ARTIGO: Ataques nas redes sociais: o que fazer na posição de autor ou vítima?

 


(*)  Lucas Jacob

O uso de redes como Facebook, Instagram, Twitter, dentre outras, vem se tornando cada vez mais comum na atualidade. Consequentemente, com a alta interação entre pessoas, mesmo de forma virtual, surgem as discussões.

Com isso, existe ainda a possibilidade de configuração de crime nessas situações, principalmente os denominados "Crimes contra a honra", quando ocorre a violação à honra objetiva ou subjetiva dos usuários das redes.

Neste artigo, veremos o que deve ser feito para conseguir a solução jurídica, tanto do ponto de vista da vítima quanto do suposto autor do fato.

Mas antes, veremos quais são os crimes contra a hon

1º Calúnia:

Esse crime consiste em basicamente atribuir um fato criminoso a outra pessoa do qual tenha ciência de sua falsidade.

Não significa simplesmente falar que alguém é ladrão, sendo exigido que a pessoa narre que esse alguém, no dia tal, rua tal, roubou uma bolsa de um transeunte, ou seja, deve-se ter uma narrativa de um fato capaz de particularizá-lo, não somente o adjetivo que caracteriza este fato, como "ladrão".

Nota-se que o fato de chamar alguém de ladrão não deixa de ser crime, podendo se configurar injúria, conforme será visto em seguida.

Além disso, exige-se que seja imputado um crime, o que afasta a tipificação de imputação de contravenção penal a alguém, como dizer que fulano promove o "jogo do bicho" em sua residência, podendo, no entanto, configurar o crime de difamação, pelo fato de o "jogo" em questão ser um fato ofensivo.

Há também outra possibilidade usual nas redes sociais que é a de propagar (compartilhar) a calúnia por meio destas, sem, contudo, tê-la proferido.

Assim, se alguém compartilha em suas redes calúnia contra outra pessoa, pode vir a responder pelo crime, exigindo-se que ela tenha consciência de que está propagando conteúdo falso criminoso contra outra pessoa, podendo responder por difamação se não restar comprovada essa ciência inequívoca - o que, na prática, é até melhor, porque os limites de pena da difamação, mínimo e máximo, são a metade de os da calúnia.

2º Difamação:

Este crime, assim como a calúnia, visa a atacar a honra objetiva de uma pessoa, o que corresponde à boa fama ou reputação desta. Por tal razão, o crime se consuma com a ciência da declaração afrontosa por terceiros, não sendo necessária a ciência da vítima para tanto - o que se exige para iniciar o prazo para ela ir à delegacia ou ajuizar queixa-crime, conforme será visto adiante.

Na difamação, o suspeito fala ou pública em suas redes um fato ofensivo à reputação da vítima, o qual, diferentemente da calúnia, não necessita ser falso.

Um excelente exemplo é alguém que afirma que fulano trai sua esposa, pois o relacionamento extraconjugal não é crime, mas é um fato ofensivo, pouco importando se é verdadeiro ou não.

3º Injúria:

Neste último crime, diferentemente de os outros dois anteriores, o que se protege é a honra subjetiva da pessoa, sua dignidade e decoro do seu ponto de vista pessoal, do modo que ela se vê.

Assim, a postagem de material ofensivo à vítima, seja imagem ou escrito, pode vir a configurar o delito, devendo o juiz analisar, no contexto, a gravidade da palavra proferida, sobretudo do ponto de vista da vítima.

Há também a chamada injúria qualificada, na qual existe teor racista, xenofóbico ou contra idosos e deficientes, sendo a pena neste caso mais rigorosa, com os limites máximos e mínimos superiores aos da injúria simples.

Importante registrar que todos os crimes contra a honra, quando praticados nas redes sociais, a pena é triplicada, agravando bastante a punição.

Certo, mas o que fazer quando se sofre um ataque nas redes:

1º Na injúria qualificada:

Ir à delegacia e realizar registro do boletim de ocorrência, porque a ação penal para processar o suposto autor do fato, nesse caso, é condicionada à representação da vítima.

Quando a pessoa que sofreu o ataque comparece à repartição policial e manifesta interesse em ver o suspeito processado, o delegado dará início ao inquérito e, posteriormente, encaminhará relatório final do procedimento, com as devidas provas, ao promotor, que denunciará, ou não, o suspeito.

2º Na calúnia e na difamação:

Registrar a ocorrência na delegacia ou procurar advogado/defensor público para entrar com uma queixa-crime em face do suspeito, caso já possua as provas do fato.

Diferentemente de a injúria qualificada, na calúnia e difamação a pessoa "exerce" o papel do promotor de justiça e entra com ação na justiça criminal.

O comparecimento em delegacia às vezes é oportuno quando não se sabe quem praticou o fato, pois é um perfil anônimo e são necessárias informações do provedor para identificação, e a autoridade policial detém competência legal para requisitar dos sites dados cadastrais dos usuários, por força do disposto no artigo 10§ 3º da Lei 12.965/14.

