NOTICIAS INTERNACIONAIS : Chilenos escolhem 1º presidente depois dos protestos de 2019

José Antonio Kast, candidato da extrema direita, e Gabriel Boric, da esquerda, foram os candidatos mais votados neste domingo e vão disputar segundo turno no dia 19 de dezembro

Da Redação

As eleições deste domingo (19.dez.2021) no Chile refletem os últimos 2 anos de intensas movimentações na sociedade local. Do debate sobre uma nova Constituição à discussão sobre o espaço de povos originários na sociedade, os chilenos levaram às ruas desde outubro de 2019 anos de insatisfação com uma carta magna praticamente inalterada desde a ditadura militar.  

disputa é entre o deputado da Convergência Social, Gabriel Boric, e o advogado conservador José Antonio Kast, do Partido Republicano. O primeiro, de centro-esquerda, se coloca como continuidade do processo político iniciado em 2019. O segundo, ultradireitista, deixou claro que pretende barrar mudanças “radicais” que possam sair da Assembleia Constituinte em curso. A expectativa da população está ligada às origens deste movimento de 2019 e da Constituição de 1980, posta em vigor durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

A expectativa é que o resultado do 2º turno seja divulgado até a noite deste domingo. O Servel (Serviço Eleitoral do Chile) acompanha a apuração em tempo real.

Baixa adesão

A participação de milhões de chilenos nas manifestações não se converteu em maior participação no 1º turno da disputa para o Palácio de La Moneda: 47,34% dos eleitores foram às urnas no país, onde o voto é facultativo. Mais do que vencer as eleições, os candidatos Boric e Kast terão de conquistar legitimidade junto à população.

As propostas dos 2 candidatos à Presidência do Chile alimentam a tensão eleitoral. José Antonio Kast apresentou um programa de governo com 57 páginas que preconiza o aumento do contingente policial (os chamados “carabineros“) nas ruas, investimentos no aparato militar, barreiras físicas nas fronteiras com a Bolívia e o Peru e a redução em 40% com gastos públicos em saúde. Temas discutidos nas eleições brasileiras de 2018, como o fim da ideologia de gênero nas escolas e das relações diplomáticas com Venezuela e Cuba, também estão presentes no programa do ultradireitista.

Boric tem um programa de governo com 229 páginas. Os temas centrais do documento são o aumento da aposentadoria mínima, do salário mínimo e a universalização do sistema de saúde. A descentralização da administração no país para maior autonomia das regiões e preservação do meio ambiente também são assuntos recorrentes. 

O futuro da nova Constituição também está em jogo na eleição deste domingo. Kast disse que vai apoiar o voto “não” caso a Constituição não lhe agrade. Já Boric prometeu que vai colaborar com o processo.

Para Francisca Droguett, antropóloga e professora da Universidade Academia de Humanismo Cristão, do Chile, nenhum dos 2 governos mudará de forma substantiva o modelo econômico e político. “Nenhum deles critica o modelo neoliberal chileno que formou não só a estrutura do país como os hábitos da população”. Na campanha de Boric, por exemplo, o eleitorado à esquerda vê com ressalvas nomes fortes de sua equipe econômica como Roberto Zahler, presidente do Banco Central chileno de 1991 a 1996. 

Na política externa, Kast deve se aliar a Iván Duque [presidente da Colômbia] e a Bolsonaro, diz Fernando Becerra, doutor em direito pela Universidade de Valparaíso. “Já a eleição de Boric significa a construção de alianças com Pedro Castillo [presidente do Peru], Alberto Fernández [presidente da Argentina] e Luis Arce [presidente da Bolívia]”.

O estallido e as eleições

Para muitos pesquisadores, as manifestações de 2019 –chamadas de “estallido social”, ou “quebra social” em português– foram as maiores no Chile desde o final da ditadura e reuniram, no total, 3,4 milhões nas ruas. Começaram com o aumento do preço do metrô em 30 pesos chilenos (equivalente a R$0,20, na conversão de dezembro de 2021). Quem esteve à frente dos protestos, no início, foram estudantes secundaristas, que organizaram as “evasiones” (o movimento de pular as catracas). A violência policial e a presença maçiça de jovens deram visibilidade para o movimento, que ganha então porte nacional. 

Apesar da vitória da esquerda chilena nas eleições de governadores e prefeitos em junho de 2021, a lacuna criada pelos movimentos independentes foi aproveitada pela direita para articular e ampliar a representação no Parlamento. Além de ter Kast como vencedor no 1º turno, a direita chilena tem 48% de representantes eleitos na Câmara dos Deputados, 50% no Senado e 65% para os conselheiros regionais nas cidades e nas províncias. 

Uma parcela do avanço da direita se deu pelo diagnóstico errado feito por grupos da esquerda chilena em relação às manifestações, diz Becerra. “Produziu-se uma confusão entre o que é o descontentamento generalizado com uma opção política de transformar um modelo. O descontentamento não se converteu em um movimento político que busca acabar com o modelo capitalista, mas modelá-lo para responder às necessidades básicas”, afirma Becerra.

