Autodeclarada
“neutra” na guerra na Ucrânia,
a China controla
a informação que chega aos seus cidadãos como parte do seu esforço
para difundir a ideia de que é uma mediadora no conflito. Para além de seu
público doméstico, como estratégia, a mídia estatal chinesa também está disseminando
conteúdo pago em plataformas populares globais, como Twitter e Facebook,
para transmitir ao estrangeiro a opinião de Beijing sobre a invasão. E,
contrariando a postura dita de diplomacia e neutralidade, tem amplificado a
narrativa de Moscou. As informações são da rede Voice
of America (VOA) e do site de notícias internacionais A Referência.
A
agência de notícias Xinhua, o jornal em inglês China Daily e o
site em inglês da China Global Television Network (CGTN) estão
impulsionando vários anúncios diariamente nessas duas redes sociais globais
para compartilhar a opinião de Beijing sobre as notícias dos ataques no Leste
Europeu. A CGTN administra duas contas no Facebook: uma para o público
europeu e outra para as Américas.
As
publicações, muitas vinculadas a hashtags populares, como #Ukraine ou #UkraineConflict,
passeiam por todo o repertório de posicionamentos da China sobre a ofensiva do
Kremlin em território ucraniano, que na quinta-feira (24) completou um mês.
Aliada da Rússia, Beijing defende a neutralidade ao mesmo tempo em que diz que
Moscou tem direito de defender seus interesses, nega qualquer apoio ao governo
de Vladimir
Putin no conflito e clama pela busca da paz através do diálogo.
“O
embaixador da China nos Estados Unidos disse no domingo que as alegações de que
seu país está fornecendo assistência militar à Rússia em seu conflito com a
#Ucrânia são ‘desinformação'”, observou o China Daily em um post
no Facebook na segunda-feira (21).
Se
de um lado a mídia estatal chinesa rechaça as acusações
de suporte bélico, no front digital a história é outra. Beijing está
trabalhando ativamente – e pagando – para espalhar conteúdo pró-Rússia nas
plataformas de mídia social ocidentais. Em uma publicação da quarta-feira (23),
um post opinativo acusou o governo dos EUA de envolvimento em outros conflitos
históricos.
“Em
vez de tentar encontrar uma maneira de acabar com o derramamento de sangue e
aliviar a crise humanitária no terreno, Biden estará procurando maneiras de
assegurar que as costas de Putin estão contra a parede”, diz uma prévia do
texto, que acrescenta: “Por quê? Porque é isso que os EUA fazem. Porque acham
que é o que melhor serve ao seu propósito. Afinal, é o que sempre fizeram– da
Guatemala, Cuba, Vietnã e Congo, à Nicarágua, Iraque, República Federal da
Iugoslávia, Afeganistão, Líbia, Síria… a lista continua”.
O
trabalho chinês nas redes valerá a pena, avalia Danny Levinson, especialista em
tecnologia e segurança cibernética da China. Ele fez menção à velha máxima de
que “uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade”.
“A
China joga um jogo longo e sempre teve uma habilidade muito aguçada e vontade
de divulgar suas mensagens tanto interna quanto externamente”, diz Levinson. “E
seus métodos de comunicação externa ficaram muito mais fáceis com o surgimento
de plataformas de mídia social baseadas no Ocidente que não têm as mesmas
restrições de conteúdo e políticas de moderação que as empresas chinesas têm na
China”.
Fontes
russas
Reportagem
da rede norte-americana CNN exemplificou
a forma como a China se pauta na narrativa russa a partir da alegação de
supostos laboratórios
de pesquisa biológica coordenados pelos EUA no país invadido, que
vieram à tona no começo do mês. A teoria conspiratória justificava a ação
militar de Putin como uma tentativa de tomar os “biolabs” operados por
Washington e assim impedir produção de armas biológicas.
