Exército chinês realiza
exercício militar em agosto de 2021: risco de invasão a Taiwan permanece em
2022 (Foto: eng.chinamil.com.cn/)
Da redação
O
ano que chegou ao fim foi marcado por tensões diplomáticas, disputas
geopolíticas sensíveis e a redução da ameaça global do terrorismo islâmico.
Muitas dessas questões não se encerraram em 2021, prometendo se estender por
2022. Neste primeiro dia de janeiro, A
Referência relembra cinco situações delicadas que prometem fazer do
ano que se inicia um momento marcante na história da humanidade.
1 - Tensão
diplomática entre a China e o Ocidente
O
crescimento da influência global e os lampejos imperialistas da China deixaram o Ocidente em
alerta em 2021. A força de Beijing foi
sentida especialmente na região do Pacífico, com o aumento
da repressão em Hong
Kong, a reivindicação de soberania no Mar
da China Meridional e sobretudo a beligerância direcionada a Taiwan. Esta terceira questão, em
particular, aumentou o distanciamento entre a China e as principais potências
ocidentais, gerando tensão com os Estados
Unidos e a União
Europeia (UE). O risco de um conflito militar foi se ampliando
conforme 2021 se aproximou do fim, com as incursões chinesas no espaço aéreo
taiwanês e as ameaças de retaliação do Ocidente.
Taiwan
é uma questão
territorial sensível para os chineses. Relações exteriores que tratem
o território como uma nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em
desacordo com o princípio defendido de “Uma Só China“, que também encara Hong
Kong como parte do território chinês. Diante da aproximação do governo taiwanês
com os Estados Unidos, desde 2020 a China tem endurecido
a retórica contra as reivindicações de independência da ilha.
Embora
não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos
países do mundo, os EUA são o mais importante financiador internacional e
principal fornecedor de armas da ilha, o que causa imenso desgosto a Beijing,
que tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação.
Jatos
militares chineses passaram a realizar
exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente
invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que a China não aceitará a
independência do território “sem
uma guerra“.
O embate,
porém, pode não terminar em confronto
militar, e sim em um bloqueio total da ilha. É o que apontaram relatórios
produzidos pelos EUA e por Taiwan em junho de 2021. O documento taiwanês pontua
que Beijing não teria capacidade de lançar uma invasão em grande escala.
Segundo o Pentágono, isso “provavelmente sobrecarregaria as forças armadas
chinesas”.
Caso
ocorresse, a escalada militar criaria um “risco político e militar
significativo” para Beijing. Ainda assim, ambos os relatórios reconhecem que a
China é capaz de bloquear Taiwan com cortes dos tráfegos aéreo e naval e
das redes de informação. O bloqueio sufocaria a ilha, criando uma reação
internacional semelhante àquela que seria causada por uma eventual ação
militar.
Em
artigo publicado em novembro, Michael
Beckley e Hal Brands alertaram que o tempo está se esgotando para
frear o ímpeto belicista chinês. “Os sinais de alerta históricos da China já
estão piscando em vermelho. Na verdade, ter uma visão de longo prazo de por que
e sob quais circunstâncias a China luta é a chave para entender o quão curto o
tempo se tornou para os Estados Unidos e os outros países no caminho de
Beijing”.
2 - Possível
invasão da Ucrânia pela Rússia
A tensão entre Ucrânia e Rússia explodiu com a
anexação da Crimeia por Moscou, em 2014, e ganhou força novamente em
2021. Isso porque Moscou apoia os separatistas que enfrentam as forças de Kiev
na região leste ucraniana. O conflito armado, que já matou mais de dez mil
pessoas, opõe o governo ucraniano às forças rebeldes das autodeclaradas
Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que formam a região de Donbass.
Washington
tem monitorado o crescimento do exército russo na região fronteiriça e
compartilhou informações de inteligência com seus aliados. Os dados apontam um
aumento de tropas e artilharia russas que permitiriam um avanço rápido e em
grande escala, bastando para isso a aprovação de Putin e a adoção das medidas
logísticas necessárias.