Contudo, o § 1º do mesmo artigo e dispositivo legal franqueia a mesma competência para as autoridades judiciais, as quais podem, no momento em que alguém propõe uma queixa-crime, requisitar os dados cadastrais dos provedores para identificação dos suspeitos.

Tal opção pela requisição pelos juízes talvez seja alternativa mais célere do que registrar boletim de ocorrência, vez que infelizmente as delegacias estão cada vez mais sobrecarregadas e sempre priorizam a apuração de crimes mais graves - o que não é o caso dos crimes contra a honra.

Essa escolha também pode ser tomada pela dispensabilidade do inquérito, o qual é necessário para se angariar provas do fato, o que não ocorre nos casos em que as provas já estejam todas produzidas.

Por fim, salienta-se que não é necessária a identificação individualizada dos suspeitos no momento em que se propõe a queixa-crime, podendo a parte solicitar ao juízo diligências para que se obtenham dados do suposto infrator, com fundamento no artigo 44 do CPP.

3º Em todos: Tirar foto da ameaça por meio de "print screen" e autenticá-la por meio de ata notarial, caso não haja testemunhas ou não seja possível o contato com elas:

A medida conhecida como "print screen", que traduzida significa captura de tela, é utilizada para comprovar a ocorrência do ataque proferido na rede social.

Certo, mas há possibilidade de adulteração dessa tela capturada?

Sim, há. Por tal razão que o STJ, em decisão sobre a validade de captura de tela do Whatsapp Web, compreendeu pela ilicitude de tal prova:

Esta Sexta Turma entende que é invalida a prova obtida pelo WhatsApp Web, pois "é possível, com total liberdade, o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas (registradas antes do emparelhamento) ou recentes (registradas após), tenham elas sido enviadas pelo usuário, tenham elas sido recebidas de algum contato. Eventual exclusão de mensagem enviada (na opção"Apagar somente para Mim") ou de mensagem recebida (em qualquer caso) não deixa absolutamente nenhum vestígio, seja no aplicativo, seja no computador emparelhado, e, por conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em processo penal, tendo em vista que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em razão da tecnologia de encriptação pontaaponta, não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários" (RHC 99.735/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 12/12/2018).

De qualquer forma, mesmo com a decisão acima se referindo somente ao aplicativo Whatsapp, o ideal é que sempre se lavre uma ata notarial, para conferir mais força probatória à captura de tela de qualquer rede social.

E o que é isso? É um documento lavrado no cartório de notas em que o tabelião verifica o que lhe está sendo apresentado e escreve uma nota asseverando que tal captura é real, atribuindo-lhe fé pública.

Com esse documento em mãos, praticamente já é possível ingressar com a queixa-crime, haja vista que a identificação do suspeito, caso seja perfil anônimo, pode ser apurada diretamente em juízo.

Tal procedimento possui importância quando não há testemunhas do ocorrido ou não seja possível que elas deponham em juízo.

E se o acusado quiser se defender:

1. Na calúnia e na difamação:

Nesses casos, o suspeito pode se retratar no processo, desculpando-se pelo feito e dizendo que nada do que disse é verdade, isentando a vítima de qualquer acusação.

Em ataques realizados nas redes sociais, a vítima pode ainda exigir que a retratação seja feita nestas: ataque no Instagram, retratação, a critério da vítima, realizada neste.

A retratação independe de aceitação da vítima, salvo se ela exigir que seja feita nas redes e o suspeito não o faça.

É possível também a exceção da verdade, comprovando ao juiz que a imputação de crime ou de fato ofensivo é verdadeira.

Contudo, não é sempre possível tal exceção, não sendo cabível na calúnia:

- Se a vítima é o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;

- Se a imputação de crime é de calúnia ou outro crime de ação penal privada e o suspeito ainda não foi condenado com trânsito em julgado;

- Se a vítima foi absolvida, com trânsito em julgado, pelo crime imputado.

Há entendimento doutrinário firmado por Rogério Greco de que, mesmo nas situações que inadmitem a exceção da verdade, é possível fazê-la com amparo no direito constitucional à ampla defesa, nos casos de calúnia:

Como se percebe sem muito esforço, o inciso Ido § 3º do art. 138 do Código Penal, ao proibir a exceção da verdade quando o ofendido não tenha sido condenado por sentença irrecorrível, deve ser reinterpretado de acordo com o enfoque constitucional do princípio da ampla defesa. Segundo nosso raciocínio, caso exista uma ação penal em curso, visando à apuração de um delito que se atribui à suposta vítima da calúnia, deverá o julgador suspender o curso da ação penal que apura o delito de calúnia, aguardando-se a confirmação da existência ou não do fato, que se estende como falso, definido como crime. (GRECO. 2018. Pag. 338/339)

E na difamação também é possível a comprovação da veracidade do afirmado se o crime não tiver sido praticado por funcionário público e não guardar relação com as suas funções.

