Da Redação
Para
acelerar o desmatamento de grandes áreas e abrir espaço para a soja e o gado,
fazendeiros estão jogando grandes quantidades de agrotóxicos de avião sobre a
floresta Amazônica e outros biomas.
Levantamento
inédito feito pela Agência Pública e Repórter Brasil revela que, nos últimos 10
anos, cerca de 30 mil hectares de vegetação nativa foram literalmente
envenenados. A área corresponde a 30 mil campos de futebol.
Esses
foram os casos que caíram na fiscalização do Ibama, que aplicou mais de R$ 72
milhões em multas de 2010 a 2020 especificamente em casos de desmatamento com
pulverização aérea de agrotóxicos. Com o desmonte da fiscalização ambiental
promovida pelo governo Bolsonaro, o problema tende a ser maior do que os dados
apontam.
Como
todos esses casos ocorreram sem autorização dos órgãos ambientais, não é
possível saber se os responsáveis tiveram o cuidado de tirar os animais e as
pessoas que circulavam por essas áreas enquanto o avião jogava os
químicos.
O
processo lembra aquele usado pelo exército norte-americano durante a guerra no
Vietnã, quando aviões americanos despejaram o agente laranja, um agrotóxico que
tinha a função de “ neutralizar” a floresta, usada como refúgio do exército
local. Além de matar a vegetação vietnamita, que até hoje contém resíduos
desses tóxicos, o agente laranja continua fazendo vítimas. Após quase 50 anos
do fim da guerra, muitas crianças no país nascem com deficiências como síndrome
de Down, paralisia cerebral e desfiguração facial extrema.
Um
dos agrotóxicos que faziam parte da composição do agente laranja, o 2,4-D, foi
encontrado pelos fiscais na fazenda que usou veneno para destruir a maior área
de floresta. O caso ocorreu em Paranatinga, no Mato Grosso, estado que lidera o
ranking de envenenamento da floresta.
AGROTÓXICOS USADOS
Em janeiro de 2018 os fiscais do Ibama começaram a notar, via satélite,
as primeiras clareiras na mata de Paranatinga. A fiscalização ocorreu oito
meses depois, quando o estrago já estava feito. Na ocasião, encontraram três
estradas recém abertas cortando a fazenda de 37 mil hectares, um grande estoque
de sementes de pastagem, um avião que realizava a pulverização aérea e os
agrotóxicos glifosato e 2,4-D – que estão entre os mais vendidos no Brasil.
Laudos
realizados pelo Instituto também verificaram a presença do herbicida Alacloro,
classificado moderadamente tóxico pela Anvisa e do inseticida Carbossulfano,
classificado como altamente tóxico. Devido aos riscos, os dois são proibidos para
uso em pulverização aérea.
Pelo
caso, o pecuarista Edio Nogueira, dono da Agropecuário Rio da Areia, foi
multado em R$ 52 milhões por jogar agrotóxicos e assim destruir 23 mil hectares
– 22 mil campos de futebol – de floresta. A sua fazenda, conhecida como Cristo
Rei, fica em território tradicional indígena reivindicado na Justiça pela etnia
Ikpeng. O grupo foi deslocado pelos irmãos Villas Boas na época da criação do
Parque Nacional do Xingu, que fica a 18km do local.
Edio
Nogueira já é conhecido pelos fiscais do Ibama. Dono de sete fazendas
espalhadas pelo Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, possui outras multas por
desmatamento tanto por fogo quanto por uso de agrotóxicos – inclusive na
própria fazenda Cristo Rei – somando mais de R$ 7 milhões em multas.
Ouvida
pela reportagem, Mariella Maccari, advogada que representa Nogueira na ação,
confirmou que seu cliente provocou o desmatamento da área. “Por mais que ele
tenha desmatado, ele tem a reserva legal dele conservada, inclusive a maioria
[das suas propriedades] possui um superávit de reserva”.
No
processo, porém, seus advogados negam o fato e tentam provar a inocência de
Nogueira para retirar o embargo imposto à área. Um laudo apresentado por eles
mostra que não foram encontrados resquícios de agrotóxicos e que a vegetação
está preservada. Os advogados argumentam que o embargo está prejudicando o
empreendimento, por isso deveria ser suspenso até a audiência de conciliação.
Mas os negócios de Nogueira não estão parados. Com alguma frequência os gados da
fazenda Cristo Rei são vendidos em leilões online.
VENDA DE MADEIRA
Um ano após o ato criminoso em Paranatinga, uma área de cerca de 2 mil
hectares da Floresta Amazônica também virou um campo aberto. O caso ocorreu em
Juína (MT), a 745 km de Cuiabá.
Após
fiscais do Ibama detectarem via satélite o desmatamento de uma grande área na
cidade, fizeram uma vistoria no local e constataram a presença de resíduos de
dois agrotóxicos: clorpirifós e tebuconazol, que podem ser utilizados em
diversas culturas, inclusive, para a preservação de madeira. Ou seja, os
venenos preservam a madeira para que seja vendida de modo ilegal. O clorpirifós
foi banido nos EUA por estar associado a problemas de desenvolvimento
neurológico, principalmente em crianças.