O perfil dos manifestantes e o caráter político das manifestações de 2019 foram decisivos para os movimentos políticos das últimas eleições. Segundo levantamento da Escola de Jornalismo da Universidade Diego Portales com a consultoria Feedback, 61% dos jovens entre 18 e 29 anos foram a pelo menos uma manifestação naquele ano. Entre os que participaram, 67% não acreditavam em uma liderança capaz de ajudar o país a sair da crise e apenas 7% confiavam nos veículos de comunicação. A maioria era de classe média e tinha formação superior.

Para Droguett, esse perfil mostra que os partidos de esquerda não conseguiram juntar essa força pelo histórico dos governos recentes: “Esse cenário se soma ao fato de que no Chile há uma forte crítica aos partidos políticos e progressistas, que não mudaram a Constituição mesmo governando a maior parte dos últimos 30 anos”.

Considerado o universo de eleitores chilenos, nem Kast nem Boric chegaram a 15% de votos. Ainda assim, o candidato republicano tem a vantagem de ter vencido o 1º turno. “Se a participação na votação não subir, o cenário é favorável a Kast. Quem participa já está decidido. Boric acabou falando mais com o centro político, o que dá pouca margem de manobra. O desafio de Boric é trazer para a votação as pessoas desinteressadas”, analisa Becerra.

Contexto

Os protestos do “estallido social” alcançaram o ápice em 18 de outubro de 2019, o que levou o então presidente Sebastián Piñera a decretar estado de emergência. É quando surge na pauta a demanda por uma nova Constituição, que superasse a carta magna do pinochetismo. Mesmo com a revogação do aumento nas passagens, a temperatura das ruas aumentava e as forças policiais chilenas (os “carabineros“) prenderam mais de 3.000 pessoas.

A insatisfação com a Constituição se dava com a forma política e econômica consolidada em 1990, com o fim da ditadura, quando o Chile tornou-se modelo de privatizações dos principais setores econômicos. A sensação que a política chilena reagia de forma muito mais lenta do que as demandas da população é um dos fatores fundamentais na frustração da população com as instituições, afirma Máximo Quintral, historiador e cientista político da Utem (Universidade Tecnológica Metropolitana do Chile).

“Os movimentos sociais cobram, por exemplo, educação pública e gratuita para todos. Já o sistema institucional coloca barreiras para uma mudança imediata e apresenta argumentos técnicos, sempre pedindo alterações graduais. O Parlamento tem tempo e decisões distintas das que demandam os movimentos sociais”, afirma Quintral.

A Constituição de 1980, que vigora até hoje no país, tem como ponto mais sensível a determinação de um chamado “Estado Subsidiário”. Isso significa que as empresas privadas e o mercado definem as políticas públicas. Como exemplos práticos desta intervenção estão os hospitais e as universidades, aos quais a população precisa pagar para ter acesso. As escolas de educação básica são geridas por Corporações Educativas (similar às “Organizações Sociais” no Brasil). Saúde, educação e a previdência social no Chile são mantidos pela iniciativa privada e foram os setores-chave dos debates promovidos pelas manifestações.

Droguett afirma que essa forma de gestão pública gera endividamento da população. “O Chile foi o berço do laboratório neoliberal. Privatizou-se a  educação, a saúde e o bem estar social. Tudo que se tem como supostos benefícios são dívidas. A sociedade está extremamente endividada e precarizada porque tudo se paga: saúde, educação e até mesmo os bens naturais, que são fruto da nossa terra como a água, são administrados pelo setor privado”.

Neste contexto, o país assegurou uma estabilidade econômica que deu legitimidade à política chilena no resto do mundo. Nos anos 1990, o crescimento médio do PIB em 4% levou o jornal El Mercúrio a cunhar o apelido de “Jaguar da América Latina” para o Chile, em comparação aos Tigres Asiáticos, países que tiveram um processo de industrialização e expansão econômica acelerada na década de 1970.

As relações étnicas também tiveram protagonismo nas manifestações chilenas, onde a bandeira do povo originário Mapuche se destacou e virou símbolo dos grupos debatiam a necessidade de um Estado plurinacional.

Em toda a América Latina, o Chile é o único país que não reconhece os povos tradicionais na Constituição. Segundo o Grupo Internacional de Trabalho sobre Assuntos Indígenas, 9 povos de diferentes etnias vivem no Chile e representam 9% da população de 19,1 milhões de pessoas (1,5 milhão de indígenas vivem no país, quase o dobro do número que vive no Brasil). Essa participação se refletiu na reserva de 17 vagas para os mapuches entre as 155 cadeiras da Assembleia Constituinte, processo iniciado via plebiscito com participação de 50,98% dos eleitores aptos a votar.

Quintral vê a baixa adesão é uma consequência da insatisfação dos manifestantes com a lentidão do processo. “A força política que emergiu nos movimentos também fracassou em construir um projeto político alternativo que permitiria maior representação”, explica. Esta organização política chamada de “independente” formou a chamada Lista do Povo, que conseguiu cerca de 1 milhão de votos e 17% das cadeiras da assembleia, mas perdeu expressão por divergências internas.

A Constituinte chilena foi formalmente estabelecida em 4 de julho deste ano. Tem de 9 a 12 meses para redigir e aprovar o texto e mais 60 dias, em meados de 2022, para realizar plebiscito que aprovará ou rejeitará a nova Carta Magna Com informações do poder360


Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.co

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