Os efeitos da pandemia na saúde dos brasileiros foi arrasador, mesmo entre
aqueles que não contraíram a covid-19.
Durante o ano de 2020, quando o Brasil passou mais tempo em isolamento social para frear o avanço do coronavírus,
houve aumento no consumo abusivo de bebidas alcoólicas e no sedentarismo entre
a população brasileira, o que desencadeou a elevação da taxa de pessoas com
doenças crônicas, como a obesidade. Isso é que mostra a pesquisa Doenças
Crônicas e Seus Fatores de Risco e Proteção: Tendências Recentes no Vigitel,
realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas
Em
2019, a obesidade atingia 20,3% dos adultos nas capitais do País, mas, em 2020,
a doença passou a afetar 21,5% deste grupo, com maior prevalência nos Estados
do Sul, Sudeste e Nordeste. Manaus (24,9%), Cuiabá (24,0%) e Rio de Janeiro
(23,8%) lideram o ranking de maior incidência da obesidade. Até 2011, nenhuma
capital havia ultrapassado a taxa de 20%.
O
índice nacional chega a quase o dobro do que foi registrado 14 anos antes, em
2006, quando só 11,8% da população brasileira era portadora desse tipo de
comorbidade. O ano marca a primeira vez que foi realizado o levantamento Vigilância
de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico
(Vigitel) pelo Ministério
da Saúde, de onde os dados do IEPS foram extraídos. Foram entrevistadas
27.077 pessoas nesta edição do estudo.
Especialistas
ouvidos pelo Estadão afirmam que a alteração no estilo de vida dos
brasileiros, provocada pela pandemia, foi determinante para o surgimento – e
até agravamento – de hábitos prejudiciais à saúde, assim como para a ocorrência
de transtornos psíquicos que desencadeiam outras doenças.
A
vestibulanda de Artes Visuais Isabella Stael, de 19 anos, atribui o aumento do
consumo de bebidas alcoólicas na pandemia ao que chama de “desgaste
psicológico”. Ela afirmou que o álcool é utilizado como refúgio para relaxar e
se divertir em meio ao estresse causado pela covid e pelos estudos, sem que
haja, necessariamente, uma ocasião especial.
“Em
grande parte, o consumo de álcool que faço está ligado a aliviar a pressão e
não precisar pensar no futuro. Também está relacionado a dias em que estou muito
cansada, ou em outros em que o esgotamento mental é tão grande que fico
frustrada por não conseguir estudar direito e chego ao final do dia querendo
beber”, disse Isabella ao Estadão.
O
psiquiatra Guido Palomba, da Associação Paulista de Medicina, vê relação
direta entre a pandemia e a alta da taxa de doenças crônicas. Na sua avaliação,
isso ocorre porque as pessoas precisam restringir a locomoção e lidar com a
superexposição a notícias negativas. Isso, afirma, desencadeia transtornos
psiquiátricos que colaboram para o surgimento de comorbidades.
A
demanda excessiva de trabalho provocada pelo home office também é apontada por
Palomba como fator inerente ao "novo normal" criado pela crise
sanitária, que estimula hábitos pouco saudáveis. “A alimentação e o álcool são
formas de gratificação nesses momentos ruins. Consequentemente, temos o aumento
de casos de obesidade, diabetes e problemas cardíacos", argumenta.
Beatriz
Rache, mestre em Economia pela Universidade Columbia (EUA) e autora
da pesquisa do IEPS, destaca o aumento dos fatores de risco à saúde, como
o consumo de ultraprocessados (biscoitos, chocolate, salsicha, margarina, entre
outros), em praticamente todos os segmentos da pesquisa. Somente o tabagismo se
manteve estável em 2020 ante 2019. Em contrapartida, o consumo abusivo de
álcool partiu de 18,8% para 20,4%, mesmo cenário observado em relação ao
sedentarismo, que saiu de 13,9% para 14,9%.
