do direito, algum vício que dependa da
vontade e seja doloso. É possível responsabilizar o juiz sim, neste
caso”.
O
que dizem Lula e Moro
O
ex-presidente foi representado na ONU pelos advogados Valeska Zanin Martins e
Cristiano Zanin Martins, e pelo britânico Geoffrey Robertson. Em entrevista
nesta 5ª feira (28.abr), Cristiano Zanin disse que a decisão foi “histórica”.
“Uma
vitória não apenas do presidente Lula, mas de todos aqueles que acreditam na
democracia e no Estado de direito. E reforça tudo que sempre dissemos na defesa
do presidente Lula”, disse o advogado Cristiano Zanin Martins.
Assista
à entrevista dos advogados de Lula sobre a decisão da ONU (1h32min):
Em
nota, o ex-juiz Sergio Moro disse que o relatório do Comitê da ONU tirou suas
conclusões a partir de decisão do STF, que ele considera “um grande erro
judiciário”. Também declarou que “nem mesmo o Comitê nega a corrupção
na Petrobras ou afirma a inocência de Lula”.
Leia
a íntegra da nota de Sergio Moro, divulgada às 12h12 de 28.abr.2022:
“NOTA
DE SERGIO MORO SOBRE RELATÓRIO DE COMITÊ DA ONU
“Após
conhecer o teor do relatório de um Comitê da ONU e não dos órgãos centrais das
Nações Unidas, pode-se perceber que suas conclusões foram extraídas da decisão
do Supremo Tribunal Federal do ano passado, da 2ª turma da Corte, que anulou as
condenações do ex-Presidente Lula. Considero a decisão do STF um grande erro
judiciário e que infelizmente influenciou indevidamente o Comitê da ONU. De
todo modo, nem mesmo o Comitê nega a corrupção na Petrobras ou afirma a
inocência de Lula. Vale destacar que a condenação do ex-presidente Lula foi
referendada por três instâncias do Judiciário e passou pelo crivo de nove
magistrados. Também é possível constatar, no relatório do Comitê da ONU,
robustos votos vencidos que não deixam dúvidas de que a minha atuação foi legítima
na aplicação da lei, no combate à corrupção e que não houve qualquer tipo de
perseguição política.”
Com informações de Lucas Mendes/Poder 360
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