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Os Juizados Especiais Federais do Sul do país têm
firmado entendimento em decisões recentes de que o cálculo da aposentadoria por
invalidez após a reforma da Previdência de 2019 é inconstitucional. Com isso,
os segurados têm conseguido, na Justiça, direito a um benefício maior. As informações são de Cristiane Gercina/Folha de São Paulo
Em
ao menos três casos dois deles da Turma Recursal dos Juizados no Rio Grande do
Sul e um da TRU (Turma Regional de Uniformização) dos Juizados Especiais
Federais da 4ª Região do país, que abrange Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul os desembargadores entenderam que os segurados com incapacidade
permanente não podem ganhar valor inferior a 100% da média salarial em suas
aposentadorias por invalidez, hoje chamadas de aposentadorias por incapacidade
permanente.
A
reforma da Previdência, que passou a valer em 13 de novembro de 2019,
determinou um cálculo geral para as aposentadorias do INSS (Instituto Nacional
do Seguro Social): 60% da média salarial mais 2% a cada ano que ultrapassar 15
anos, no caso das mulheres, e 20 anos, para os homens.
Antes
da emenda constitucional 103, a aposentadoria por invalidez pagava 100% da
média salarial, independentemente do tempo de contribuição, ou seja, era pago
um benefício integral. Com isso, a redução na renda de quem precisa se afastar
de forma permanente do mercado de trabalho pode chegar a 40%.
Hoje,
apenas nos casos em que a invalidez é proveniente de acidente de trabalho ou de
doenças profissionais ou de trabalho, o cálculo se mantém igual ao anterior à
reforma.
Segundo
o INSS, em fevereiro deste ano, foram pagas 3,5 milhões de aposentadorias por
invalidez em todo o país, conforme os dados mais recentes do órgão.
Em
um dos pedidos de uniformização aceitos pela TRU, a decisão foi que "mesmo
após o advento da EC nº 103/2019 o valor da renda mensal inicial da
aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária deve continuar
correspondendo a 100% da média aritmética simples dos salários de
contribuição", a exemplo do que está previsto no inciso segundo, parágrafo
terceiro do artigo 26.
Na
decisão mais recente, a turma firmou a seguinte tese, com base no relatório do
desembargador Daniel Machado da Rocha: "o valor da renda mensal inicial da
aposentadoria por incapacidade permanente não acidentária continua sendo de
100% da média aritmética simples dos salários de contribuição contidos no
período básico de cálculo".
Neste
caso, o cálculo da média salarial para benefício concedido após a reforma
levará em conta todos os salário de contribuição desde julho de 1994 ou desde o
início da contribuição, casos seja se posterior.
CÁLCULO
DO AUXÍLIO-DOENÇA É MAIS VANTAJOSO
Segundo
a advogada especializada em Previdência, Bruna Bairros Cadoná, do escritório
Kravchychyn Advocacia e Consultoria, as decisões do Sul do país são pioneiras e
trazem uma visão de proteção maior ao segurado.
De
acordo com ela, a inconstitucionalidade tem sido entendida porque, com o
cálculo da reforma, o segurado que tem aposentadoria por incapacidade
permanente recebe menos do que aqueles que hoje ficam incapacitados de forma
temporária para o trabalho, ganhando o auxílio-doença.
"Quem
tem o auxílio por incapacidade temporária recebe 91% da sua média e, quando
você tem incapacidade maior, ela te gera valor de benefício menor. Esse
entendimento não existe para a Constituição, pois fere princípios de
razoabilidade, proporcionalidade e irredutibilidade", diz.
Outro
ponto é a diferença de cálculo conforme o que gerou a incapacidade, como nos
casos de acidente de trabalho ou doenças profissionais ou do trabalho.
SUPREMO
DEVERÁ DEFINIR SE HÁ INCONSTITUCIONALIDADE
Para
advogados ouvidos pela reportagem, o caso deverá chegar ao STF e fazer parte do
grupo de outras ações que já discutem a inconstitucionalidade de alguns pontos
da reforma da Previdência. Hoje, o tema está presente em duas ADIs (Ações
Diretas de Inconstitucionalidade), que tratam de servidores.