Ela
enfatiza a importância do estudo em dois aspectos: na capacidade de aferir a
prevalência das doenças no País e munir agentes públicos com subsídios para a
produção de respostas no sistema de saúde e na tradução para o público não
especializado dos dados complexos reunidos pelo Vigitel. O IEPS explica
que a nota técnica foi produzida para preencher a lacuna ocasionada pelo apagão
de dados do Ministério da Saúde após um ataque hacker, que atrasou a
publicação do estudo de 2020 e tem afetado o levantamento com as informações
referentes a 2021.
“A
gente vê, entre 2019 e 2020, uma piora de todos os indicadores de riscos
comportamentais e por isso é possível associar ao aumento da obesidade. Apesar
de a Vigitel não permitir fazer essa correlação, os dados mostram que
a pandemia parece estar associada aos resultados de 2020, um ano tanto de
estresse econômico quanto sanitário”, constatou Beatriz Rache.
Presidente
da Associação Médica Brasileira, César Fernandes destaca a
importância de as autoridades realizarem grandes campanhas de conscientização
sobre os perigos da alimentação inadequada e da falta de atividade física.
“Muitas famílias mudaram seus hábitos alimentares para pior, com o teor de
gordura e caloria aumentado. As pessoas começaram a se servir por meio de
delivery. Não bastasse isso, os brasileiros se privaram de atividades físicas
habituais, como pequenas caminhadas no cotidiano. O balanço energético se
tornou desfavorável, com mais consumo e menos gasto, o que tende a gerar
obesidade. Fora isso, as doenças emocionais também refletem na mudança de
hábitos de vida”, diz.
A
nota técnica do IEPS também traz um retrato de como a desigualdade
socioeconômica é determinante para o surgimento de doenças crônicas. Nos
estratos populacionais menos escolarizados – e, consequentemente, de menor
renda –, a chance de adquirir enfermidades, como hipertensão e diabete, chega a
ser duas vezes maior do que entre aqueles que tiveram acesso à educação formal
por mais tempo.
É
considerado pouco escolarizado o adulto que estudou por até oito anos. Na outra
ponta, os mais escolarizados passaram mais de 12 anos nas salas de aula. Um
homem ou mulher do primeiro grupo, em 2020, tinha quase 50% de chance de ser
diagnosticado com hipertensão arterial – os dados indicam 44,7% de prevalência
neste segmento. Já no segundo conjunto, a possibilidade era de apenas 15,2%. Em
relação à diabete mellitus, a proporção foi de 15,2% ante 4,4%. No quesito
obesidade, a comparação ficou em 25,3% e 19,3%, respectivamente.
“Com
a piora da pobreza e o aumento da desigualdade, a gente imagina que esse abismo
entre os grupos socioeconômicos reflita ainda mais em saúde", afirma
Beatriz. "O mais importante é continuar monitorando e tendo pressão
política para realizar e divulgar esses estudos, e fazer com que os resultados
cheguem onde é preciso em todos os níveis de formulação de políticas
possíveis”, acrescenta. “Em algum momento, esses dados vão chegar ao sistema de
saúde na forma de mais hipertensos e obesos.”
O
acesso à educação formal também está ligado a hábitos mais saudáveis. O
sedentarismo está presente só entre 12,5% dos mais escolarizados em comparação
ao índice de 20,9% entre aqueles com menos estudo. O mesmo ocorre em relação ao
tabagismo: 5,5% contra 7,9%. O consumo abusivo de álcool, por outro lado, é
maior entre aqueles que passaram mais tempo na escola e na universidade, com
23,8% de prevalência neste grupo, ante apenas 15% entre os de baixa
escolaridade.
Fonte: Estadão
Para ler mais acesse, www:
professortacianomedrado.com
AVISO: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Blog do professor Taciano Medrado. Qualquer reclamação ou reparação é de inteira responsabilidade do comentador. É vetada a postagem de conteúdos que violem a lei e/ ou direitos de terceiros. Comentários postados que não respeitem os critérios podem ser removidos sem prévia notificação.
Postar um comentário