O
Ibama embargou a área e aplicou uma multa de cerca de R$ 10 milhões a Edimilson
Antonio Bravo, apontado pelo órgão como dono da área onde houve o desmatamento.
Segundo fonte ouvida pela reportagem, Bravo é um grande empresário e fazendeiro
da região, tendo como principais atividades a construção de pré-moldados e
estruturas metálicas, a pecuária e a venda de madeira. A reportagem não
encontrou informações oficiais sobre os seus negócios com a venda de madeira.
O
advogado de Bravo é evasivo sobre as atividades de seu cliente. Por telefone,
confirmou que ele é produtor agropecuário. “O tamanho, se ele é grande, médio,
pequeno [produtor], se ele mexe com extração de madeira, esses detalhes eu não
tenho”. Ele nega que seu cliente seja responsável pela área onde houve o
envenenamento da floresta, afirmando que enviou as provas ao Ministério Público
do Estado. Marcelo Linhares, promotor de justiça cível responsável pelo caso,
porém, nega que as tenha recebido e diz que planeja entrar com uma ação civil
pública contra o fazendeiro e enviar seu caso à promotoria criminal.
Segundo
Linhares são poucas as autuações relacionadas a agrotóxicos em Juína, apesar de
a pulverização aérea ser bastante comum na região.
DESMANTAMENTO:
Essa é a primeira vez que se revela o número significativo de casos de
agrotóxicos sendo usados para desmatar. Mas a relação entre o uso dessas
substâncias e a destruição da floresta não é surpresa.
O
atlas Geografia da assimetria: o ciclo vicioso de pesticidas e colonialismo na
relação comercial entre o Mercosul e a União Européia, da pesquisadora da USP
Larissa Bombardi, mostra o avanço das propriedades agrícolas que usam
agrotóxicos na região da Amazônia Legal. As propriedades que mais usam
pesticidas foram relacionadas com o avanço do desmatamento na região que é conhecida
como “arco do desmatamento” na Amazônia.
A
impunidade e a falta de fiscalização são motores desse avanço. Até hoje apenas
3 multas foram pagas das 14 aplicadas por desmatamento com uso de agrotóxicos.
A expectativa é que a maioria nunca seja quitada. Via de regra no Ibama, quanto
maior a multa, menor a chance de ser julgada e o pagamento acontecer. Um
levantamento feito pela Universidade Federal do Paraná mostra que apenas 1
entre 28 multas do órgão com valor acima de R$ 1 milhão entre 2008 e 2017 foi
paga.
“A
expectativa é que o uso de agrotóxicos para desmatamento vai se intensificar no
próximo período, porque está mais fácil, mais acessível e mais consolidado”,
afirma Naiara Bittencourt, advogada do Terra de Direitos.
Criança
de 7 anos ficou com feridas abertas pelo corpo após levar banho de agrotóxico.
Moradores de comunidades rurais no Maranhão e Pará gravaram o momento em que os
aviões jogam pesticidas sobre suas casas em áreas disputadas com grandes
fazendeiros
O
estudo mostra ainda que há um vazio de fiscalização para agrotóxicos em regiões
de grandes produtores, como Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. As fiscalizações
também não acontecem no mesmo ritmo do avanço das fronteiras agrícolas nas
regiões Norte e Nordeste e dentro dos estados mais atuantes, Rio Grande do Sul
e São Paulo, onde a fiscalização é altamente concentrada em municípios
específicos.
No
Mato Grosso, primeiro do ranking denunciado pela reportagem e maior consumidor
de agrotóxicos do Brasil, apenas 5 cidades têm bases do Instituto, além de 10
unidades de fiscalização da secretaria de meio ambiente estadual, muitas vezes
comandada por suspeitos de infração ambiental.
Em
2005, a atual secretária do Meio Ambiente do Mato Grosso, Mauren Lazzaretti foi
presa na Operação Curupira. Na época, ela trabalhava na antiga Fundação
Estadual de Meio Ambiente. Sua prisão, revogada dias depois pela justiça,
estava relacionada à investigação de crimes de corrupção envolvendo
funcionários da pasta e foi considerada abusiva pela Ordem de Advogados do
Brasil (OAB) no estado. Em 2016, Lazzaretti virou secretária adjunta de
Licenciamento Ambiental no estado a convite do então secretário Carlos Fávaro,
ex-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso
(Aprosoja).
Para
ela, as fiscalizações no estado são mais do que suficientes. “Eu não tenho que
ter 500 pessoas, cada uma a um quilômetro para conseguir apurar uma infração.
Além disso, todas as nossas autuações têm como insumo tecnológico as imagens
[de satélite]”
Com informações da Agência
Pública e Repórter Brasil
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
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