Tomando como exemplo o caso narrado anteriormente, se o infiel fosse um juiz e ele cometesse o ato desonroso em seu gabinete no momento de expediente, a pessoa que imputasse esse fato ofensivo poderia alegar a veracidade do dito por ela em eventual processo de difamação movido pelo magistrado.

2. Na injúria simples e qualificada:

Quando o suspeito injuria alguém logo após ser injuriado, há a chamada retorsão imediata, como se fosse uma discussão em que ambos estão sem razão e o juiz simplesmente deixa de aplicar a pena.

Além disso, se o suspeito é injustamente provocado antes de injuriar a pessoa que o faz, também não se configura o crime.

Tais situações são divergentes na jurisprudência quando há a injúria qualificada, tendo o TJ-DF proferido a seguinte decisão asseverando que, neste caso, não é aplicável por conta da desproporcionalidade do ataque racista:

Quanto ao mérito, os Julgadores rejeitaram o pedido de absolvição por ausência de dolo específico à espécie, qual seja, o de macular a imagem e honra do apelado, e asseveraram que para caracterização do crime de injúria não é necessário dolo específico da conduta, denominado de animus injuriandi, pois, para a configuração dos crimes contra a honra, basta o dolo - representado pela consciência e vontade dirigidas à ofensa à dignidade ou decoro da pessoa. Igualmente, a Turma rechaçou o pleito de não aplicação da pena baseada no art. 140§ 1ºI, do CP que prevê a circunstância de retorsão imediata, sob o argumento de que o Senador supostamente teria se referido ao partido político dos acusados quando mencionou em discurso a intenção de "acabar com essa raça". Segundo os Desembargadores, para configurar a retorsão, a provocação deveria ser voltada diretamente contra os réus, ainda que tenha havido crítica à agremiação política. Além disso, a Turma pontificou que, se a retorsão representa injúria real ou preconceituosa, há desproporção que a descaracteriza. Acórdão n.520261, APR, Relator: SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, Revisora: LEILA ARLANCH, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 07/07/2011, Publicado no DJE: 20/07/2011. Pág.: 153.

Assim, a retorsão imediata e motivação por provocação injusta são hipóteses de exclusão do crime na injúria, havendo divergência quanto a sua aplicação à qualificada.

3º Em todos os crimes:

Em todos os crimes citados, a vítima tem um prazo de 6 meses, a contar da ciência desta sobre quem a atacou, para ir à delegacia representar contra ele ou então ajuizar a queixa-crime.

Quando não o faz, perde o prazo e se extingue a punibilidade de quem a atacou.

E até quando a pessoa pode tomar ciência de quem a atacou?

Esse prazo de 6 meses de decadência é o prazo para entrada com o processo. Mas há ainda outro prazo maior, o de prescrição, que varia conforme cada crime, e é o limite máximo para a pessoa tomar ciência da autoria. Veja-se abaixo o prazo de cada crime, já contado o aumento pela prática nas redes sociais:

- Calúnia: 12 anos.

- Difamação: 8 anos.

- Injúria: 4 anos

- Injúria qualificada: Sem prazo, imprescritível por decisão do Supremo no HC 154.248/RS, enquadrando tal delito no rol de crimes de racismo, os quais são puníveis de forma eterna, sem limite temporal.

Portanto, é importante verificar esses prazos para alegar eventual tese defensiva em favor do acusado.

Referências:

BRASIL. Constituição Federal. 1988.

BRASIL. Código de Processo Penal. 1941.

BRASIL. Código Penal. 1940.

BRASIL. Lei 12.965/14. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso ordinário em Habeas Corpus nº 99.735/SC. Relator: Ministra Laurita Vaz. Data de Julgamento: 27 de novembro de 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 154.248/RS. Relator: Ministro Edson Fachin. Data de Julgamento: 28 de outubro de 2021.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Acórdão 520.561. Relator: Silvânio Barbosa dos Santos. Data de julgamento: 7 de julho de 2011.

CASTRO, Henrique Hoffman Monteiro. Delegado de polícia pode acessar dados sem autorização judicial. Consultor Jurídico. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2017-jun-13/academia-policia-delegado-policia-acessar-dados-autorizacao-ju...>. Acesso em 5 de janeiro de 2022.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Especial. 15ª Edição. Editora Impetus. Rio de Janeiro/RJ, 2018.

(*) Especialidade em direito penal e execução pena. Formado em Direito. Escritório DJUS advocacia. Experiência em: 1. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (2019-2020): Área criminal e cível. 2. Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro (2020-2021): Área usucapião, inventário e arrolamento. 3. Escritório A.J. Soares (2019): Área consumidor. 4. Juizado Especial Cível (2018): Área consumidor. Monitor de Teoria Geral do Processo durante o curso de Direito. Autor do PIC: Consolidação do sistema acusatório no processo penal após a Lei Anticrime. Autor do TCC: Teoria e prática do sistema penitenciário brasileiro. Palestrante em Simposio e Colóquio, 2020 e 2021, da UniFOA. Membro da Liga de Direitos Humanos da UniFOA.

Artigo publicado originalmente na pagina do Jusbrasil

Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com

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