Especialistas
calculam que a Rússia tenha entre 70
mil e 100 mil soldados nas proximidades da Ucrânia, sendo necessária
uma força de 175 mil para invadir, além de mais combustível e munição, cujos
estoques atuais na região seriam insuficientes. Conforme o cenário descrito
pela inteligência dos EUA, as tropas russas invadiriam o país vizinho pela Crimeia e
por Belarus.
1ª
Divisão Blindada das Forças Armadas da Rússia durante exercício: invasão
iminente (Foto: Russian Ministry of Defence/Divulgação)
Um
eventual conflito, porém, não seria tão fácil para Moscou como os anteriores.
Isso porque, desde 2014, o Ocidente ajudou a Ucrânia a desenvolver e ampliar
suas forças armadas, com fornecimento de armamento, tecnologia e treinamento.
Assim, embora Putin negue qualquer intenção de lançar uma ofensiva, se isso
ocorrer, as tropas russas enfrentariam um exército ucraniano muito mais capaz
de resistir.
Enquanto
o mundo acompanha tenso o risco de uma guerra, a Rússia condiciona um eventual
acordo de paz ao distanciamento entre a Otan (Organização do Tratado do
Atlântico Norte) e a Ucrânia. A expansão do bloco atlântico rumo ao leste é um
antigo temor de Moscou e está diretamente relacionado ao aumento de tropas
russas perto das fronteiras ucranianas.
Na
visão de Vladimir
Frolov, especialista em relações internacionais, as condições exageradas
impostas pela Rússia parecem ser apenas uma cortina de fumaça. “A escalada
continua provável, devido a requisitos irrealistas sendo feitos em prazos
artificialmente curtos, bem como a ênfase insuficiente na diplomacia – e
exagerada no aspecto militar”. O ano de 2022 nos mostrará se Frolov tem razão.
3 - Reconhecimento
internacional do governo talibã
No
dia 15 de agosto de 2021, o Taleban derrubou
o governo legítimo do Afeganistão e
assumiu o comando do país. Desde então, os talibãs têm imposto um regime
baseado numa interpretação radical da Sharia, a lei islâmica, que atinge
especialmente as mulheres, proibidas de trabalhar, estudar, praticar
esportes, aparecer
na TV e até de viajar.
Paralelamente, o grupo fechou 2021 buscando reconhecimento internacional como
governo afegão de direito, missão prejudicada justamente por seu radicalismo.
No
início de dezembro de 2021, em sua Assembleia Geral, a ONU (Organização das
Nações Unidas) aprovou uma determinação adiando indeterminadamente o
reconhecimento do Taleban como governo legítimo do Afeganistão. O anúncio significa
que a organização islâmica não será autorizada a entrar no organismo
intergovernamental, mantendo-se assim distante da comunidade internacional.
Diversos
países ocidentais chegaram a se reunir com representantes talibãs, mas sem
maiores avanços diplomáticos. Rússia, Irã, China, Uzbequistão, Turcomenistão
e Paquistão estão
entre as nações que mantém contato mais próximo com os novos governantes afegãos,
mas sem um reconhecimento formal. Até o governo paquistanês contestou
o tratamento dispensado às mulheres no Afeganistão, exigência
semelhante à feita pelo Ocidente para iniciar qualquer tratativa no sentido de
aproximar os talibãs da cúpula governista global.
A
China até negocia acordos comerciais com o Taleban, mas não passa disso.
A China Metallurgical Group (MCC), empresa estatal chinesa, firmou em
2007 um contrato para desenvolver o campo da mina de cobre Aynak, cerca de 32
quilômetros a sudeste de Cabul. O investimento chegaria
a US$ 2,8 bilhões e envolveria construções de uma usina de energia elétrica e
de estradas de ferro, gerando 5 mil empregos locais. O projeto foi interrompido
desde a queda de Cabul, mas tende a ser retomado em 2022.
“Nós
consideramos reabri-lo depois que a situação se estabilizar e o reconhecimento
internacional, incluindo o reconhecimento pelo governo chinês do regime
do Taleban, ocorrer”, disse um funcionário não identificado da MCC ao
jornal estatal Global Times, da China.
Wang
Yu, embaixador chinês no Afeganistão, disse que a China também tem dado suporte
aos talibãs no campo diplomático. “Temos falado no cenário internacional pelos
países em desenvolvimento, como o Afeganistão e outros países que sofrem
tratamento injusto”, disse ele. Entretanto, Beijing deixou transparecer que,
embora veja com bons olhos o reconhecimento internacional do Taleban, não
pretende ser a primeira nação a fazê-lo.
