(*) Renato Melquíades de Araújo
No
início de novembro, diversas empresas e órgãos públicos passaram a exigir o
comprovante de imunização contra o Coronavírus de seus empregados e
colaboradores, a exemplo da Gol Linhas Aéreas, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Nesse
sentido, a Justiça do Trabalho tem validado a demissão por justa causa de
empregados que se recusam a seguir o cronograma da imunização, estabelecido
pelas autoridades de saúde e exigido pelos empregadores, sob pena de
caracterização de indisciplina e insubordinação do trabalhador recusante.
Assim,
causou perplexidade entre os especialistas a edição da Portaria
número 620, de 1º de novembro, pelo Ministro do Trabalho e Previdência
(Portaria nº 620), que, entre outras medidas, proíbe as empresas de, "na
contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer
documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente
comprovante de vacinação".
Para
a referida portaria, "considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade
de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de
trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da
não apresentação de certificado de vacinação".
Por
fim, a portaria afirma que o "rompimento da relação de trabalho por
ato discriminatório..., além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao
empregado optar entre a reintegração com ressarcimento integral de todo o
período de afastamento, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento,
corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais".
No
entanto, a Portaria nº 620 é absolutamente inconstitucional e ilegal,
representando uma usurpação da competência legislativa do Congresso Nacional.
O
artigo 87 da Constituição afirma que os ministros de Estado podem expedir
instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos. Por sua vez, a
CLT atribui competência ao ministro do Trabalho para regulamentar diversos
aspectos protetivos das relações de trabalho, como, por exemplo, a manutenção
de serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho
(artigo 162), o funcionamento das Cipas (artigo163, parágrafo único)
e as atividades perigosas e insalubres (artigos 192 e 193).
Contudo,
a Portaria nº 620 não instrui ou regulamenta qualquer texto legal ou
constitucional, muito em sentido contrário.
Conforme
prevê a Constituição, a saúde é direito social de todos (artigo 6º), enquanto
que os trabalhadores têm direito fundamental à proteção contra o dano à saúde
ou à integridade física (artigo 7⁰, inciso XXI).
Além
de fundar a ordem econômica brasileira na valorização do trabalho humano
(artigo 170), a Carta Maior estabelece que a ordem social tem como bases o
primado do trabalho e do bem-estar social.
No
âmbito infraconstitucional, a Lei nº 8.213/81 (Lei dos Benefícios
Previdenciários) afirma que a empresa é responsável pelas medidas coletivas e
individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador (artigo 10,
parágrafo 10). Da mesma forma, determina que as empresas devem oferecer um meio
ambiente de trabalho sadio e seguro aos seus empregados, devendo ser adotadas
todas as medidas cabíveis e possíveis de precaução e higiene no local de
trabalho (artigo 19, parágrafo 1º).
Por
sua vez, a CLT afirma que cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de
segurança e medicina do trabalho (artigo 157, inciso I). Prevê, ainda
(artigos 168 e 169), diversas normas relativas à proteção dos
trabalhadores contra doenças do trabalho.
As
disposições protetivas da CLT são regulamentadas por normas editadas pelo
Ministério do Trabalho, que tem a incumbência de instruir as partes da relação
de trabalho quanto ao cumprimento das normas protetivas.
A
Norma Regulamentadora nº 7 (NR-7) trata de diversos aspectos da saúde do
trabalhador no ambiente de trabalho, exigindo a elaboração e a implementação do
Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).
A
NR-7 passou por atualização recente, após trabalho realizado pelo Grupo de
Trabalho Tripartite (GTT), constituído com paridade entre representantes do
governo federal, dos trabalhadores e dos empregadores. Assim, de acordo com o
novo texto da NR-7, o controle da imunização ativa dos empregados relacionada a
riscos ocupacionais deve ser uma diretriz obrigatória do PCMSO (item 7.3.2.l)
das empresas.
Da
mesma forma, segundo a Norma Regulamentadora nº 32 (NR-32), sempre que houver
vacinas eficazes contra outros agentes biológicos a que os trabalhadores podem
estar expostos, o empregador deve fornecê-las gratuitamente (item 32.2.4.17.2).
É
preciso lembrar, ainda, que, não tomando todas as medidas possíveis de
prevenção, as empresas podem vir a ser responsabilizadas em caso de eventual
surto entre os seus empregados, com eventual caracterização da
chamada Covid laboral, equiparável a doença do trabalho por força do
artigo 20, inciso II, e do artigo 21, inciso III, ambos da Lei de
Benefícios Previdenciários.
De
igual forma, cabe mencionar o Decreto nº 3.048/99, Regulamento da Previdência
Social (RPS), que contém a associação de um vasto número de doenças a
atividades e condições de trabalho nas empresas. Na sua lista B, há correlação
entre infecções virais, como a dengue, a febre amarela e a hepatite, e o
exercício do trabalho em locais endêmicos, o que se aplica, por analogia, ao
novo coronavírus.
Sendo
assim, a Portaria nº 620 do Ministro do Trabalho ofende o texto da
Constituição, de diversas leis ordinárias federais, de decretos e de
regulamentos, ao contrário do que lhe permite o artigo 87 da Carta Maior.
A
exigência de vacinação contra o novo coronavírus não é sequer uma
faculdade das empresas, mas uma obrigação imposta pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
A
vacinação é medida eficaz de proteção coletiva, que visa à oferta de um
ambiente de trabalho imunizado contra o novo coronavírus, que já matou mais de
600 mil brasileiros.
É
preciso lembrar, conforme dispõe o artigo 8º da CLT, que as autoridades
administrativas e a Justiça do Trabalho devem atuar de modo que nenhum
interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Sendo
assim, em cumprimento ao artigo 49 da Constituição, urge que o Congresso
Nacional suste os efeitos da Portaria nº 620, ante as inconstitucionalidades e
ilegalidades flagrantes, restabelecendo, com isso, a segurança jurídica para as
empresas que adotam medidas visando à proteção da saúde de todos os
trabalhadores e à higiene de seu local de trabalho.
Artigo publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico
Para ler mais acesse, www: professortacianomedrado.com
AVISO: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Blog do professor Taciano Medrado. Qualquer reclamação ou reparação é de inteira responsabilidade do comentador. É vetada a postagem de conteúdos que violem a lei e/ ou direitos de terceiros. Comentários postados que não respeitem os critérios podem ser removidos sem prévia notificação.
Postar um comentário