(* ) Dhyego Pontes
Em
outubro do último ano, uma matéria da BBC de Londres, divulgada pelo
portal UOL, expôs o caso de profissionais que, dentro do contexto de
isolamento social, "aproveitaram" o regime de home office para
acumular jornadas de trabalho em diferentes empresas e, em muitos casos, sem a
anuência dos patrões.
A
reportagem discute ainda que essa é uma prática corrente no mercado global de
tecnologia, cuja possibilidade dos modelos híbridos e de teletrabalho já era
uma realidade mais difundida mesmo antes da pandemia do Coronavírus.
Essa,
aliás, é uma dúvida comum de muitos trabalhadores e empregadores dentro do
mercado brasileiro: afinal, a legislação trabalhista permite jornadas duplas
para diferentes empregadores para um mesmo profissional?
O
que diz a legislação trabalhista?
A
resposta para a pergunta acima é sim. Do ponto de vista jurídico, em essência,
não há nada que impeça o colaborador de uma empresa de assumir um posto em
outra companhia, sem que seja necessário, inclusive, que ele comunique
quaisquer das organizações.
Mas
aqui vale uma ressalva: o trabalhador interessado em cumprir jornadas em
diferentes empresas deve se atentar às cláusulas do contrato negociadas, de
comum acordo, com seus empregadores, haja visto que, em alguns casos, poderá
ser estipulado um compromisso de exclusividade que, consequentemente, impede
que o empregado assuma uma função em outra companhia.
Dito
isso, vale observar que tal movimento (o de impor a exclusividade) não é uma
prática corrente no mercado de modo geral, costumando se restringir a cargos de
alto escalão e/ou para o caso de funcionários que têm acesso a informações
estratégicas do negócio.
Alguns
pontos para se atentar
O
fato de a legislação trabalhista brasileira permitir duas ou mais jornadas em
diferentes empresas por parte de um trabalhador não significa que o empregador
fica desprovido de alternativas quando esse acúmulo de jornadas é prejudicial
para a qualidade do trabalho oferecido pelo seu colaborador.
O
artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por exemplo, dispõe
que a desídia é uma das razões que podem caracterizar uma demissão por justa
causa, a qual pode ser caracterizada por diferentes questões como o acúmulo de
faltas, queda evidente da produtividade e atrasos — pontos esses que,
por sua vez, podem eventualmente ser influenciados em um cenário de
acúmulo de jornadas.
Seguindo
a mesma linha de raciocínio, e como era de se supor, o abandono de emprego
também é motivador de uma demissão por justa causa. Ademais, mesmo quando não
especificamente estipulado em contrato, caso um empregado viole segredos de uma
das empresas será caracterizada, objetivamente, a justa causa.
Por
fim, embora o trabalhador tenha liberdade para trabalhar em diferentes
empresas, essa possibilidade não engloba organizações concorrentes (exceto
quando há anuência dos empregadores), conforme explícito no artigo 482 da
CLT.
Mas,
em se tratando de empregos que transcorrem dentro de um mesmo período de tempo
(por exemplo, das 8h às 17h)? Quando falamos do trabalho presencial,
naturalmente, essa possibilidade fica vedada, haja visto que o trabalhador
acabaria por acumular faltas em uma ou ambas as organizações, sendo então
caracterizada a justa causa.
No
entanto, no regime de home office, ressalvando-se os pontos aqui citados
(de risco na queda de produtividade, atenção para a concorrência, cláusulas de
exclusividade etc.), não existe nenhuma proibição explícita nesse sentido.
Recomenda-se, em conclusão, que no caso de empregadores que desejam estipular
contratos com cláusulas de exclusividade, ou mesmo tenham notado algum prejuízo
na rotina de um colaborador em virtude do acúmulo de jornadas, que busquem
orientação de especialistas nesse sentido.
Afinal
de contas, o home office abre muitas possibilidades positivas para o
mercado, mas também gera dúvidas que devem ser sanadas, de modo que se evitem
falhas na gestão dos recursos humanos da empresa e eventuais transtornos com a
Justiça do Trabalho.
(*) consultor trabalhista e previdenciário na empresa de consultoria Grounds.
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