Mais
do que legitimar o poder talibã internacionalmente, o reconhecimento é crucial
para fortalecer financeiramente um país pobre e sem perspectivas imediatas
de gerar
riqueza. Inclusive, os Estados Unidos, o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional (FMI) cortaram o acesso de Cabul a mais de US$ 9,5 bilhões em
empréstimos, fundos e ativos, e somente as boas relações diplomáticas
permitiriam o fim desse bloqueio.
4 - Fortalecimento
militar da Sérvia
Em
2018, o orçamento militar da Sérvia foi de US$ 700
milhões. Em 2021, mesmo em meio a uma pandemia que exigiu investimento elevado,
o país mais que duplicou aquele valor, para US$ 1,5 bilhão. Assim, deixou para
trás a vizinha Croácia,
que é membro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e se tornou a
nação mais militarizada dos Bálcãs, colocando as nações mais próximas em alerta
para um possível conflito.
Em
setembro de 2021, durante as comemorações de um feriado nacional, o presidente
Aleksandar Vucic celebrou o fato de o exército sérvio estar “cinco vezes mais
forte” em relação há alguns anos atrás. E tratou o orçamento elevado como uma
conquista nacional, dizendo que o poderio militar “aumentará drasticamente nos
próximos nove meses” e que o exército “sempre estará em posição de defender
nosso país e nosso povo”.
O
incremento do arsenal sérvio não foi ignorado pelos vizinhos. Em julho, a Bósnia e Herzegovina manifestou
preocupação quando o Ministro do Interior da Sérvia disse que “a tarefa desta
geração de políticos é formar um mundo sérvio, ou seja, unir os sérvios onde
quer que vivam”. A declaração foi interpretada como uma referência à Guerra
da Bósnia, ancorada no conceito de “Grande Sérvia” que levou a uma limpeza
étnica por forças militares e paramilitares sérvias no país vizinho, entre 1992
e 1995.
Para
Daniel Serwer, um dos negociadores do Acordo de Paz de Dayton de 1995, que
encerrou aquele conflito, é impossível separar a declaração do ministro do
massacre dos anos 1990. “O mundo sérvio é indistinguível da Grande Sérvia, ou
de todos os sérvios em um país”, diz ele.
Na
visão de Reuf Bajrovic, da organização Aliança EUA-Europa, a movimentação
militar da Sérvia sugere a intenção de agir
no Kosovo e na Bósnia assim que as circunstâncias forem favoráveis. E
isso pode ocorrer em 2022, aproveitando inclusive a cortina de fumaça fornecida
por outros conflitos paralelos, como aqueles que se desenham em Taiwan e na
Ucrânia.
São
duas as hipóteses que dariam a Vucic a confiança para iniciar um conflito: a
saída das tropas norte-americanas da força de paz estabelecida no Kosovo ou uma
sinalização de que a Rússia, principal aliada de Belgrado, esteja disposta a
interceder na região.
“Mercenários treinados
pela Rússia na Bósnia e em Montenegro são parte integrante da estratégia
militar sérvia para a região. É uma cópia carbono das ações pré-invasão de
Putin na Geórgia e na Ucrânia”, diz Bajrovic. “Oficiais do governo de Vucic
declararam abertamente que a Sérvia usará força militar em sua vizinhança,
incluindo uma ameaça que Vucic lançou contra as tropas da Otan no Kosovo
recentemente”.
A
eventual ação militar na Bósnia teria um efeito imediato, que seria o fim das
ambições da Sérvia de ingressar na UE. “Mas Vucic parece já ter desistido
da adesão
à UE“, diz Serwer, que acrescenta. “A situação é perigosa. A Otan precisa
deixar claro que não tolerará a mobilização de forças sérvias contra seus
vizinhos, como fez contra o Kosovo, que não tem exército”.
A
questão no Kosovo é particularmente espinhosa. Sérvia e Kosovo mantêm péssimas
relações desde a guerra travada em 1998 que separou o território do país
báltico. Após sua declaração unilateral de independência de Belgrado, em 2008,
o Kosovo hoje tem o reconhecimento
dos EUA e da UE, enquanto Sérvia e Rússia ainda
reconhecem o território como sendo sérvio.
