(*) Por Fabio Paulo Reis de Santana
Em
sua obra clássica do ano de 1835, denominada de "A Democracia na
América", o autor francês Alexis de Tocqueville desembarcou nos Estados
Unidos e se pôs a analisar o modelo político desse país, apresentando ao leitor
as seguintes perguntas: "Alguém acredita que, depois de ter destruído
feudalismo e vencido os reis, a democracia recuará diante dos burgueses e dos
ricos? Irá ela se deter agora, que se tornou tão forte e seus adversários, tão
fracos?"
Bom,
se Tocqueville tivesse descido aqui no Brasil no período eleitoral de 2018, a
pergunta acima não seria nada retórica. Desde então, um fenômeno social tem
despontado no cenário político nacional: as fake news (notícias falsas).
As
fake news, em linhas gerais, caracterizam-se por serem notícias falsas
(mentiras) intencionalmente criadas com objetivos variados, entre os mais
importantes o de provocar a desinformação da população, o de propagar
discurso de ódio (hate speech) e o de atentar contra as instituições
democráticas.
No
entanto, resta uma inquietação: como uma mentira (notícia falsa) pode ter
tamanha adesão social ou, em termos mais atuais, viralizar na internet?
Para
responder a esse questionamento, é necessário trazer à baila o conceito de
pós-verdade.
Em
2016, o dicionário Oxford elegeu como a palavra do ano o termo
"pós-verdade", apresentando como seu significado: "Relativo
a ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos
influenciadores na formação da opinião pública do que apelos à emoção ou à
crença pessoal".
Em
outras palavras, o significante "pós-verdade" denota uma
relativização da percepção do verdadeiro a partir das convicções pessoais do
receptor da mensagem, e não com base nas comprovações fáticas. Isto é, o
prefixo "pós" indica que, no momento social atual, a verdade
demonstrável teria ficado para trás.
Por
sua vez, a Academia Brasileira de Letras (ABL), em seu sítio eletrônico, assim
define a expressão "pós-verdade": "Contexto em que
asserções, informações ou notícias verossímeis, caracterizadas pelo forte apelo
à emoção, e baseadas em crenças pessoais, ganham destaque, sobretudo social e
político, como se fossem fatos comprovados ou a verdade objetiva".
Esse,
portanto, é o caldo de cultura propício para o desenvolvimento das fake news.
Isso porque as mentiras são cirurgicamente fabricadas se apoiando em crenças
pessoais — de um certo grupo ou da maioria das pessoas —, com vistas a
disseminar, muitas vezes, discursos de ódio, desinformação generalizada ou
ataques à democracia.
Diz-se
"cirurgicamente fabricadas" porque são elaboradas com base em
prévia pesquisa de campo, seja por meio de coleta, legal ou ilegal, de
informações constantes em bancos de dados de empresas ou de aplicativos de
celular, seja por meio de pesquisa direta propriamente dita.
Portanto,
se determinado grupo social se encontra inclinado, por suas convicções
pessoais, a acreditar em determinada narrativa, basta que um agente
mal-intencionado lance uma mentira alinhada com essa narrativa para que ela
seja aceita por esse grupo.
O
que se verifica, então, é que as fake news, que visam a incitar discursos de
ódio, a promover desinformação generalizada na sociedade e a realizar ataques à
democracia, não se inserem no âmbito de proteção do direito fundamental à
liberdade de expressão garantida pelo artigo 5º, inciso IV, da Constituição
Federal, que prevê a liberdade de manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato. Antes, traduz investida orquestrada contra a estabilidade
democrática e contra a paz social, com o desiderato de tomada ou de manutenção
do poder.
Como
cediço, as eleições nacionais e estaduais de 2022 despontam no horizonte.
Milhões de brasileiros votarão nos seus representantes políticos. À luz do
quanto se testemunhou nos últimos anos, é possível que emerjam fake news com
vistas à quebra da harmonia entre os poderes constitucionais, em violação ao
artigo 2º da Constituição Federal; ao aprofundamento da discriminação racial,
em afronta ao artigo 5º, inciso XLII, da mesma Carta Magna; à ação de grupos
armados, civis ou militares, contra o Estado democrático de Direito, em
vilipêndio ao disposto no artigo 5º, inciso XLIV, do mesmo Diploma Maior.
Assim,
faz-se fundamental que as instituições estabelecidas, como, por exemplo, a OAB
e o Ministério Público permaneçam sempre vigilantes — com muito mais atenção
nos períodos eleitorais —, a fim de garantir a defesa da Constituição, federal
ou estadual, do Estado democrático de Direito e dos direitos humanos, conforme
preconizam o artigo 44, inciso I, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) e o
artigo 1º, caput, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público).
Artigo publicado original emente no site da Revista Consultor Jurídico
Para ler mais acesse, www:
professortacianomedrado.com
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