Adriane
Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário),
diz que há desproporcionalidade entre o cálculo do auxílio-doença e da
aposentadoria por invalidez, como se fosse culpa do segurado precisar do
benefício permanente. "O segurado não tem escolha. Ninguém escolhe ficar
doente, ficar incapaz para o trabalho", diz.
Roberto
de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos
Previdenciários), explica que a discussão ampla precisa ser admitida no STF
como um caso de repercussão geral. "A tendência e que isso vá para a turma
de uniformização e, depois, para o Supremo, pois é realmente um tema
constitucional."
Rômulo
Saraiva lembra que decisão semelhante chegou ao Supremo, mas em ação
individual, que não gera benefício a todos os trabalhadores. Na ocasião, a
ministra Rosa Weber garantiu a vitória do segurado, determinando o cálculo em
100% da média salarial.
Para
João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin, o cálculo usado hoje no
benefício, além de inconstitucional é muito prejudicial ao segurado, já que, no
caso dos homens, eles só receberiam 100% de sua média salarial com 40 anos de
contribuição. Para as mulheres, é necessário ter 35 anos de INSS.
Priscila
Arraes Reino, do Arraes & Centeno Advocacia, considera que não há
justificativa para tratar de maneira diferente os segurados, exclusivamente
pela natureza da incapacidade. Para ela, esse ponto da reforma viola diversos
princípios.
"Da
isonomia, pois o motivo utilizado para tratamento desigual não é válido,
proporcionalidade não é proporcional na medida em que muitas vezes a
incapacidade permanente terá um benefício menor que a incapacidade temporária,
não tem razoabilidade e ainda viola o princípio da irredutibilidade que é
previdenciário", diz.
Em
nota, a AGU (Advocacia-geral da União) afirma que "sobre o tema
mencionado, a AGU tem atuado nas ADIs 6336 e 6384, trabalhando na elaboração da
defesa e da orientação judicial pertinentes. Destacamos, porém, que não há
decisões ainda sobre elas".
QUANDO
ENTRAR NA JUSTIÇA?
Bruna
Bairros afirma que quanto antes o segurado puder acionar o Judiciário contra o
cálculo que reduz seu benefício, melhor. No entanto, para ir à Justiça, é
preciso pedir a revisão do benefício no INSS primeiro, conforme já determinou o
STF, mesmo sabendo que haverá negativa.
"Eu
sempre aconselho assim, se teve a aposentadoria concedida por incapacidade
permanente, faz o requerimento de revisão, pedindo para revisar, principalmente
se a data [da incapacidade] for anterior à reforma", diz ela.
Neste
caso, há decisões judiciais que também garantem benefício maior a quem já tinha
uma incapacidade antes da reforma da Previdência, recebia auxílio-doença e, com
a piora, passou a ganhar uma aposentadoria por invalidez, mas com cálculo
desvantajoso.
Embora
no INSS e nos juizados seja possível entrar com solicitação de revisão sem
advogado, a especialista não recomenda. "Mesmo que você não precise de um
advogado, eu instruiria a buscar um advogado especialista."
O
motivo, segundo ela, é que além de demonstrar que já há decisões garantindo a
vitória de segurados, esse tipo de revisão judicial debate a Constituição
Federal, que o segurado sozinho pode não conseguir argumentar. "E a
Constituição é meio subjetiva, você tem vários princípios, inclusive, o princípio
da dignidade da pessoa humana."
QUEM
TEM DIREITO AO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE
O
auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez são dois dos principais
benefícios por incapacidade pagos aos segurados do INSS. No caso do primeiro,
hoje chamado de auxílio por incapacidade temporária, a liberação é feita quando
o trabalhador fica temporariamente incapacitado para exercer atividade
remunerada.
Já
na aposentadoria por incapacidade permanente, a liberação da renda é feita
quando não há condições de retorno ao mercado de trabalho, ou seja, o
profissional fica permanentemente incapacitado. A decisão do tipo de benefício,
no entanto, é do perito médico do INSS.
O
segurado doente deve agendar perícia por meio de portal ou site Meu INSS. No
dia marcado para o exame pericial é preciso provar a doença, com laudos, exames
e receitas do médico. Nova medida do governo prevê trazer de volta a
possibilidade da perícia indireta, a distância, com apresentação do atestado
pela internet.
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