No
caso da Bósnia, a questão étnica gera uma tensão interna que remete ao Acordo
de Paz de Dayton, que acabou por dividir o país em duas entidades políticas
independentes: a Federação da Bósnia-Herzegovina, a cargo de Bosniaks (muçulmanos)
e croatas, e a República Srpska, controlada por sérvios étnicos. Uma eventual
invasão sérvia teria como objetivo colocar sob o domínio de Belgrado o
território de maioria sérvia.
5 - A
retomada do terrorismo islâmico
Ações
antiterrorismo globais enfraqueceram nos últimos anos os dois principais grupos
terroristas do mundo, o Estado Islâmico (EI)
e a Al-Qaeda. Já a pandemia
de Covid-19 fez cair o número
de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como a redução do
número de pessoas em áreas públicas. Nesse cenário, quem ganhou espaço no
noticiário foi o Estado
Islâmico-Khorasan (EI-K), braço do grupo extremista no Afeganistão e
responsável por ataques violentos no país desde que o Taleban assumiu o poder.
Em 2022, o EI-K pode se tornar um ator global no cenário do terrorismo islâmico,
situação preocupante se vier acompanhada da retomada do EI e da Al-Qaeda.
Segundo
Colin Kahl, terceiro nome na hierarquia de lideranças do Pentágono, em breve o
EI-K e a Al-Qaeda terão condições de empreender ataques contra os Estados
Unidos. Quando fez a previsão, em pronunciamento perante o Congresso
norte-americano, em outubro de 2021, Kahl disse que o prazo para os dois grupos
ganharem força global seria de até um ano.
“A
comunidade de inteligência avalia atualmente que tanto o EI-K quanto
a Al-Qaeda têm a intenção de realizar operações externas, inclusive
contra os Estados Unidos. Mas nenhum dos dois tem atualmente a capacidade de
fazê-lo. Podemos ver o EI-K gerar essa capacidade em algo entre seis e 12
meses”, disse Kahl.
A
preocupação com a violenta facção afegã não é nova em Washington. Durante
audiência no Congresso, no mês passado, a principal autoridade contraterrorismo
do governo, Christine Abizaid, disse que o EI-K parecia se aproveitar da
notoriedade que ganhou após o ataque ao aeroporto de Cabul. “Será que ele se
tornará mais focado no Ocidente? Ele se tornará mais focado na nossa pátria do
que antes?”, questionou ela à época.
Segundo
o general Kenneth McKenzie, comandante das forças dos EUA no Oriente Médio e no
Sul da Ásia, o grupo se fortaleceu ainda mais desde que o Taleban assumiu o
comando do país, em parte por erros dos atuais governantes. Entre suas ações,
os talibãs esvaziaram prisões e libertaram milhares de apoiadores do EI,
muitos dos quais se juntaram às fileiras do EI-K. “O que vemos é o EI
recém-rejuvenescido”, disse ele.
Paralelamente
ao crescimento do EI-K, as duas maiores organizações terroristas do mundo
ganharam relevância na África, graças à ação de grupos
afiliados regionais, como Al-Shabaab e Boko Haram, ligados à Al-Qaeda, ISWAP e EIGS, facções do EI. A expansão em
muitas regiões do continente africano é alarmante e pode marcar a retomada de
força global dessas duas organizações, algo que em determinado momento tende a
refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos
preferenciais de ataques terroristas islâmicos.
No
ano passado completaram-se duas décadas de combate ao terrorismo islâmico no
mundo, missão que teve como marco inicial a queda das Torres Gêmeas em 11 de
setembro de 2001. Embora a ação antiterrorista tenha avançado, uma vitória
definitiva está distante. Como atesta a especialista em questões de
segurança Elena
Pokalova. “Precisamos aumentar a cooperação internacional em
contraterrorismo e exercer um compromisso confiável com aqueles que desejam
estar conosco na luta contra o terrorismo. Tal como há 20 anos, o terrorismo
continua a ser uma ameaça transnacional e não podemos combatê-lo sozinhos”.
Para ler mais
acesse, www: professortacianomedrado.com
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