Por José Marques
De um ex-integrante da Lava Jato a uma fiscal
aposentada que foi chamada por um delator de "rainha da corrupção",
defesas têm proposto a reversão de PADs (processos administrativos
disciplinares) de seus clientes com base na aplicação retroativa da nova Lei de
Improbidade Administrativa. As informações são da FolhaPress.
Essas
ações disciplinares podem resultar em sanções como a demissão ou a perda da
aposentadoria e são reguladas por legislação específica.
No
entanto, há entendimento entre advogados de que o previsto na lei de
improbidade pode afetar esses procedimentos. Além disso, normas mais benéficas
podem retroagir para favorecer acusados.
Como
a nova Lei de Improbidade afrouxa normas da legislação anterior, mesmo antes da
sanção do presidente Jair Bolsonaro, em 26 de outubro, defesas já anteviam a
possibilidade de recursos em diversos processos.
Essa
era uma das possibilidades estudadas pela defesa do procurador da República
Diogo Castor de Mattos, ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato do Paraná,
que teve a pena de demissão aplicada pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério
Público).
Castor
bancou, em Curitiba, um outdoor em homenagem à operação, e por 6 votos a 5, o
plenário do CNMP considerou que o procurador cometeu ato de improbidade
administrativa.
Ele
foi membro da antiga força-tarefa de Curitiba e cedeu cerca de R$ 4.000 em
recursos próprios para a propaganda colocada na saída do aeroporto da capital
paranaense no início de 2019, por ocasião dos cinco anos da investigação.
Porém,
deve haver uma ação de perda de cargo para que haja essa demissão. A defesa
vinha argumentando que a nova Lei de Improbidade Administrativa menciona
proibição a autopromoções que usem "recursos do erário", e que ela
pode ser aplicada retroativamente ao caso do procurador.
No
Tribunal de Justiça de São Paulo, uma funcionária sob suspeita de
enriquecimento ilícito tem tentado, ainda sem sucesso, considerar os efeitos da
nova lei tanto em uma ação civil pública em que é acusada de improbidade quanto
em PAD que tenta cassar sua aposentadoria.
Ideli
Dalva Ferrari, que era fiscal de rendas da Secretaria da Fazenda e se aposentou
em 2016, é acusada pelo Ministério Público de São Paulo de improbidade em uma
ação civil apresentada em 2018 pelo promotor Marcelo Milani.
Embora
Ideli tivesse uma remuneração de aproximadamente R$ 13 mil antes da
aposentadoria, a Promotoria afirma que ela e familiares compraram 44 imóveis e
movimentaram R$ 10 milhões, sem comprovar a origem do dinheiro. Parte das
transações usou dinheiro em espécie.
Além
dessa ação civil, Ideli foi mencionada na delação de Ananias José do
Nascimento, um ex-agente fiscal de rendas envolvido na máfia do ICMS --esquema
de pagamentos de propinas de empresas a agentes públicos para evitar cobranças
tributárias.
Segundo
Ananias, Ideli era conhecida como "rainha da corrupção" na Secretaria
da Fazenda.
O
advogado de Ideli Ferreira, Aristides Zacarelli Neto, afirma que sua cliente
não cometeu qualquer irregularidade.
"O
caso dela é emblemático, porque não obstante ela ter o apelido de 'rainha da
corrupção', é importante lembrar que não há nenhuma ação penal contra ela. Ao
contrário, a investigação feita pelo Ministério Público foi arquivada",
afirma Zacarelli.
Na
nova lei de improbidade, foi eliminada a possibilidade de sanção por irregularidades
"culposas" --agora será preciso a acusação comprovar que houve dolo
(quando há intenção ou se assume o risco de cometer o ilícito).
É
com base principalmente nesse argumento, de que a acusação não apontou dolo,
que a defesa de Ideli tem tentado anular suas ações.
"A
gente entende que a nova lei se aplica sim ao caso dela, seja no âmbito do
processo administrativo, seja no âmbito da própria ação civil pública. O que a
gente pretende fazer é utilizar todos os argumentos legais para que seja aplicada
a nova legislação", diz o advogado.
"Ela
tem um patrimônio que foi adquirido antes mesmo de ela entrar na Secretaria da
Fazenda e o patrimônio dela é absolutamente compatível com os rendimentos que
ela recebeu e ainda recebe", acrescenta. "Isso está mais do que
demonstrado nos autos. Então não há dolo. Dolo do quê? De ela ter amealhado
patrimônio?"
O
entendimento dele, porém, é diferente do exposto pelo desembargador Paulo
Barcellos Gatti em decisão de recurso apresentado pela defesa.
"O
'descompasso' entre a evolução patrimonial do servidor e a remuneração por ele
percebida no cargo permanece qualificado como ato passível de caracterizar
improbidade por enriquecimento ilícito", afirmou.
"Imprescindível
considerar que a Administração Pública em nenhum momento imputou à ex-servidora
a prática de atos destituídos do dever objetivo de cuidado [culpa] ",
disse o magistrado.
"Ao
revés, destacou-se, ao longo de toda a apuração preliminar, a voluntariedade e
a consciência (dolo elemento subjetivo do tipo) da ex-servidora na acumulação
de patrimônio pessoal, o qual aparenta estar desalinhado da capacidade
proporcionada por seus ganhos habituais, podendo ter sido fruto direto de
vantagens indevidas percebidas em razão do exercício da função pública".
A
retroatividade da nova lei de improbidade tem sido motivo de diversas
discussões. A Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal
aprovou uma nota técnica orientando os procuradores que, em seu entendimento, a
nova lei de improbidade não é retroativa.
Para
o Ministério Público, a retroatividade dessas ações vai de encontro à
Constituição.
Advogados
procurados pela reportagem têm uma visão diferente.
"As
novas regras processuais se aplicam de imediato e as novas regras de direito
material mais benéficas se submetem ao princípio da retroatividade em benefício
do acusado ou infrator", afirma a advogada Cecilia Mello, que foi juíza do
TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região).
"Não
me parece haver margem para discussão diante das disposições constitucionais
que regem o tema e do próprio texto da lei."
O
advogado Eduardo Alexandre Guimarães diz que a condenação por improbidade tem
natureza jurídica de pena e tem sido tratada pela doutrina mais moderna,
inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, como um subsistema do direito penal.
"Sendo
uma norma verdadeiramente penal, a lei de improbidade administrativa deve
retroagir para beneficiar o agente acusado", afirma.
O
QUE MUDA NA LEI
Descrição
dos atos de improbidade
Como
era
O
texto da lei era genérico sobre as situações que podem configurar improbidade,
deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados
na legislação
Como
ficou
O
novo texto traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e
prevê que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergência
interpretativa da lei
Forma
culposa de improbidade
Como
era
A
lei estabelecia que atos culposos, em que houve imprudência, negligência ou
imperícia podem ser objeto de punição
Como
ficou
Novo
texto cita apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção de
praticar a conduta prejudicial à administração). A medida deve promover redução
significativa nas punições, pois é muito mais difícil apresentar à Justiça
provas de que o agente público agiu conscientemente para violar a lei
Titular
da ação
Como
era
O
Ministério Público e outros órgão públicos, como a AGU (Advocacia-Geral da
União) e as procuradorias municipais podiam apresentar as ações de improbidade
à Justiça
Como
ficou
O
Ministério Público terá exclusividade para a propositura das ações
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