“Quando
a emissora estatal chinesa CCTV divulgou um pacote em seu noticiário matinal
destacando a alegação errônea de Moscou de que Washington havia financiado o
desenvolvimento de armas biológicas em laboratórios ucranianos, a insinuação
foi usada para sustentar a narrativa de que a Ucrânia– caracterizada por Moscou
como um Estado fantoche americano– ameaça a Rússia, e não o contrário”, observa
a matéria.
Segundo
a CNN, a fonte da informação seria o porta-voz do Ministério da Defesa
russo, Igor Konashenkov, que disse que as forças russas haviam descoberto
“evidências” das “medidas precipitadas para ocultar quaisquer vestígios do
programa biológico militar financiado pelo Departamento de Defesa dos EUA”. As
teorias, endossadas por autoridades russas e chinesas, sustentam que Washington
estaria desenvolvendo e planejando liberar uma arma biológica ou um potencial
novo coronavírus de
dentro de “biolaboratórios” em toda a Ucrânia.
O
site independente de checagem Politifact desmantelou
as teorias, e nenhuma evidência de laboratórios de armas biológicas operado
por Washington na Ucrânia foi apresentada.
Assim
como o Kremlin, que aboliu a palavra “invasão” para definir o que está
acontecendo, a China se refere ao conflito como “operação
militar especial“. Especialistas dizem que a imprensa local obedece ordens
específicas sobre como deve ser a narrativa da guerra. Já no primeiro dia de
combates, a cartilha do governo orientou os veículos a não darem notícias
desvantajosas para Moscou.
Propaganda
barata
Levantamento
feito pela revista norte-americana Foreign
Policy diz que, de acordo com a biblioteca de anúncios do Facebook,
a CGTN impulsionou cerca de 280 anúncios no Facebook no período de 1º
de março a 17 de março. Um anúncio usado como exemplo de alcance, veiculado de
9 a 10 de março, explorou falas importantes do presidente chinês Xi Jinping
sobre a situação na Ucrânia. O resultado foi satisfatório: cerca de 900 mil
impressões a um custo inferior a US$ 100.
Segundo a matéria, a maioria dos anúncios tem baixo custo. Apenas algumas
centenas de dólares ou menos. Os anúncios foram exibidos principalmente no
Nepal, Índia, Bangladesh e Paquistão.
Outras
mídias estatais, como China Daily, People’s Daily e Global
Times, têm usado estratégias semelhantes para espalhar propaganda no Facebook.
Todos eles têm mais seguidores no Facebook do que veículos
tradicionais da imprensa no Ocidente como BBC, CNN e New
York Times, e usam essa presença para divulgar as mensagens da China.
Por
que isso importa?
A
escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão
russa ao país vizinho na quinta-feira (24), remete à anexação da Crimeia pelos russos, em
2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo ano e se estende até
hoje.
O
conflito armado no leste da Ucrânia opõe o governo central às forças
separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que
formam a região de Donbass e foram oficialmente reconhecidas como territórios
independentes por Moscou. Foi o suporte aos separatistas que Putin usou como
argumento para justificar a invasão, classificada por ele como uma “operação
militar especial”.
“Tomei
a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de
Moscou (0h de Brasília) de quinta (24), de acordo com o site independente The Moscow Times. Cerca de 30 minutos depois, as primeira
explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em
Mariupol, no leste do país, segundo a agência AFP.
Para
André Luís Woloszyn, analista de assuntos estratégicos, os primeiros movimentos
no campo de batalha sugerem um conflito curto. “Não há interesse em manter uma
guerra prolongada”, disse o especialista, baseando seu argumento na estratégia
adotada por Moscou. “Creio que a Rússia optou por uma espécie de blitzkrieg,
com ataques direcionados às estruturas
militares“, afirmou, referindo-se à tática de guerra relâmpago dos alemães
na Segunda Guerra Mundial.
O que também tende a contribuir para um conflito de duração reduzida é a decisão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de não interferir militarmente. “Não creio em envolvimento de outras potências no conflito, o que poderia desencadear uma guerra mais ampla e com consequências imprevisíveis”, disse Woloszyn, que é diplomado pela Escola Superior de Guerra.
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